Pois é, vizinha...
Foto: Kiran
Porque há relação
“Pois é, vizinha...” é uma adaptação do texto “Uma mulher sozinha” escrito em 1991 pelo mais importante dramaturgo italiano vivo Dario Fo e sua esposa, a ex-senadora Franca Rame. Débora Finocchiaro assina a adaptação e direção, além de atuar no espetáculo desde sua estréia em 1993. O monólogo, junto com Bailei na Curva e Tangos Tragédias, além de Dona Gorda e Se meu ponto G falasse, faz parte do grupo de espetáculos que não conseguem sair de cartaz tamanho número de pessoas que gostam de ver e rever sua montagem. Para mim, que há dez anos não ouvia a história de Maria, trancada em seu apartamento pelo marido Aldo, o constante retorno desse trabalho, o mais importante na carreira de Finocchiaro, é motivo de orgulho para a capital gaúcha. Além de ser um motivo de grande interesse por parte da análise crítica. Por que “Pois é, vizinha...” faz tanto sucesso?
Em primeiro lugar, não menos importante que os outros, o motivo é Débora Finocchiaro. Depois, penso em Fo e Rame e, por fim, na Companhia de Solos & Bem Acompanhados, que realiza o espetáculo. Uma vez que teatro é um objeto de arte composto de várias partes que só fazem sentido na relação, ou ausência de, com outras semelhantes, é impossível dedicar um só parágrafo para cada ponto acima levantado. Ia ficar um check-list bem bonitinho, mas nada verdadeiro. Um aspecto só é importante porque tem o outro. Pena esse texto ser literatura e, por isso, me oferecer muitos desafios para atingir esse objetivo. Senão, falaria (e não escreveria) sobre tudo ao mesmo tempo. Aldo só é machão porque Maria é submissa. A porta da casa de Maria só está trancada porque alguém a fechou e ninguém (assistam à peça) abriu. A protagonista só conversa com a vizinha porque ela, sendo vizinha, mora no edifício da frente. Esse texto, se ninguém o ler, continuará sendo o texto. Se ninguém visse “Pois é, vizinha...” ela nunca teria deixado de ser só um ensaio lá no início dos anos 90.
Ao criar uma história que se apresenta aos poucos, Fo/Rame cria uma personagem que se mostra devagarinho na sua maior complexidade. Excelente atriz que é, Finocchiaro, que parece superficial e cheia de máscaras e sons infantilóides no início, vai deixando ver que é na casca que se encontra o refúgio de sua personagem, já desprovida de conteúdo, agarrada às migalhas de esperanças que vai recolhendo do chão brilhante de seu apartamento. Quanto mais a peça avança, mais caras e bocas a atriz faz. Seu corpo se movimenta, sua energia fica mais nervosa, a personagem parece transpirar. Maria serve-se da agilidade de Finocchiaro, de sua disponibilidade vocal, de seu corpo criativo e, principalmente, de seu carisma. Junte-se isso, o colorido do cenário e dos objetos cênicos que rodeiam a produção e avançam sobre a interpretação tão rica em figuras marcantes. A mãe do professor de inglês, o marido Aldo e a empregada sem pescoço não são ilhas na direção de “Pois é, vizinha...”, mas, ao contrário, excelentemente, se apresentam como pontos de vista de Maria, esses carregados de crítica e de deboche. Maria sobre Finocchiaro nos faz rir e nos faz pensar sobre a crueldade que nos motiva a rir. Fo e Rame não criaram uma comédia. Somos nós quem vemos no texto a comédia de que fugimos. Em algum momento de nossas vidas, afinal, todos estivemos presos dentro de um apartamento, mesmo sendo esse lugar nós mesmos.
A produção que completa 17 anos já atingiu a maioridade há muito tempo. A quantidade de pessoas que já a assistiram já passou dos duzentos mil divulgados. Maria, no entanto, segue a mesma. Sempre presa. Presa ao Aldo, presa à Finocchiaro, presa ao colorido, à sonoplastia, à necessidade de alguém na platéia que a ouça, que sorria com ela e pense sobre ela. E que, quem sabe, também escreva sobre ela.
Cara Maria, aqui vai minha contribuição.
I Love You.
*
Porque há relação
“Pois é, vizinha...” é uma adaptação do texto “Uma mulher sozinha” escrito em 1991 pelo mais importante dramaturgo italiano vivo Dario Fo e sua esposa, a ex-senadora Franca Rame. Débora Finocchiaro assina a adaptação e direção, além de atuar no espetáculo desde sua estréia em 1993. O monólogo, junto com Bailei na Curva e Tangos Tragédias, além de Dona Gorda e Se meu ponto G falasse, faz parte do grupo de espetáculos que não conseguem sair de cartaz tamanho número de pessoas que gostam de ver e rever sua montagem. Para mim, que há dez anos não ouvia a história de Maria, trancada em seu apartamento pelo marido Aldo, o constante retorno desse trabalho, o mais importante na carreira de Finocchiaro, é motivo de orgulho para a capital gaúcha. Além de ser um motivo de grande interesse por parte da análise crítica. Por que “Pois é, vizinha...” faz tanto sucesso?
Em primeiro lugar, não menos importante que os outros, o motivo é Débora Finocchiaro. Depois, penso em Fo e Rame e, por fim, na Companhia de Solos & Bem Acompanhados, que realiza o espetáculo. Uma vez que teatro é um objeto de arte composto de várias partes que só fazem sentido na relação, ou ausência de, com outras semelhantes, é impossível dedicar um só parágrafo para cada ponto acima levantado. Ia ficar um check-list bem bonitinho, mas nada verdadeiro. Um aspecto só é importante porque tem o outro. Pena esse texto ser literatura e, por isso, me oferecer muitos desafios para atingir esse objetivo. Senão, falaria (e não escreveria) sobre tudo ao mesmo tempo. Aldo só é machão porque Maria é submissa. A porta da casa de Maria só está trancada porque alguém a fechou e ninguém (assistam à peça) abriu. A protagonista só conversa com a vizinha porque ela, sendo vizinha, mora no edifício da frente. Esse texto, se ninguém o ler, continuará sendo o texto. Se ninguém visse “Pois é, vizinha...” ela nunca teria deixado de ser só um ensaio lá no início dos anos 90.
Ao criar uma história que se apresenta aos poucos, Fo/Rame cria uma personagem que se mostra devagarinho na sua maior complexidade. Excelente atriz que é, Finocchiaro, que parece superficial e cheia de máscaras e sons infantilóides no início, vai deixando ver que é na casca que se encontra o refúgio de sua personagem, já desprovida de conteúdo, agarrada às migalhas de esperanças que vai recolhendo do chão brilhante de seu apartamento. Quanto mais a peça avança, mais caras e bocas a atriz faz. Seu corpo se movimenta, sua energia fica mais nervosa, a personagem parece transpirar. Maria serve-se da agilidade de Finocchiaro, de sua disponibilidade vocal, de seu corpo criativo e, principalmente, de seu carisma. Junte-se isso, o colorido do cenário e dos objetos cênicos que rodeiam a produção e avançam sobre a interpretação tão rica em figuras marcantes. A mãe do professor de inglês, o marido Aldo e a empregada sem pescoço não são ilhas na direção de “Pois é, vizinha...”, mas, ao contrário, excelentemente, se apresentam como pontos de vista de Maria, esses carregados de crítica e de deboche. Maria sobre Finocchiaro nos faz rir e nos faz pensar sobre a crueldade que nos motiva a rir. Fo e Rame não criaram uma comédia. Somos nós quem vemos no texto a comédia de que fugimos. Em algum momento de nossas vidas, afinal, todos estivemos presos dentro de um apartamento, mesmo sendo esse lugar nós mesmos.
A produção que completa 17 anos já atingiu a maioridade há muito tempo. A quantidade de pessoas que já a assistiram já passou dos duzentos mil divulgados. Maria, no entanto, segue a mesma. Sempre presa. Presa ao Aldo, presa à Finocchiaro, presa ao colorido, à sonoplastia, à necessidade de alguém na platéia que a ouça, que sorria com ela e pense sobre ela. E que, quem sabe, também escreva sobre ela.
Cara Maria, aqui vai minha contribuição.
I Love You.
Ficha Técnica:
Texto: Dario Fo e Franca Rame
Direção, Adaptação e Atuação:
Deborah Finocchiaro
Ator convidado: Zé Derli Rodrigues
Texto: Dario Fo e Franca Rame
Direção, Adaptação e Atuação:
Deborah Finocchiaro
Ator convidado: Zé Derli Rodrigues
1 Comentário:
Adoro a Debora nesta peça. Otimo comentário. Continua.
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