A doce bárbara
Foto: divulgação
Companhia
Tava fazendo as contas e descobri que, em 2009, eu assisti a algo como 120 (cento e vinte) espetáculos teatrais. 93 pro blog, 16 no Porto Alegre em Cena, mais aquelas peças a que assisti, mas sobre as quais não escrevi. E, em boa parte dessas sessões, eu estava sozinho. Saí sozinho. Entrei no teatro sozinho. Sem conhecer a pessoa do lado ou da frente, fruí sozinho também. Considerando o fato de que é uma média de um espetáculo a cada três dias ao longo dos doze meses, o que me faz espantar quando alguém ousa duvidar se eu gosto ou não de teatro, a minha solidão na platéia é compreensível. Estava pensando nisso quando começou “A doce bárbara”, espetáculo que conta com a presença única de Antônio Carlos Falcão. Fazia muito tempo que ouvia falarem muito bem da peça, mas nunca tinha conseguido ver. No ano passado, por exemplo, meu ingresso caiu no dia mais quente no ano e, cinco minutos antes de começar, preferi ir embora do Espaço OX, sem nem ventilador e muito menos conforto, a fritar lá dentro contando os minutos pra terminar. Em 2010, consegui! E o espetáculo é realmente tudo o que me disseram e mais um pouco. Uma seara onde vários conjuntos significativos se encontram e que eu, com muita dificuldade de separar o joio do trigo, ouso apenas me manifestar sobre o que é teatral.
Lá estava Falcão. Lá estava eu. Lá estava Bethânia. Lá estava eu, agora, platéia. Não estava Falcão imitando Bethânia, tampouco eu sou público, embora publique um pouco do escrevo. Ele é melhor do que Bethânia porque, aparte a mulher cantora, o que existe é a mídia, o imaginário, o que fica entre nós e a irmã de Caetano. Mídia é média, média porque fica no meio. E pode até ser que Falcão tenha partido dela ou desse meio, mas certamente ultrapassou. Assiste-se a um personagem, a uma construção, a algo que só quem vê compartilha. E o teatral parte justamente do irreprodutível. Os ritmos dos textos dados. Os próprios textos ditos. A forma como bate na perna, levanta os braços, sorri e faz cara séria. O balanço dos cabelos, a interpretação de Chico, a interpretação de Nei, o movimento pelo palco. Cada signo é tratado e posto sob a luz a partir de um vistoso estudo e grande meticulosidade. O ritmo com que a história da ida de Bagé a Santo Amaro da Purificação e, de lá, para o mundo é contada deixa, então, ver o que há de mais teatral no espetáculo cujo nome lembra um show de 1976. Em “Os doces bárbaros”, Bethânia não estava sozinha. No palco, Falcão não está sozinho. Na platéia, também eu não estava só.
O ator é atento à resposta do público. O palco se ilumina e a banda é vista se divertindo em cena. A platéia é pega cantarolando as músicas, sorrindo sem parar, aplaudindo quando isso não atrapalha, gargalhando várias vezes com histórias como a de Eva Sopher, ela e Tania Carvalho correndo nuas pelo Gasômetro, por exemplo. Sim, Bethânia é o foco e o espetáculo é para a personagem. O monólogo conduz as músicas, as músicas continuam o texto. O figurino conversa com o ritmo da voz, o cenário com a alegria dos músicos. O mais somos, agora, nós soltos ao puro divertimento.
Tão difícil como separar o teatro do show musical é separar uma crítica de uma narração, de um conto, de uma crônica, de um poema. Tão fácil como identificar a diferença entre “A doce bárbara” e “Édipo-Rei”, é separar Cláudio Heemann e Sábato Magaldi de mim.
Mas cá estou, como Falcão quem tem a companhia da música, com a delícia da poesia da noite de ontem.
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Tava fazendo as contas e descobri que, em 2009, eu assisti a algo como 120 (cento e vinte) espetáculos teatrais. 93 pro blog, 16 no Porto Alegre em Cena, mais aquelas peças a que assisti, mas sobre as quais não escrevi. E, em boa parte dessas sessões, eu estava sozinho. Saí sozinho. Entrei no teatro sozinho. Sem conhecer a pessoa do lado ou da frente, fruí sozinho também. Considerando o fato de que é uma média de um espetáculo a cada três dias ao longo dos doze meses, o que me faz espantar quando alguém ousa duvidar se eu gosto ou não de teatro, a minha solidão na platéia é compreensível. Estava pensando nisso quando começou “A doce bárbara”, espetáculo que conta com a presença única de Antônio Carlos Falcão. Fazia muito tempo que ouvia falarem muito bem da peça, mas nunca tinha conseguido ver. No ano passado, por exemplo, meu ingresso caiu no dia mais quente no ano e, cinco minutos antes de começar, preferi ir embora do Espaço OX, sem nem ventilador e muito menos conforto, a fritar lá dentro contando os minutos pra terminar. Em 2010, consegui! E o espetáculo é realmente tudo o que me disseram e mais um pouco. Uma seara onde vários conjuntos significativos se encontram e que eu, com muita dificuldade de separar o joio do trigo, ouso apenas me manifestar sobre o que é teatral.
Lá estava Falcão. Lá estava eu. Lá estava Bethânia. Lá estava eu, agora, platéia. Não estava Falcão imitando Bethânia, tampouco eu sou público, embora publique um pouco do escrevo. Ele é melhor do que Bethânia porque, aparte a mulher cantora, o que existe é a mídia, o imaginário, o que fica entre nós e a irmã de Caetano. Mídia é média, média porque fica no meio. E pode até ser que Falcão tenha partido dela ou desse meio, mas certamente ultrapassou. Assiste-se a um personagem, a uma construção, a algo que só quem vê compartilha. E o teatral parte justamente do irreprodutível. Os ritmos dos textos dados. Os próprios textos ditos. A forma como bate na perna, levanta os braços, sorri e faz cara séria. O balanço dos cabelos, a interpretação de Chico, a interpretação de Nei, o movimento pelo palco. Cada signo é tratado e posto sob a luz a partir de um vistoso estudo e grande meticulosidade. O ritmo com que a história da ida de Bagé a Santo Amaro da Purificação e, de lá, para o mundo é contada deixa, então, ver o que há de mais teatral no espetáculo cujo nome lembra um show de 1976. Em “Os doces bárbaros”, Bethânia não estava sozinha. No palco, Falcão não está sozinho. Na platéia, também eu não estava só.
O ator é atento à resposta do público. O palco se ilumina e a banda é vista se divertindo em cena. A platéia é pega cantarolando as músicas, sorrindo sem parar, aplaudindo quando isso não atrapalha, gargalhando várias vezes com histórias como a de Eva Sopher, ela e Tania Carvalho correndo nuas pelo Gasômetro, por exemplo. Sim, Bethânia é o foco e o espetáculo é para a personagem. O monólogo conduz as músicas, as músicas continuam o texto. O figurino conversa com o ritmo da voz, o cenário com a alegria dos músicos. O mais somos, agora, nós soltos ao puro divertimento.
Tão difícil como separar o teatro do show musical é separar uma crítica de uma narração, de um conto, de uma crônica, de um poema. Tão fácil como identificar a diferença entre “A doce bárbara” e “Édipo-Rei”, é separar Cláudio Heemann e Sábato Magaldi de mim.
Mas cá estou, como Falcão quem tem a companhia da música, com a delícia da poesia da noite de ontem.
E minha música preferida: http://vagalume.uol.com.br/maria-bethania/o-circo.html
1 Comentário:
Sempre recomendo A Doce Bárbara pra quem me pede sugestões de espetáculos bons (na minha opinião evidentemente). Na mesma noite, assisti Antônio Carlos Falcão numa leitura de Tchecov, no Santander e de lá foi pro Câmara, "transformar-se" na doce bárbara. Porto Alegre tem excelentes artistas! Ratifico tuas palavras em relação ao espetáculo.
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