20 de jan. de 2010

O Bordel das Irmãs Metralha


Foto: Moacir Maciel

Bondade Humana

Como Anne Frank, eu acredito na bondade humana. Mas vou além: casa cheia a ponto de pessoas terem que ir embora porque não há cadeiras extras em espetáculo que continua sendo aplaudido mais de dez vezes (sem estar exagerando!) em cena aberta no seu quinto verão consecutivo é, sim, certificado de qualidade. Peça ruim, por mais que a crítica tenha gostado, não fica em cartaz. Acaba o patrocínio que pagou o cachê dos atores (financiamento, cartão de crédito, lei de incentivo, apoio...) e não há bilheteria que lhe dê uma segunda temporada. E, sensíveis que são, os próprios atores cansam de ver suas platéias dormindo, sorrisos amarelos dos amigos, gritinhos de viva mais pela comum "babação de ovo" do que pelo êxtase estético que só os bons espetáculos produzem. Não se trata de negar o valor artístico de peças não vistas, mas de reforçar o valor, esse tomado de assalto pelos invejosos de plantão, de uma peça que volta e revolta há tantos anos e com tantos aplausos.

Aqui estou falando de “O Bordel das Irmãs Metralha”.

Dados os parabéns, vamos tentar entender alguns dos aspectos que, talvez, apontem para o sucesso de bilheteria.

O espetáculo é simples: não precisa ser nenhum pós-doutor em filosofia para fruí-lo. Uma velha cafetina quer se matar numa noite de tempestade quando, motivadas pelo mal tempo, quatro mulheres se abrigam sob o seu teto. As mulheres não se conhecem e contam uma para as outras suas histórias tristes. Resolvem, como saída para as cinco desesperadas, reabrir o bordel convidando os políticos nacionais e da região para conhecer a casa. Termina com abertura do lugar e a chegada dos clientes. Entretenimento puro.

A estética, felizmente, não atrapalha em nada a produção e só conduz a ela, o que é um ganho e tanto! A decrepitude do lugar é vista nos móveis, na decoração e, sobretudo, no título.“Irmãs Metralha” lembra algo que foi muito divertido há décadas atrás. “The Beagle Boys” era a quadrilha de ladrões que queria roubar o cofre do Tio Patinhas. As quatro invasoras podem ser vistas como as novas “The Beagle Girls” que, ao chegar no cofre da “Mamãezinha Querida”, a dona do Bordel, descobrem que não há nada que possa ser roubado.

Os figurinos conservam em si características que apontam para as personagens. Todos eles sustetam uma réstia de glória que, no tempo narrativo atual, nada mais é que sonho. A nordestina veste uma chita. A que quer ir para os Estados Unidos veste um vestido que lembra a Big Apple. A personagem atriz usa um vestido já de morno requinte, sóbrio e cintilante. A dançarina veste uma malha azul com uma saia rosa. A anfitriã, nada menos que brilho, brilho e brilho,advindo, no entanto, de um barato tecido de origem preferencialmente desconhecida.

O texto exorta a imagem de alguém no mais baixo nível da decadência mas com olhos para cima, para o alto, para o sonho. As grandes histórias são feitas disso. Lembrei agora de Cinderella, de Oscar Hammerstein II e Richard Rodgers (os mesmos autores de The Sound of Music, Oklahoma!, Carrossel, The King and I e South Pacific) em que Julie Andrews viaja por vários mundos e, então, volta para sua velha cadeira no cantinho da cozinha.

In my own little corner, In my own little chair
I can fly anywhere and the world will open its arms to me. 

Mamãezinha Querida, apesar do nome, tem em si o gosto amargo do abandono e não se cansa de lembrar as visitantes do horror de suas existências. Talvez ela se encontre nas que a ela chegam e, sem que possamos definir quando e onde, resolve re-abrir com elas o Bordel e dar-se uma nova chance.

O humor do texto, que se reflete nas situações criadas pela dramaturgia e é conseqüência das cinco interpretações, é o maior motivo por tantos aplausos e gargalhadas. Assim como um lugar abandonado representa a solução para a vida de cinco personagens, xingamentos são elogios, gritos são sussurros, aplausos são ofensas. Tudo é visto não a partir do como se mostra, mas pela possibilidade de adianta.

As interpretações são ótimas. Dandara Rangel, Everton Barreto, Glória Crystal, João Carlos Castanha e Lauro Ramalho exibem um domínio de público raro. Jogam com a platéia, jogam entre si, jogam os personagens e a narrativa. Ao dublarem canções conhecidas (três delas da Ópera do Malandro, do Chico Buarque), dão ao personagem uma voz que não é nem delas, nem da cantora que ouvimos no playback. Ouvimos a voz da personagem, suas brincadeiras, seu humor. Deve ser dito que Dandara Rangel é a que menos explora sua personagem em relação às suas colegas de palco: sua dublagem de New York, New York (Liza Minnelli) deixa a desejar mais pelo histrionismo de Dandara, expresso pela sua necessidade de jogar com a platéia, do que pela relação da música com o contexto de sua personagem.

Está em João Carlos Castanha, a Mamãezinha Querida, o grande e máximo ponto de “O Bordel das Irmãs Metralha”. Simples, puro, honesto, o ator faz uso de sua fragilidade, de sua ironia e de sua voz forte e entrega tudo isso para a personagem, para a história, para o espetáculo. Quem ganha e aplaude somos nós.

A peça, dirigida por Zé Adão Barbosa, termina exatamente quando tem que terminar, o que dá a ver uma noção de ritmo cênico coerente com os mais de 30 anos de experiência que o diretor tem.

Desfrutar de um espetáculo como esse nada mais é que uma bondade para consigo mesmo. Afinal de contas,   a bondade de abrir sua casa para quem a invade pode fazer nascer uma nova vida.

*

Ficha Técnica:

Direção - Zé Adão Barbosa.
Roteiro - João Carlos Castanha e Zé Adão Barbosa.
Elenco - Dandara Rangel, Everton Barreto, Glória Crystal, João Carlos Castanha e Lauro Ramalho.
Cenografia - Luiz Setinger.
Figurinos - Naray Pereira.
Iluminação e operação de luz - Carlos Azevedo.
Produção e divulgação - Lauro Ramalho.
Projeto gráfico - José Alessandro.


4 Comentários:

BLOG DO CASTANHA disse...

Queria muito te agradescer os elogios a minha pessoa e ao espetáculo O BORDEL DAS IRMÃS METRALHA, muito obrigado! João Carlos Castanha

Anônimo disse...

Vou procurar assistir a peça, pelo rico comentario.

adenilson disse...

Estou tentando comprar mais de um ingresso, sendo para aposentado, estudantes e ingresso normal, mas encontro grande dificuldade em boas informações, sempre que ligamos as pessoas que atendem não conseguem dar informações precisas ex: onde comprar ingresso antecipado se para comprar para idosos é possível levar identidade etc. Seria interessante até para que um número maior de pessoas tenham acesso a este maravilhoso evento.

Adenilson
- 51-85766779

Rodrigo Monteiro disse...

Caro Adenilson, talvez você devesse procurar a coordenação do Porto Verão Alegre. Tenho certeza de que eles te ajudarão a satisfazer todas as tuas dúvidas. De qualquer forma, vou procurar alguns amigos desse espetáculo e pedir que eles entrem em contato contigo. Abraços e boa sorte!

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