Teresa e o Aquário
MEDÉIA
Maior dos cínicos! (É a pior injúria que minha língua tem para estigmatizar a tua covardia!) Estás aqui, apontas-me, tu,meu inimigo mortal? Não é bravura, nem ousadia, olhar de frente os ex-amigos depois de os reduzir a nada! O vício máximo dos homens é o cinismo. Mas, pensando bem, é preferível ver-te aqui; abrandarei meu coração retribuindo teus insultos e sofrerás ouvindo-me. (...) Tratado assim por nós, homem mais vil de todos, tu me traíste e já subiste em leito novo! (...) Ah! Esta mão direita e estes meus joelhos que tantas vezes seguraste! Ah! Foi em vão que tantas vezes me abraçaste, miserável! Como fui enganada em minhas esperanças!... (...)
Não quero uma felicidade tão penosa, nem opulência que me esmague o coração!”
EURÍPIDES. Medéia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, (s.d.). P. 36 – 41.
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Há um aquário que, um dia, fica vazio porque a água toda escorre pela casa como também o amor escorre por todo o mundo quando estamos apaixonados. Há um peixe dentro do aquário que está vazio porque a água, assim como o amor, foi embora. O peixe não se convence da morte e luta contra ela. Então, encosta sua cabeça no fundo tentando respirar até que não se lembra mais de nada.
Tereza veste um vestido branco sem nada além de branco como também é o chão. Ele veste uma calça preta sem nada cobrindo o peito. Os dois estão descalços. A luz é geral. O aquário é um balde comum cheio de água comum. Nem uma única palavra é dita.
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Eurípides escreveu Medéia em 431 a. C. João de Ricardo pré-estreou “Teresa e o Aquário” ontem. Um marido que se vai. Uma mulher que fica. Um rancor que se guarda.
O que há entre João de Ricardo e Eurípides é 2.439 anos de diferença. O que há entre nós e João de Ricardo é um caminho incerto entre o que fazemos e sentimos e o que percebemos que fazemos e o que percebemos que sentimos. Porque qualquer um pode montar Medéia hoje, mas não é qualquer um que consegue representar a si mesmo, a sua geração, o nosso conflito. Não é da relação homem e mulher que falamos ao citar Medéia. Tampouco ao enaltecer os valores de Tereza e o Aquário, produção da Espaço em Branco. Mas é porque o cinqüentão Eurípides contou a sua versão e utilizou o seu tempo para contar a história que queria. Hoje lemos a tragédia e sentimos o século IV antes de Cristo. Agora, assistimos a “Tereza” e nos sentimos como parte de uma história no quase verão de 2008-2009. João de Ricardo, trintão, nos deixa sentir o nosso próprio tempo. Somos no palco.
Não temos regras e as que há não incidem sobre nossas decisões como outrora aconteceu com nossos pais. Os atores não definem um fim ou um início. Sissi Venturin come bergomotas (?) e Lisandro Bellotto faz nós em gravatas. Nem sempre sabemos o que dizer, nos debatemos como loucos em busca do quê e de que formas se expressar. Tereza se joga no chão, baila sobre a atriz que a interpreta. E a liberdade conquistada antes de nós nos deixa sem ideologia, imersos sobre luzes coloridas e bichos pequenos vistos como se fossem grandes. Nossos celulares tocam até mesmo quando estamos fazendo cocô, personagens de uma tragédia grega, dispostos conforme nos pedem os deuses sem que saibamos bem quais, quem e quantos são eles. Nossa visão não é/está nítida porque estamos no fundo do mar e olhamos com olhos de mergulhadores para a realidade que nos envolta.
Direção: João Ricardo
Roteiro e Adaptação: Diones Camargo
Assistente de Direção: Felipe Vieira de Galisteo
Atuação: Sissi Venturin e Lisandro Bellotto
Cenotecnia: Cristiane Eifler Bastos
Figurinos Daniel Lion
Iluminação: Liliane Vieira
Producão e Divulgação: Marco Mafra