13 de dez. de 2008

Jogo da Memória


Jogo da Memória: um jeito de lembrarmos de Conta Comigo

As regras de Jogo da Memória são simples. Várias cartas estão viradas com a face para baixo e embaralhadas sobre a mesa. O jogador escolhe uma e põe a face dela para cima. Depois, deve escolher outra e fazer o mesmo. Se as faces forem gêmeas, então, ambas são retiradas da mesa e contam um ponto para o jogador dando-lhe o direito de repetir o processo. Se forem as faces diferentes, o jogador ganha a chance de memorizar a posição das duas cartas na mesa e a ordem de virar para baixo as cartas escolhidas passando a vez para o outro jogador que também viu a posição das cartas. Esse jogo dá nome a um dos espetáculos produzidos pelo Teatro Sarcáustico.
Viremos, pois, a primeira carta: o espetáculo teatral.
Dirigido por Daniel Colin, que também assina a dramaturgia e atua na produção, o trabalho reúne um grupo de jovens artistas: Aline Grisa, na assistência de direção; Rodrigo Marquez e Guadalupe Casal na produção; além dos atores Ariane Guerra (Ju), Felipe Vieira de Galisteu (Cabelo), Ricardo Zigomático (Prego), Rossendo Rodrigues (Leleco) e Colin (Buchecha). Isso sem citar demais colaboradores, todos nominados no programa que é entregue antes da apresentação e que ajudam, cada um na sua função, a transformar uma idéia num projeto concreto de teatro. Por ser efêmero, o teatro confere um desafio diferente aos seus seguidores: tornar-lhe o menos esquecível possível até que a impressão de eternidade desse seja forte o suficiente para parecer concreta. Da produção teatral, fica a ágil movimentação dos atores bem dirigidos, a econômica utilização de painéis móveis como cenários, e a discreta e adequada participação dos figurinos, recursos de iluminação, de sombras e de trilha sonora. Também, as bem-vindas interpretações de Guerra e de Zigomático, cheias de energia, direção e surpresas; e a destoante de Colin que, embora não seja o protagonista, e por ser um grande ator, puxa o foco não só por ter um figurino diferenciado dos demais, mas por todo um mise-en-scène que não encontra acompanhantes no grupo de colegas.
Viremos, agora, a segunda carta.
“Conta Comigo” (Stand by me, Rob Reiner, 1986, EUA, 89min) é inacreditavelmente a adaptação de um conto de Stephen King chamado “Outono da Inocência: O Corpo” (The Body) lançado em 1982. Quatro meninos, todos por volta de 12 anos, moram numa pequena cidade do nordeste dos Estados Unidos no verão de 1959, época da provável despedida do narrador deles, Gordie (Wil Wheaton), que vai ser transferido para uma escola de fora da cidade. No início da história, Gordie, Chris Chambers (River Phoenix), o garoto rebelde, e Teddy (Corey Feldman), que usa óculos imensos, filho de um antigo herói militar que atualmente é tido como maluco, estão jogando cartas quando um quarto menino chama pelo nome deles ao lado de fora da porta porque não lembra a senha de acesso ao esconderijo. Vernon (Jerry O’Connell) entra e divide com os três amigos que sabe onde está o corpo de Ray Brown, garoto também de doze anos, que está sumido há três dias. Decidem dizer aos pais que estão acampando e partem a pé por trinta quilômetros em busca desse motivo que os tornará famosos. Uma medalha é prometida a Vernon, garoto gordinho que um dia escondeu alguns níqueis no porão de casa e fez um mapa para encontrá-los, o que não acontece porque o mapa foi perdido.
Gordie leva um cantil encontrado no quarto do irmão mais velho, jogador de futebol, falecido há três meses. O garoto vive a triste sensação de ser invisível pelos pais que o comparam com o irmão até mesmo na escolha dos amigos. Os garotos não levam comida nem dinheiro e andam pela linha do trem até chegarem a um Ferro Velho. O local é guardado por um cão chamado Bocarra que quase morde Teddy, o garoto do óculos. O dono do Ferro Velho aparece e, xingando os quatro meninos, ofende o pai de Teddy.
Chega a noite. Reunidos em uma floresta, Chris, o mais velho de todos, estimula Gordie a contar uma história. Todos ouvem um conto do amigo sobre um menino gordo chamado Bola de Sebo que participa de um concurso de grandes comedores de tortas. O evento é organizado pelo prefeito da cidade que não viu que o garoto, estreante na competição, tomara óleo de rícino e comera ovo cru antes de entrar em cena. O candidato estreante resolve se vingar da cidade que o humilha pelo excesso de peso vomitando e promovendo um espetáculo em que todos os presentes vomitam uns sobre os outros. Teddy é o único que não gosta da história contada por Gordie e sugere um outro fim. Vernon gosta, mas tem dúvidas sobre a forma de inscrição de Bola de Sebo no concurso.
No dia seguinte, os meninos chegam ao seu objetivo, mas não conseguem ficar com ele. Voltam para a casa com as mãos abanando. Décadas depois, Gordie, um escritor famoso, escreve a história desse verão em que conheceu o valor da amizade.
Chega a hora de ver o quão parecidas são as duas cartas:
Do ponto de vista da materialização, uma carta usa o código teatral para contar a história. A outra utiliza-se do código cinematográfico. (Há ainda uma terceira carta, que materializa a mesma história com o código literário.) Ambas fazem isso de forma bastante eficiente. Quanto à narrativa, está claro que Vernon é bastante próximo de Buchecha, assim como Teddy de Prego, Chris de Cabelo e Gordie de Leleco. Bola de Sebo é o exato Bolo Fofo, assim como Bocarra é Mandíbula. E o dono do Ferro Velho, tanto de uma carta como de outra é o mesmo, apesar de em uma estar creditado e em outra não. O corpo que buscam no filme é uma casa mal assombrada na peça. Ju, a menina, não está no filme. O irmão de Vernon não está na peça. King e seu conto constam nos créditos do filme. Nada consta sobre isso no programa da peça, nem no blog do grupo Teatro Sarcaustico.
Cabe agora a nós, demais jogadores desse Jogo da Memória, decidir se marcamos o ponto do Teatro Sarcáustico ou não. O meu voto é sim.
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Links para o filme:
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ELENCO:
Ariane Guerra
Daniel Colin
Felipe Vieira de Galisteo
Ricardo Zigomático
Rossendo Rodrigues
FICHA TÉCNICA
Direção e Dramaturgia: Daniel Colin
Assist. Direção: Aline Grisa
Figurinos: Valquíria Cardoso
Iluminação: Felipe Vieira de Galisteo
Direção de Produção: Rodrigo Marquez Fernandes
Assist. Produção: Guadalupe Casal
Produção: Palco Aberto Produtora
Realização: Teatro Sarcústico

4 Comentários:

Colin disse...

Olá! Mais uma vez obrigado pelo espaço dedicado a outro trabalho do nosso grupo, Rodrigo!
Dessa vez acho que cedeste aos pedidos e fizeste uma crítica mais clássica, né? Bem mais compreensível...
Tu tens total razão quando cogita a questão da autoria do texto, pois eu realmente utilizei o conto do King, "The Body" (com tradução minha) na construção do espetáculo e, por um erro da nossa produção, essa informação não constou do programa. Por isso, aproveito teu espaço prá informar a quem interessar possa. O conto foi a diretriz principal, mas tb nos utilizamos de outros filmes e histórias dos anos 80 (nossa infância) na construção do trabalho: o próprio "Conta Comigo", bem como "Os Goonies" (o mapa do tesouro, o Gordo vivido por Jeff Cohen, a homenagem ao Willie Caolho etc...), "Marcas do Destino" (a exclusão social, o preconceito, a deficiência física etc.), os Changeman, os Caça- Fantasmas dentre outros. Concordo contigo que isso talvez devesse estar mais explícito no programa. Erro nosso!
Mas, acredito que apesar das (várias) semelhanças, as duas cartas talvez não sejam tão idênticas assim... Existem muitos pormenores que estão lá prá comprovar!
Grande abraço

Colin disse...

Ah, PS: Essas informações foram enviadas à imprensa e constam de matérias de jornais como "Correio do Povo" e "Jornal do Comércio".

Colin disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Rodrigo, como gostei de ler teu texto!
Parabéns.

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