3 de dez. de 2011

Mulheres Pessegueiro


Foto: divulgação

Final alongado


Argumento vencedor do Prêmio FUNARTE Myriam Muniz, “Mulheres Pessegueiro” é o novo espetáculo da Cômica Cultural. Escrito, dirigido e produzido por Patsy Cecato, essa produção segue a linhagem das demais: divulgação ampla e acessível, clareza no atendimento, pontualidade, capricho nos detalhes, em suma, respeito ao público e, consequentemente, à classe teatral porto-alegrense. O resultado é o esperado: plateia cheia, o que alegra qualquer um que torce pelo teatro gaúcho. A peça consiste em uma comédia de costumes que se passa na sala da casa da Família Pessegueiro. Ione Pessegueiro (Lourdes Kauffmann) é mãe de Maria Lúcia/Lucinha (Laura Medina), avó de Manuela/Manu (Catharina Conte) e tia de Betinha (Áurea Baptista), todas pensionistas do Exército Militar Brasileiro, e envoltas ao desafio de resolver seus conflitos próprios e ajudar umas as outras a seguir em frente.

Dando início à análise crítica, “Mulheres Pessegueiro” se divide em duas partes. Antes de tratar sobre cada uma delas, vale ressaltar os aspectos, todos positivos, que são comuns a ambas. Ler a peça a partir do gênero “comédia de costumes” significa entender a narrativa como um recorte em que as tramas (a principal e as secundárias), apesar de não aprofundadas, têm grande importância; em que as construções dos personagens são claras e em que todos os recursos plásticos beiram à ilustração pelo seu alto grau de convergência. Nos dois lados da encenação, sobre um dos pontos comuns, há que se dizer que cenário (Valéria Verba), figurino (Alice Comassetto), trilha sonora (Nando Endres) e iluminação (Gabriel Lagoas) cumprem de forma adequada os seus papéis: ressaltam os momentos narrativos, caracterizam os personagens e o ambiente, ratificam as intenções. Outro ponto em comum é a interpretação dos personagens. As quatro atrizes fazem um bom trabalho, oferecendo bons resultados à produção como um todo. Dirigidas por Cecato, elas são responsáveis pelas variações de ritmo que estruturam as situações cômicas e os momentos dramáticos, mantendo construções que, bastante próximas do real, propiciam a rápida identificação, essa tão cara ao gênero utilizado aqui como chave de leitura.

A divisão (negativa) em duas partes é em função da dramaturgia e vai ser difícil dar cabo a uma análise sem revelar pontos importantes do espetáculo, o que pode frustrar os leitores que ainda não assistiram à peça.

No primeiro momento, temos Maria Lúcia como protagonista. É ela quem entra indignada na primeira cena porque não conseguiu o emprego de hostess que desejava. Ela é o centro das preocupações de sua mãe Ione e, de certa forma, a culpada pela adultez precoce de sua filha Manu. Entre uma conquista sentimental e outra, sua prima Betinha envia currículos e portifólios seus para empresas via internet. Embora haja carência de variação de tonalidade na interpretação de Laura Medina, de forma que, em um determinado momento, os arroubos emocionais (gritos, pulos, gestos largos) de sua personagem já não tenham tanta força como poderiam ter, é em sua personagem que se concentram todas as forças do espetáculo nessa primeira fase da peça, estando, em suas participações, os momentos mais cômicos (os comentários de Ione sobre seu vício de fumar maconha e o diálogo com Betinha sobre as esposas) e, também, os mais tensos (a briga com Manu e a briga com Ione). O conflito (a trama) principal é: Lucinha precisa encontrar um emprego e, quando isso acontecer, ela estará mais calma. As histórias secundárias são importantes porque: 1) auxiliam na apresentação dos personagens; 2) oxigenam a evolução da trama principal. No caso de “Mulheres Pessegueiro”, são elas: a doença de Ione, o vestibular de Manu (a trama menos desenvolvida infelizmente) e a relação entre Jacques, que resolve se separar de sua esposa para assumir o relacionamento com Betinha (Áurea Baptista), e a própria. Eis que uma carta do Acre chega e, com ela, finda a primeira parte do espetáculo que, aliás, acontece quando a encenação completa sessenta minutos.

O segundo momento de “Mulheres Pessegueiro” nem de longe alcança os mesmos resultados positivos da primeira parte. Maria Lúcia sai de cena e, em seu lugar, ficam as histórias secundárias que, porque não foram desenvolvidas como a principal, não têm força e, por isso, se estruturam parcamente. Jacques traz sua mudança para o edifício (Betinha mora um andar acima do de Ione, Lucinha e Manu.) e uma inexplicada briga entre ele, o porteiro, o síndico e o zelador acontece. Também inexplicadas ficam as convenções criadas na primeira parte da peça: de repente, não se sabe mais se a saída da esquerda do palco é na segunda ou na primeira bambolina, bem como se perde a relação do que é janela e porta, onde estão os homens brigando e por que não se usa o interfone, dúvidas essas que atrapalham na fruição de um espetáculo cuja proximidade com a realidade além da narrativa é essencial. Os problemas não param por aí. Tendo ido ao seu apartamento para pegar um bolo, ao retornar para a casa de Ione, Betinha cai na escada e se machuca. Sua primeira aparição depois do acontecido é em uma cadeira de rodas, uma imagem extremamente forte e pesada mesmo que se explique logo em seguida que a queda não a deixou paralítica. Por fim, em um dos piores momentos da dramaturgia, o texto se utiliza da morte de uma das Pessegueiro para construir o epílogo, em que se informa “o que aconteceu” com os demais personagens” e terminar a peça.

“Mulheres Pessegueiro” não é o tipo de comédia em cuja assistência o público ri durante o tempo inteiro da apresentação. A força da trama, que se movimenta de forma crescente em favor do ápice que antecede o fim, exige personagens menos aprofundados e situações mais leves, mas não menos capazes de fazer refletir e, quem sabe, emocionar. Apesar do final arrastado, com a clara intenção de resolver todos os personagens no sentido de apagar as marcas de protagonismo de um deles, essa nova produção gaúcha tem o seu lugar no mercado cultural pelo visível profissionalismo de sua produção e por trazer Lourdes Kauffmann de volta à cena teatral.

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Ficha Técnica

Texto: Patsy Cecato

Elenco:
Dona Ione Pessegueiro....................Lourdes Kauffmann
Maria Lucia Pessegueiro........................Laura Medina
Betinha Pessegueiro..................................Áurea Baptista
Manuela Pessegueiro................Catharina Conte

Iluminação: Gabriel Lagoas
Cenografia e Produção de Objetos: Valéria Verba
Produção de figurinos: Alice Comnassetto
Trilha Sonora: Nando Endres
Criação Visual: Pingo Alabarce
Produção: Cômica Cultural
Direção Geral: Patsy Cecato

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