Gordos ou somewhere beyond the sea
Falsa Unidade Dramática: Quero fazer uma peça em que tudo seja branco verde e laranja.
Por que não azul, preto e vermelho? Ou cinza e amarelo? Ou roxo e marrom? Qual é a intenção estética dessa escolha? O que essas cores contribuem? E por que não todas as cores?
Primeiro vem as cores, depois o resto.
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Falsa Unidade Dramática: Quero fazer uma peça em que todas as interpretações sejam exageradas.
Por que não interpretações contidas? Ou realistas? Ou com máscaras? Ou todos parados em cena só dizendo as falas? Ou por que não uma dança sem fala nenhuma?
Os atores (Daniel Colin, Felipe Vieira de Galisteo, Aline Grisa e Tatiana Mielczarski) constroem imagens muito interessantes. Têm corpos bastante seguros, as vozes são bem colocadas e tons cheios de significados. Todos eles, sem exceção, são, em potencial, tão cheios de talento quanto de técnica. Mas a que todo esse gasto energético se refere? A história contada não tem nenhuma ligação com esse tipo de interpretação. Chego a pensar que, em construções realistas como o que se vê na grande maioria dos filmes de Katherine Hepburn, o resultado seria muito mais positivo. Repito: por que essa escolha e não outra?
Primeiro vem a opção pela construção mais engraçadinha, depois o resto.
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Falsa Unidade Dramática: Quero fazer uma peça em que não haja cenário.
Por que não haver cenário? Por que uma mesa que vira várias coisas? Por que o chão limpo se as botas estão sujas de areia? Por que o tablado de madeira preta e não um chão verde?
Também: primeiro vem a decisão do cenário, depois vem o resto.
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Falsa Unidade Dramática: Quero fazer uma peça em que haja uma cena de musical.
E por que não uma cena de balé? Ou de palhaços e trapezistas? Ou um coro de tragédia grega? Ou por que não simplesmente um intervalo real? A gente sai, escolhe tomar um café e assistir ao segundo ato ou ir embora pegar a sessão das dez num cinema real e não num palco onde os atores querem porque querem meter o cinema dentro do teatro assim porque é do “jeitão” deles ser jovem e mostrar que têm talento? Linda a coreografia, a música é ótima, os rostos estão bem, mas por quê? Pra quê?
Eles querem. Querem porque querem e pronto. Depois, decide-se o resto.
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Falsa Unidade Dramática: Quero fazer uma peça em que haja projeção de filmes clássicos.
Vídeo clipe? Novelas? Um programa de rádio? Um trote do Willmutt? Uma gravação da aniversário da vovó? Hummm... A história tem a ver com uma estrela de cinema e faz uso de situações bem típicas de filmes... Será? Tou achando que, como tudo...
A projeções vão aparecer, depois se pensa no resto.
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Falsa Unidade Dramática: Quero fazer uma peça em que o humor seja vendido como “negro”.
Por que não aventura? Terror? Romance? Os três temas tem tudo a ver com a história tanto quando Humor Negro... Uma opção mais comercial?
Será de humor negro. Depois a gente vê como fica o resto.
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Falsa Unidade Dramática: Quero fazer uma peça em que os personagens se apresentem em primeira pessoa.
Eles precisam mesmo de nome? Ou é só para haver mais uma informaçãozinha desconexa que, no máximo, vincula os nomes em inglês aos filmes de Hollywood e ratifica a vontade de fazer algo moderninho? Também pode ser que alguém pense que essa dramaturgia é norte-americana, o que deixaria a produção com uma cara de pesquisadora de textos interessantes...
Os nomes serão em inglês. Os personagens ricos. Todo o resto sobre eles a gente constrói depois disso estabelecido.
Falsa Unidade Dramática: Quero colocar seis peças na roda cênica de Porto Alegre!
Uma bem feita não basta? É preciso mesmo repetir exatamente os mesmos erros de outras? E se é para colocar seis (vi cinco até agora) por que não pensar em pesquisa cênica? Há outro grupo na cidade com o mesmo evento: comemorar aniversário trazendo todo o repertório... Em um mês, o público pode ver uma montagem de Clown, outra de Mimo Corpóreo, outra de Shakespeare e outra de Bufos.
Somos jovens e temos talento. Seis peças em cinco anos e, assim, vamos poder usufruir da Lei de Fomento a ser votada hoje. Somos um grupo que temos trabalho continuado (mesmo que os erros continuem tanto quanto a gente...).
Daniel Colin, enquanto diretor, precisa entender que direção não é aproximar sistemas diferentes, mas utilizar-se de informações diferentes num sistema único, coeso e coerente se quiser mesmo fazer bem o teatro dramático que até agora tem feito.