Peter Pan e a Terra do Nunca
Mais saudosos
A diferença entre Miguel e Peter Pan não é a coragem, a pouca idade, a baixa estatura. Tampouco a alegria, a agilidade e a desenvoltura. O que separa o irmão mais novo da Wendy do líder dos Meninos Perdidos da Terra do Nunca é a saudade. Um vai crescer e o outro não. Acho que, como Miguel, a gente cresce na medida em que as lembranças se acumulam. É o sentimento que cresce, não nós. Mais distante da Terra do Nunca ficamos quando dela sentimos falta.
A Cia Teatro Novo não pede que os adultos desliguem seus celulares antes da estréia de Peter Pan acontecer no DC Navegantes, mas solicita, num ato de confiança, que as crianças peçam isso a seus pais. Da mesma forma, que tenham pensamentos bons porque, como Peter ensina, é só disso que precisamos para voar. Não é, pois, a idade que separa a multidão de crianças do pequeno grupo de adultos sentados na platéia. É, sim, também a saudade, pois é daí que vem as nossas lembranças de como se comportar em um ambiente público, de como esconder emoções, de como ponderar antes de reagir, de como calar. Crianças não viveram o suficiente essas experiências e vão se comportando conforme o presente age com elas. Cá ficamos nós, às vezes incomodados com os gritos e choros, mas, em todos os momentos, emocionados com a espontaneidade do público que ainda não cresceu. Talvez estejamos, platéia de dois espetáculos simultâneos, saudosos do tempo em que as regras eram unicamente externas à nós e não, como agora, provenientes dos nossos medos e inseguranças.
Para nós e para eles, a montagem dirigida por Ronald Radde é um presente. Um presente aos olhos que se colorem pela beleza e adequação dos figurinos e acessórios e pela grandiosidade dos três cenários (quarto, árvore e navio), mas, sobretudo, pelos efeitos imagéticos produzidos pela técnica empregada: o voar de Peter Pan, a distante Terra do Nunca em miniatura, o portal que se estabelece na janela do quarto de Wendy. Perfeita é a trilha sonora e a iluminação, resultados de um compromisso da Companhia em oferecer o que se pode de melhor para o seu público. O que fica é um espetáculo que enche os sentidos de sentidos, aguça a nossa percepção, enaltece a nossa visão, possibilita o nosso sonhar.
Capitão Gancho, empolgado com a batalha que se aproxima, solicita sua roupa de gala. Borracho, tripulante do navio, oferece-lhe nada menos que exatamente a mesma casaca virada do lado avesso. Concretamente, o resultado visual é o mesmo. No campo simbólico, a roupa é completamente outra. Borracho dá galhardia à usada casaca do capitão. Karen Radde, Lucia Bendati e Álvaro RosaCosta fazem brilhar seus corpos de atores experientes ao construir, nos mínimos detalhes, os personagens de Peter, Miguel e Barrica respectivamente. Não é de um tronco e umas folhas que se faz uma árvore, como também não é de uma voz empolada e gestos largos que se constrói um Capitão Gancho. Ou, então, de um tom de voz irritado, para Red; ou verbos não conjugados para uma índia. O empenho da produção, que se preocupa tanto naquilo que é macro como naquilo que é micro, não acontece nas interpretações de Leonel Radde, Ellen D´Ávilla e dos Meninos Perdidos. Falta corpo, agilidade, concretude. O ritmo cai vertiginosamente nas seqüências do navio, essas apenas sustentadas pelo carisma do personagem do vilão. A música que sobra na cena do quarto da Wendy (cantada, diegeticamente, por quem?), talvez, falta na narração de sua própria vida por Gancho. Bom seria se o efeito da música final se repetisse também no início e no meio da história contada.
A coragem do grupo em produzir um espetáculo com dez atores em cena num período de crise não é maior que a nossa, platéia adulta, de ir ver uma peça infantil e enfrentar os nossos problemas do dia a dia e dizer-lhes que se acalmem porque agora é hora de sonhar. As duas coragens são grandiosas e dignas de aplausos. Mas devo dizer que, no encontro dessas duas coragens, sai ganhando a nossa porque, entre as coisas boas em que poderemos pensar para voar durante a semana, nos dias que seguem, certamente, estarão os pequenos e muitos prazeres que o espetáculo “Peter Pan e a Terra do Nunca” nos proporcionou durante apenas uma hora de apresentação.
Se se cresce quando sentimos saudades, então agora poderei dizer que não estou mais velho, mas mais saudoso. E, por isso, obrigado!
A Cia Teatro Novo não pede que os adultos desliguem seus celulares antes da estréia de Peter Pan acontecer no DC Navegantes, mas solicita, num ato de confiança, que as crianças peçam isso a seus pais. Da mesma forma, que tenham pensamentos bons porque, como Peter ensina, é só disso que precisamos para voar. Não é, pois, a idade que separa a multidão de crianças do pequeno grupo de adultos sentados na platéia. É, sim, também a saudade, pois é daí que vem as nossas lembranças de como se comportar em um ambiente público, de como esconder emoções, de como ponderar antes de reagir, de como calar. Crianças não viveram o suficiente essas experiências e vão se comportando conforme o presente age com elas. Cá ficamos nós, às vezes incomodados com os gritos e choros, mas, em todos os momentos, emocionados com a espontaneidade do público que ainda não cresceu. Talvez estejamos, platéia de dois espetáculos simultâneos, saudosos do tempo em que as regras eram unicamente externas à nós e não, como agora, provenientes dos nossos medos e inseguranças.
Para nós e para eles, a montagem dirigida por Ronald Radde é um presente. Um presente aos olhos que se colorem pela beleza e adequação dos figurinos e acessórios e pela grandiosidade dos três cenários (quarto, árvore e navio), mas, sobretudo, pelos efeitos imagéticos produzidos pela técnica empregada: o voar de Peter Pan, a distante Terra do Nunca em miniatura, o portal que se estabelece na janela do quarto de Wendy. Perfeita é a trilha sonora e a iluminação, resultados de um compromisso da Companhia em oferecer o que se pode de melhor para o seu público. O que fica é um espetáculo que enche os sentidos de sentidos, aguça a nossa percepção, enaltece a nossa visão, possibilita o nosso sonhar.
Capitão Gancho, empolgado com a batalha que se aproxima, solicita sua roupa de gala. Borracho, tripulante do navio, oferece-lhe nada menos que exatamente a mesma casaca virada do lado avesso. Concretamente, o resultado visual é o mesmo. No campo simbólico, a roupa é completamente outra. Borracho dá galhardia à usada casaca do capitão. Karen Radde, Lucia Bendati e Álvaro RosaCosta fazem brilhar seus corpos de atores experientes ao construir, nos mínimos detalhes, os personagens de Peter, Miguel e Barrica respectivamente. Não é de um tronco e umas folhas que se faz uma árvore, como também não é de uma voz empolada e gestos largos que se constrói um Capitão Gancho. Ou, então, de um tom de voz irritado, para Red; ou verbos não conjugados para uma índia. O empenho da produção, que se preocupa tanto naquilo que é macro como naquilo que é micro, não acontece nas interpretações de Leonel Radde, Ellen D´Ávilla e dos Meninos Perdidos. Falta corpo, agilidade, concretude. O ritmo cai vertiginosamente nas seqüências do navio, essas apenas sustentadas pelo carisma do personagem do vilão. A música que sobra na cena do quarto da Wendy (cantada, diegeticamente, por quem?), talvez, falta na narração de sua própria vida por Gancho. Bom seria se o efeito da música final se repetisse também no início e no meio da história contada.
A coragem do grupo em produzir um espetáculo com dez atores em cena num período de crise não é maior que a nossa, platéia adulta, de ir ver uma peça infantil e enfrentar os nossos problemas do dia a dia e dizer-lhes que se acalmem porque agora é hora de sonhar. As duas coragens são grandiosas e dignas de aplausos. Mas devo dizer que, no encontro dessas duas coragens, sai ganhando a nossa porque, entre as coisas boas em que poderemos pensar para voar durante a semana, nos dias que seguem, certamente, estarão os pequenos e muitos prazeres que o espetáculo “Peter Pan e a Terra do Nunca” nos proporcionou durante apenas uma hora de apresentação.
Se se cresce quando sentimos saudades, então agora poderei dizer que não estou mais velho, mas mais saudoso. E, por isso, obrigado!
Texto de James Matthew Barrie
Direção: Ronald Radde
Direção de Produção: Elle D'avila
Assistente Administrativo: Bernardo Altenbernd
Trilha Sonora Original: Simone Rasslan e Álvaro Rosacosta
Letras: Simone Rasslan e Álvaro Rosacosta
Coreografias: Sayonara Sosa
Figurinos: Ellen D'avila e Titi Lopes
Confecção de Figurinos e Acessórios: Titi Lopes
Cenografia e Adereços (criação e execução): Julio Freitas
Apoio/Execução: Joaquim Fiúza e José H. Cavalheiro
Contrarregra: José Hildemar Cavalheiro
Iluminação e Operação de Luz: Osmar Montiel
Equipe TNDC: Cristiane Cavalheiro, José H. Cavalheiro, Joaquim Fiúza e Osmar Montiel
Bilheteria: Hamilton Dias
Programação Visual: Rogério Araújo
Fotos: Sérgio Souza
Assessoria de Comunicação: Ansila Ferreira
Espaço de Artes Zoravia Bettiol: Ane Marie Kranen
Web Designer: Rosana Almendares
Projeto A Escola vai ao Teatro: Ronald Radde
Realização: Cia Teatro Novo
ELENCO:
Peter: Karen Radde
Wendy: Aline Jones
João: Cassiano Fraga
Miguel: Lúcia Bendati
Capitão Gancho: Leonel Radde
Barrica: Álvaro Rosacosta
Borraccio e Crocodilo Tic Tac: Vinícius Cáurio
Red: Ellen D'avila
Esperto e Índia raio de Sol: Daiane Oliveira
Marcha Lenta e Cacique: Cassiano Souza
2 Comentários:
A música (cantada "diegeticamente")tem como intérprete, este que vos escreve(assim como a da mãe e a final que tbm é cantada pela Simone Rasslan)!!Kkkk.
Obrigado pelos incentivos!
Estamos sempre buscando melhorar, algumas vezes é possível outras...continuamos a tentar!!
Abs, Álvaro.
Faço minhas as palavras do Álvaro, exceto na questão da trilha. Depois de consultar o Aurélio e ponderar contigo, me posicionarei a respeito, rsssss...
No mais, lindo o teu enfoque em torno da saudade, a abordagem sob este prisma dá maior consistência à leitura do menino que não quis crescer. Engrossa o caldo.
E nos oferece mais alimento para nossos vôos. Em cena e fora dela.
Lembrei agora de Adriana Falcão: "Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança
para acontecer de novo e não consegue."
É bom sentir saudade. beijão
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