O Estado da Crítica
Lançar alicerces!*
Na última sexta-feira, aconteceu, na Sala P.F. Gastal, uma noite de debates sobre a Crítica Teatral e foi realmente uma pena que o Diretor de Redação da Zero Hora e o Editor do Segundo Caderno do mesmo jornal não estavam presentes. O resultado foi uma exposição massacrante do jornalista cultural e artista Renato Mendonça que assina a responsabilidade de Editor de Teatro no principal jornal do Estado.
Compuseram a mesa, ao lado de Mendonça, os professores Antônio Hohfeldt e Luiz Paulo Vasconcelos e o diretor de teatro Júlio Conte. De um lado, dois grandes estudiosos e críticos de teatro, com larga experiência e reconhecido profissionalismo. De outro, a classe artística, representada por Conte e acompanhado de uma platéia pequena, mas com representantes de vários segmentos do teatro gáucho, e os interessados em discutir o tipo de comportamento do jornalismo com relação ao teatro no Rio Grande do Sul. Fechando o triângulo, Renato Mendonça, que eu não conhecia pessoalmente, mas cujo trabalho eu admiro ainda mais depois de sexta-feira. Não deve ser nada fácil ter que participar de um constrangimento como o que foi aquela mesa para alguém que representa o maior jornal do Estado.
A falta de uma crítica especializada que, ao mesmo tempo, cative o leitor para o assunto e o direcione para o espetáculo que ele deve ver ou que já viu e quer discutir com alguém, deixa perplexo quem gosta de teatro aqui no sul do país. O teatro, nas palavras de Júlio Conte, "vive a emergência de existir" e, a crítica impressa, o diálogo, o aponte para novos conceitos, idéias, meandros e suportes é uma excelente maneira de tentar perpetuar um pouco mais a delícia de "existir" no palco, coisa que o teatro faz com ou sem crítica há mais de três mil anos. É um prazer que tenhamos a página semanal de Hohfeldt no Jornal do Comércio e a página mensal de Vasconcelos na Revista Aplauso porque, através delas, a peça parece que dura um pouco mais. Mas, como assinante da Zero Hora, e, ciente de que está com o Grupo RBS a possibilidade de chegada de discussões na maior parte dos lares gaúchos, me pergunto algumas coisas:
1) Por que a Zero Hora fez essa opção jornalística de privilegiar o envio de fotos tiradas pelo celular com famosos à entrevistas e debates com artistas locais, discussões mais sérias e conteúdo nas poucas quatro páginas do Segundo Caderno?
2) Por que há todos os dias uma coluna social com eventos da alta sociedade e não há uma coluna específica de teatro nem mesmo mensal, lembrando que, a meu ver, tudo é teatro, só que o segundo se assume como tal?
3) Por que os jornalistas culturais da Zero Hora, a exemplo do que acontece com Mendonça, escrevem sobre tudo (shows, piadas, fotos com modelos, moda, fofocas, teatro, eventos, clips, filmes, quadros, abertura de restaurantes,...), comentam sobre tudo, fazem o serviço sobre tudo, mas não há a apresentação de uma discussão uma pouco mais séria sobre a arte como acontece em todas as grandes capitais do mundo, como Curitiba?
4) Até quando a Zero Hora vai utilizar os termos "estréia" e "temporada" para a Marília Gabriela e outros que vêm para a capital fazer duas únicas apresentações e ganham a capa do Segundo Caderno, enquanto, disputando o mesmo espaço e o mesmo valor artístico, quatro espetáculos se apresentaram gratuitamente na Redenção na Semana de Porto Alegre e nem uma nota houve?
Dispenso dos meus pensamentos argumentos do tipo Lógica de Mercado, Falta de Espaço e Cumprimento de função informativa.
1) Lógica de Mercado? 60% da Zero Hora são de anúncios. Há dias em que temos a nítida impressão de que, ao invés de comprar o jornal, adquirimos um panfleto do Big que tem, aqui e ali, uma notícia. A Zero Hora, braço do Grupo RBS, é o jornal com mais assinantes, mais anunciantes, enfim, o mais rico. Não acho que devem parar com as fotos tiradas do celular e as outras miudezas, mas acho que há que se acrescentar conteúdo, no que diz respeito às artes cênicas. Os anunciantes estão satisfeitos, falta satisfazer uma camada de leitores que já gostam de crescer com a leitura de um jornal, sem falar naquela camada que ainda não está acostumada com isso, mas que poderá, um dia, ficar. Mendonça falou que há leis que impedem que esse tipo de discussão se estabeleça no jornal impresso, na edição. Que leis são essas? Que leis são essas que atingem a Zero Hora, mas não atingem o “Jornal do Comércio”, bem menor, e o "O Globo", bem maior?
2) Falta de Espaço para falar de teatro? Tenho um blog na internet com críticas de teatro assinadas por mim, mestrando em Artes Cênicas, nem um décimo do conhecimento e experiência teatral e jornalística de Hohfeldt e Vasconcelos. Não há um único anúncio no meu blog. Os textos têm, em média, uma página e um quarto em tamanho 12, espaço simples, ou seja, não textos tão curtinhos assim. Só se fala única e exclusivamente das peças que vejo, um texto para cada peça, já passando dos 35 espetáculos lá registrados desde que abri o espaço. De outubro pra cá, já somei mais de 3000 (três mil) acessos. Isso sem falar nos outros blogs, como, por exemplo, o de Júlio Conte (que traz um texto sobre o encontro de sexta também), presente na mesa ao lado de Mendonça. Ou seja, falar que não há público leitor de teatro é uma falácia. Se há público para um blog, imagina o que não haveria para um jornal com a qualidade de impressão que a Zero Hora tem, chegando quentinha em casa todos os dias de manhã, diferente de uma página tosca do Google em que é preciso ter banda larga para acessar? Já passou o tempo de platéias vazias no teatro da capital. Já passou o tempo em que atores precisavam ir morar no Rio-São Paulo para viver. Mesmo que estreando poucas novas peças e repetindo muitas produções antigas, os palcos da nossa capital sustentam muita gente e isso é graças a uma evolução do público, também leitor, apesar da ausência da Zero Hora.
3) Serviço? Muito Obrigado! A Zero Hora, através do Mendonça, publica uma foto e um breve texto sobre os espetáculos da cidade. Diz onde é a peça, do que se trata, quem é que faz e, às vezes, quem é que fez. Ótimo. Isso deve continuar. Não é disso que falamos na mesa de sexta-feira. O que falamos é o que diferencia um "Sonho de uma noite de verão" de Patrícia Fagundes do de Daniela Carmona. Um figurino de Rô Cortinhas e de Coca Serpa de um amontoado de roupas tiradas de casa em outras produções locais que, igualmente, enchem a platéia. O teatro de rua do Grupo Mototóti que estreou o seu primeiro espetáculo domingo passado e do Grupo Terreira da Tribo com uma longa história. Para mim e para as pessoas que dividiram comigo a noite de sexta, isso é levar arte a sério. E é esse o trabalho que a Zero Hora, infelizmente não faz e deveria, por ser rica, por ter uma qualidade técnica e por ser uma concessão pública, fazer.
Foi realmente uma pena que os responsáveis por essa triste realidade na Zero Hora não estiveram lá presentes, como também não estão presentes nas platéias do Câmara, do Stúdio Stravaganza, do Ocidente, da Álvaro, da Amrigs, da Cia de Arte e do pó da Redenção. Mas fica o convite para que mudem essa realidade para que Renato Mendonça, cansado depois de 8 horas seguidas de trabalho, com um olhar visivelmente chateado (e com toda a razão!), tenha que ficar tentando explicar coisas sem explicação para uma platéia que não quer jogar pedra para machucar, mas para que elas virem alicerce.
Alicerce de algo que a Zero Hora ainda pode fazer.
* Carta enviada à Zero Hora.
5 Comentários:
Numa palavra: contundente!
Um abraço fraterno
Teu texto, aqui em um formato mais estruturado, é impressionante. Não só porque coloca questões de forma clara e profunda, mas, também porque responde e informa muitas coisas para quem lê. É muito bom quando alguém fala por nós. Ultimamente, quando me perguntas porque ainda não escrevi, fico pensando: sempre escrevi porque queria repassar informações, mas, se tu já fizeste, está feito e muito bem feito, diga-se de passagem. Fui incisiva (como disse Julio Conte) aquela noite e ainda assim deixei passar questões como esta que tu colocas aqui em relação a falta de público. Sempre, sobre qualquer assunto mais profundo ou interessante, duvidei que não houvesse leitores. Até porque leitores quem elabora a informação deve formar e informar. Sinto uma profunda satisfação por ver que o teatro (uma grande paixão minha) esteja merecendo a tua atenção e a tua escrita. Sem dúvida, um alívio.
Não esperava que o respeitado veículo ZH continuasse boicotando a nossa arte. Vivo no Rio e aqui a arte, incluindo o teatro, é tratada como produto. Me convenci que isso aumenta o seu valor, quando bem aplicado. É oferta de mercado, vira manchete da editoria de cultura, e vende jornal. Se pensarmos que o jornalismo cultural vem se submetendo à indústria cultural, ora, levamos vantagens quando abrimos espaços. Seja através da classe ou dos públicos que assistem e também leem o jornal; seja através de debates, fóruns, dos impressos ou na rede, somos todos consumidores. Entretanto, quando o contrário se dá, há aí um inesperado preconceito.
Particularmente acredito que somos nós, os jornalistas, formadores de opinião, que precisamos aproximar as artes dos públicos e os leitores das artes. Nem vou questionar se, com isso, tornamos a arte menos erudita. Se essa via tem mão-dupla, por que não esgotá-la? Podemos reinventá-la, mas, antes, mudemos e adaptemos o nosso discurso. Nada justifica limitá-lo a edição do espaço e do tempo.
"Quem consegue conter o riso quando um jornalista qualquer propõe seriamente limitar a matéria-prima a ser utilizada pelo artista? Algum limite deveria ser imposto – e espero que isso aconteça logo – é a alguns dos nossos jornais e redatores, que nos oferecem os fatos mais pobres, sórdidos e nojentos da vida. Relatam com uma avidez degradante pecados de segunda categoria e, com uma percepção de analfabetos, nos fornecem detalhes precisos e prosaicos das ações de pessoas desprovidas de qualquer interesse."
Oscar Wilde
Oi Rodrigo
Estava mesmo curiosa para saber o que tinha rolado no encontro e a repercussão! Vejo que foi produtivo e tb gostei mt do teu texto!
Estou em Pelotas agora, circulo há muito anos pelo interior do estado, várias regiões, e a ZH que é, junto com o CP o jornal de maior circulação no interior do RS, ignora completamente esta produção...
Bom, são muitas questões a serem levantadas, que envolvem legitimação no campo e discussão sobre ética, da qual também estamos extremamente carentes... Mas teu texto é uma bela porta de entrada para esse debate necessário! E viva a internet!
Abçs, Taís
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