Tá, e aí?!
Chuleta
Mauricião não cala a boca em cena.
Ele nem olha pra gente, mandando a gente olhar para quem está sob a luz. No foco, está o jogo, o jogo teatral. Mauricião homenageia a professora Olga Reverbel, que se foi brincar em outros plays em dezembro último, grande nome das artes cênicas no país, que nos ensinou que teatro é, antes de tudo, em sua gênese, um jogo. Regras, prazer e desafios fazem parte desse jogo. Mauricião gosta de jogar.
Mauricião está o tempo inteiro sentado, bebendo cerveja e olhando TV. Sua participação não tem início, nem fim. Se ele ouvisse que dizem por aí que minha visão de teatro é mercadológica porque o vejo como produto, Mauricião iria, com uma olhada pro palco, dizer que a peça produzida pelo Clube da Patifaria é, enquanto produto, um processo. O inusitado é o protagonista já que o ensaiado nem foi convidado. A espontaneidade é o que conta, o que atua, o que discursa. Foge-se do fim, assim como não se sabe bem como é o início. Começa com o mediador Júlio Conte dizendo “Então,vamos começar?!”. E termina com o mesmo mediador olhando para o público e avisando “Vocês já estão com caras de cansados. Vamos fazer o último!” Será que Mauricião chamaria isso de “Viver o momento” ? Acho que soa meio poético demais pro Mauricião, mas tah valendo!
Ele não dá moleza e insiste: tem figurino, tem cenário, tem trilha e tem luz. Tem produção, sim! A concepção é essa: deixar o espetáculo correr solto o que resulta numa roupa qualquer, num sofá qualquer, numa luz geral e numa trilha selecionada pelo Ipod automático. É um qualquer por opção estética. Mauricião parece qualquer um, mas de qualquer um ele não tem nada!
Só duvida de que se trata de teatro quem não viu o Mauricião. A presença dele é o espelho da platéia, o nosso lugar na brincadeira. Vê TV porque poderíamos estar vendo TV. Bebe porque poderíamos estar bebendo. Está confortavelmente sentado porque era assim que o grupo gostaria que também nós estivéssemos. Não nos identificamos com os jogadores, mas com Mauricião que os vê como nós. Sua presença é tão importante quanto a nossa. Sem ele e sem nós, seria jogo e não jogo teatral.
Acredito ainda que Mauricião é um cara frágil por dentro, embora, por fora, não pareça. Pelo menos, é assim que ele mostra ser a reunião de jogadores que ele apresenta. Por fora, é resistente tal como as regras que traz. Podemos ver no youtube ou no blog como elas, as regras, são e jogarmos com nossos primos e amigos na praia. São firmes e simples, disponíveis a qualquer um. Por dentro, no entanto, é uma produção bem sensível, talvez, a mais sensível do teatro gaúcho nesse início de outono. O que eu vi na terça, nunca mais poderei ver ao vivo e a cores. Terça que vem, na apresentação que virá, a organização será outra, as piadas outras, tudo outro. Há uma dependência total do público que não dita as regras, mas é o dono da bola. E pára a brincadeira quando quiser. No meu dia, alguém disse gostar de chuleta. Na próxima vez, é certo que alguém dirá algo. Mas que algo será esse ninguém sabe.
Eduardo Mendonça, Rafael Pimenta e Leonardo Barisson são os jogadores que, no meu dia, receberam, como convidadas, Ju Brondani e Ingra Liberatto. Sabe lá quem estará na próxima vez. É certo, contudo, que Mauricião continuará vendo seu programa e bebendo sua cerveja e...
...calado.
Tá, e aí?!
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Créditos
Direção: Clube da Patifaria.
Jogadores: Eduardo Mendonça, Ian Ramil, Leonardo Barison, Rafael Pimenta e convidados(as).
Mediação: Júlio Conte.
Anfitrião: Mauricião.
Luz e som: Gabriel Lagoas.
2 Comentários:
Como sempre teu texto me agrada muito. Felizmente, desta vez, também vi o espetáculo. Mas, não me identifico com o Mauricião: não bebo cerveja! Mas, sou capaz até de fazer este sacrifício se motivar o patrocinador a bancar espetáculos como este! Mas, pode me convidar para beber outra coisa enquanto isso.
Cara, excelente muito bem defendido ponto de vista. Publicamos a tua critica no blog, ok?
abraço!
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