29 de out. de 2011

Cabaret do Ivo


Foto: Luciane Pires

Ruim

Resultado do 3º Módulo de Montagem do Grupo Experimental de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, o espetáculo “Cabaret do Ivo” tem seu roteiro construído a partir de sete peças do dramaturgo gaúcho Ivo Bender (São Leopoldo, 1936): “Cabaré de Maria Elefante”, “Mulheres Mix”, “Quem roubou meu Anabela?”, “Surpresa de Verão”, “Sexta-feira das Paixões”, ”Os desterrados/1826” e “As cartas marcadas ou Os assassinos”. Criado em 2008, o grupo e o espetáculo são dirigidos por Maurício Guzinski, que já assinou uma longa e célebre lista de premiadas montagens: “Dona Possança”, “Antonio Chimango” (Açorianos Especial pela Criação, 1985), “Macbeth” (Açorianos de Melhor Cenário e Figurino, 1989), “Amores & Facadas” (Açorianos de Melhor Ator Coadjuvante, 1992), entre outros. Uma vez que os aspectos negativos de “Cabaret do Ivo” são bem mais numerosos que os positivos, essa não deverá figurar no grupo das peças mais importantes do currículo de Guzinski.

A proposta que é apresentada ao espectador na abertura é interessante. Um cabaret brasileiro: prostitutas velhas, feias e falidas, um local que se reinventa na medida em que depende da imaginação dos freqüentadores, um refúgio. A impressão inicial é de que as histórias e os personagens de Ivo Bender serão representados pelas pessoas que trabalham no lugar: 7 mulheres e 1 homem. A articulação das cenas, no entanto, apaga os personagens contadores, exclui marcas que lembrariam as festas de uma noitada em cabaret e deixa como único recurso de alinhavo uma chamada antes do início de cada cena.

O primeiro estranhamento vem da maquiagem: os rostos estão pesadamente marcados de preto e branco, em estilo gótico, cuja referência mais próxima é o grupo Kiss. Os penteados, de um modo geral, seguem a mesma estética, deixando ver, apesar do figurino, que os personagens em cena não são prostitutas normais, mas outro algo. Que algo é esse? Quase duas horas depois, quando a apresentação termina, ainda não se sabe, tamanha é a sua distância conceitual dos outros signos. A certeza que fica é de que a dúvida surgida nos primeiros momentos a respeito da identidade das figuras é símbolo de toda a extensa quantidade de opções estéticas não esclarecidas cenicamente. A imensa lista de personagens escolhidos nas obras de Bender, para citar uma opção estética da ordem da dramaturgia, poderia estar unida por matrizes que relacionassem as figuras entre si a partir do sexo, da transgressão, da imoralidade, do distúrbio, da inconsciência, da loucura. Porém a sucessão de cenas é tão grande, as interpretações são tão ruins, os números musicais tão pobremente executados, as marcações tão confusas que, em particular, não há uma só cena bem apresentada na totalidade de seus signos, resultando, em uma visão geral, na perda de uma possível, se existente, ligação temática que tudo justifique. O argumento inicial de que, por estarmos em um cabaret brasileiro, as falhas deverão ser compreendidas pelo público não é suficiente. Interpretar o mal feito, “fazer de conta” que está falhando, errar intencionalmente são signos teatrais, o que é diferente de proporcionar à plateia da capital gaúcha um espetáculo ruim, como é o caso.

Há alguns destaques negativos no elenco: André Gazineu, Samanta Sironi e Naiara Harry. O trabalho de interpretação de Gazineu não apresenta bom ritmo, dicção clara, movimentos verossímeis. Suas participações, que ganham importância por ser o único ator do elenco, pesam as narrativas pela dureza demonstrada, marca de inexperiência. A voz de Sironi é baixa em relação às demais atrizes do espetáculo e, em suas cenas, é possível identificar problemas na respiração: em vários momentos, nota-se que a atriz fica sem ar ao dizer frases longas. Por ser a atriz mais experiente do grupo, está em Naiara Harry a maior decepção. Em “Cabaret do Ivo”, se repetem os mesmos problemas já encontramos em “Maes & Sogras”: voz exageradamente grossa, desprovida de entonações e tom agressivo na grande maioria de seus momentos. Mal dirigida nas várias personagens que interpreta ao longo da encenação, todas as construções de Harry são realizadas igualmente, apresentando os mesmos defeitos: muito grito, muitas marcas de intenção, movimentos faciais e corporais exagerados, como se o figurino e a maquiagem já não cumprisse esse papel suficientemente.

Pontos positivos? Sim, felizmente eles existem e não apontá-los significaria tornar essa análise inconsistente. Ainda que deixando os atores no escuro no proscênio em vários momentos em que as cenas são apresentadas, a iluminação de Carmen Salazar, junto com ótimos figurinos de Lara Coletti e de Mariana Schuch são responsáveis por quadros bastante interessantes ao longo da encenação, como, por exemplo, as cenas em que as cadeiras representam uma espécie de prisão ou, na cena final, quando dispostas em torre. O cabelo e a maquiagem de Fabrízio Rodrigues atenderam a uma opção estética não reconhecida por essa análise, mas, mesmo assim, deve-se dizer que a afirmação plástica está bem posta. A direção musical de Marcelo Delacroix, no que diz respeito à escolha das músicas, e as coreografias de Carlota Albuquerque são pontos altos, como também o são alguns momentos da interpretação de Silvana Ferreira, especialmente nas cenas cômicas.

“Cabaret do Ivo” é uma produção difícil de ser lida a partir de um gênero cênico narrativo. Embora pareça uma comédia, possui diversas cenas dramáticas. A maquiagem e o figurino podem aproximar do realismo fantástico, os números musicais do gênero musical americano (que não tem quase nada a ver com o teatro de revista brasileiro), havendo ainda diversas possibilidades de leitura enquanto melodrama ou boulevard. Diante de tudo isso, reencontrar o excelente trabalho de interpretação de Juçara Gaspar é um enorme ganho. Com talento já bastante elogiado em “Frida Kahlo, à revolução”, a atriz, mais uma vez, chama positivamente a atenção por seu domínio de cena, sua vibrante variação tonal, sua disponibilidade física e pelas marcas de veracidade postas a serviço de seus personagens. Sem dúvida, suas participações são os melhores momentos da montagem.

“Cabaret do Ivo” sai de cena, deixando os personagens de Ivo Bender aquém de suas possibilidades e a cena teatral à espera de uma montagem profissional relevante de um texto de nosso maior e mais querido dramaturgo vivo.

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Ficha técnica:

Elenco: Amanda Novinski, André Gazineu, Dinorah Araújo, Juçara Gaspar, Naiara Harry, Paula Souza, Samanta Sironi e Silvana Ferreira
Figurino e Adereços: Lara Coletti e Marina Schuch
Direção de Atores: Laura Backes
Direção Coreográfica: Carlota Albuquerque
Direção Musical: Marcelo Delacroix
Direção Geral: Mauricio Guzinski
Roteiro: Grupo Experimental de Teatro e Mauricio Guzinski
Iluminação: Carmem Salazar / SEOTE/SMC
Maquilagem e Cabelos: Fabrízio Rodrigues
Trilha Sonora: Marcelo Delacroix e o Grupo
Produção: o Grupo e CAC/SMC

23 de out. de 2011

i-Mundo


Foto: Tiemy Saito

Deixa a desejar

“i-Mundo” é o segundo espetáculo do Grupo Mototóti e, como o primeiro, é um espetáculo teatral de rua dirigido tanto para crianças como para adultos. Carlos Alexandre e Fernanda Beppler interpretam dois alienígenas que, ao chegar ao Planeta Terra, se espantam ao ver que, em 2011, o mundo não acabou, o que deveria ter acontecido em 2000. Com direção de Juliana Kersting, a produção apresenta alguns pontos positivos, mas se estrutura, principalmente no que diz respeito à dramaturgia, de forma negativa em vários aspectos.

É bastante interessante a opção da chegada dos atores ao espaço onde a peça será apresentada. Carlos Alexandre e Fernanda Beppler, interpretando Obs e Abs, caminham pelo parque usando Kangoo Jumps, o que exige dos intérpretes movimentos que os auxiliam na composição dos personagens, tocando instrumentos musicais, cantando e convidando o público a seguí-los até um determinado lugar. Como não há nenhuma marcação, delimitação ou sinal de onde será esse lugar, em termos conceituais, é possível reconhecer a intenção de construir o espetáculo de forma fluída, livre, apoiado no contado direto com o público. Escolhido o espaço, Carlos Alexandre estabelece a célebre roda do teatro de rua com uma corrente amarela e preta, infelizmente contradizendo a elogiável intenção e marcando o que acontecerá muitas vezes ao longo do espetáculo: a autocontradição.

Obs e Abs, mais uma vez de forma elogiável, falam um idioma desconhecido, o que desperta positivamente o interesse do público que compreende o que eles comunicam apenas pelas excelentes interpretações de ambos os atores. Estabelecida a roda e já com o espetáculo em andamento, a dupla de personagens tem dificuldade de reconhecer o que vêem. Um livro com gravuras aparece e, através dele, se identificam os homens como habitantes do planeta i-Mundo, isto é, o Planeta Terra. Os terráqueos, assim, são chamados de i-Mundanos, palavra que a dupla passa a utilizar imediatamente depois de reconhecer que o idioma falado aqui é a língua portuguesa. A falta de cenário confere ao diálogo a necessidade de estabelecer um lugar para esse encontro dos personagens com seus interlocutores, sem o qual não é possível dar início à história. É então que ficamos sabendo que estamos em 2011 no poluído Planeta Terra. Dentre os méritos do espetáculo, a montagem traz como tema a conscientização ecológica, além de uma nova postura acerca do relacionamento humano, cuja pauta não deve ser baseada no dinheiro, mas na valorização da vida, sobretudo a humana. O Grupo Mototóti está de parabéns por propor o debate, ainda que essa análise faça ver a inconsistência de alguns instrumentos utilizados para o estabelecimento da reflexão proposta.

Em primeiro lugar, o Parque Farroupilha aparentemente não é o lugar apropriado para a encenação desse espetáculo por ser um lugar onde a natureza reina majestosa e segura. Diferente do que aconteceria numa rua movimentada no centro, não há lixo, mas há flores; não há buzinas e prédios cinzentos, mas árvores e barulho de pássaros; não há pessoas apressadas em trabalhar e pagar contas, mas grupos e solitários de todas as idades relaxando ao sol. Um casal de atores vestido totalmente de preto, com expressões carregadas na face e um discurso pesado sobre a poluição, o egoísmo e o fim do mundo parece inconveniente. E chato.

Ainda em termos de dramaturgia, o espetáculo se torna negativamente moralista nas cenas do Funk e da Igreja Evangélica porque denigre o direito de livre expressão artística e religiosa, opinando verticalmente sobre essas manifestações. Por fim, a peça se apresenta autocontraditória em várias ocasiões, como, por exemplo: a) se Abs e Obs são alienígenas, como eles podem julgar o que é boa bebida e boa comida para um i-Mundano? O que é bom para um i-Mundano não necessariamente seria bom para um alienígena, não? b) Se os faraós eram tataravós de Abs e de Obs, por que chamam os i-Mundanos contemporâneos de “exemplares”, considerando que os egípcios também eram humanos? c) Depois de um longo discurso sobre a preservação do ambiente, qual o sentido de abandonar o espaço cênico deixando no chão do parque vários papéis jogados e uma garrafa d’água perdida?

Em segundo lugar, “i-Mundo” apresenta uma história que começa com a chegada dos alienígenas, avança e se perde no estabelecimento constante da situação inicial e não evolui para um desenvolvimento, tendo um obscuro e esquisito final. Ou seja, em termos teóricos, é possível concluir que a peça começa como narrativa, cresce como dissertação (uma crítica à sociedade) e, de forma pobre, termina como narrativa novamente. Para os adultos, a história é superficial demais. Para as crianças, a tese e seus argumentos são pesados demais.

Em terceiro lugar, em se tratando da forma, a passagem do chapéu (marca do teatro de rua que acontece no fim das apresentações) acontece estranhamente no meio da peça, quando também ocorre o recolhimento da corrente, apagando a roda cênica e criando a dúvida a respeito do porquê de sua utilização até aquele momento.

Como aspecto extremamente positivo, há que se falar da trilha sonora. Em mais um espetáculo, o trabalho de Fernanda Beppler como compositora é excelente. “O Príncipe que Nasceu Azul”, “A Canção de Assis”, “O Homem da Cabeça de Papelão”, “O Vendedor de Palavras” e, agora, “i-Mundo” são espetáculos que tiveram e têm seu ponto alto na criação e na execução da trilha, um trabalho que carece de maior reconhecimento e merecido aplauso.

Outro aspecto bastante positivo da produção são os figurinos. Cumprindo a proposta já tratada, ambos os atores vestem trajes práticos e ricos ao mesmo tempo, caracterizando os personagens, elevando positivamente as qualidades da produção e atendendo à concepção para a qual foram criados.

Uma vez que o teatro se difere da linguagem verbal porque cria sua própria linguagem ao falar, diferente da segunda que se manifesta através da atualização de uma estrutura anterior a ela, a autocontradição emperra a adequada fruição. Se, no conforto do palco italiano, uma peça em que o espectador tenha problemas em se situar chegue mais dificilmente aos elogios, o caso é ainda pior na rua. Porque as boas intenções não se manifestam através de bons usos dos instrumentos dispostos, “i-Mundo” deixa a desejar ao público fiel do Mototóti.

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Ficha técnica:
Concepção e atuação: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler
Dramaturgia: Carlos Alexandre
Direção: Juliana Kersting
Trilha Sonora e Criação de Figurinos: Fernanda Beppler
Execução: Carol Puccini, Geluza Tagliaro e Sônia Krug.
Fotorafias: Tiemy Saito
Identidade Visual, Produção e Realização: Grupo Mototóti

O Fantástico Circo-Teatro de um Homem Só


Foto: Alex Ramirez

Muitos aplausos ao Homem quando Só e quando Acompanhado

O Fantástico Circo-Teatro de um Homem Só”, mais recente produção da Cia. Rústica, é um espetáculo que apresenta dois temas aparentemente próximos, mas distintos: a possibilidade de uma só pessoa ser várias (“Eu sou nuvem passageira que com o vento se vai”) e a condição solitária de um homem, de um artista (“Um homem só”). Em pouco mais de uma hora, o monólogo é a consagração de Heinz Limaverde como ator. De forma simples e delicada, a peça proporciona ao público provas do seu talento que tem, ao seu dispor, várias oportunidades de mostrar diversas faces de si próprio, propiciando ao público momentos em que se gargalha e outros em que se emociona. Da comédia ao drama, não há dúvidas de que Porto Alegre está diante de um grande artista cênico: Limaverde interpreta bem, tem ótima dicção, canta afinadamente e conhece as diversas potencialidades dos movimentos do seu corpo sob os refletores, tudo isso posto em favor das cenas nessa montagem dirigida por Patrícia Fagundes.

Quando o público entra, o ator está sentado diante de um espelho de camarim (daqueles cheios de lâmpadas acesas) se maquiando já vestido com o figurino de abertura. Cuidosa e belamente construído, o cenário de Juliano Rossi e Paloma Hernández apresenta o picadeiro de um circo. Uma lona redonda no chão, luzes de ribalta, uma cortina de retalhos ao fundo, cubos de madeira em formato de trapézio. Heinz Limaverde dá início ao trato do primeiro tema se apresentando ou apresentando o personagem, estabelecendo, com isso, a proposta que, em forma de conceito, será explorada até o fim: o um também pode ser dois. Um picadeiro também pode ser um camarim, um ator também pode ser um personagem, um personagem pode ser dois, a história de um pode ser a história de outro, um palhaço pode ser alegre e triste ou feliz e mal-humorado, uma vedete pode ser jovem ou velha, o passado pode ser o presente ou o presente pode ser a concretização de um passado que nunca existiu. O resultado é um profícuo jogo de presenças e de ausências através do qual uma figura se nutre da outra, construindo a dúvida como alavanca para a transformação ou a possibilidade latente de ser melhor na vez seguinte.

O segundo tema não tem o mesmo privilégio que o primeiro em termos de sua dramaturgia, essa assinada por Limaverde e por Fagundes. Assim, pode-se dizer que a articulação dos temas é o único ponto negativo de “O Fantástico Circo-Teatro de um Homem Só”. Em momentos discretos e isolados no início e no fim e de forma bastante marcada na cena central da “Mulher Barbada”, a condição solitária do personagem artista propõe uma segunda reflexão na medida em que, nesses momentos, não se considera a possibilidade de ser outra coisa que não só. De forma negativa, sente-se o espetáculo “pesar”, sendo que esse peso não é resultante de uma inexistente quebra de ritmo, menos ainda de um suposto cansaço da plateia, mas é conseqüência de uma “mudança de enquadramento” na abordagem da história, essa bem contada nos seus dois e diferentes posicionamentos. Em outras palavras, a cena da “Mulher Barbada” funciona como uma peça dentro da peça ainda que encontre, como já foi dito, discretas pontes no início e no fim da apresentação.

“O Fantástico Circo-Teatro de um Homem Só” é também um dos grandes momentos na carreira de Daniel Lion, já por outros trabalhos considerado um dos melhores figurinistas do teatro gaúcho. Nada menos que impecáveis, os trajes utilizados por Heinz Limaverde, além de bonitos e ricamente elaborados, fazem a peça atingir grandes níveis de qualidade estética na medida em que caem naturalmente ao corpo do ator e à construção dos personagens, providenciando mobilidade, beleza e verdade. A trilha sonora escolhida e executada por Simone Rasslan e a iluminação de Lucca Simas em nada deixam a desejar, contribuindo positivamente para o espetáculo e, em contrapartida, para o teatro de Porto Alegre.

Embora haja quem diga que a história contada seja verdadeiramente a vida de Heinz Limaverde, essa análise partiu do princípio de que, havendo semelhança entre o(s) personagem(ns) e o ator, tudo não passa de mera coincidência. Vale a pena, pois, conhecer melhor tanto os personagens como o próprio ator, afim de que se tire, cada um por si, suas próprias conclusões.

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Ficha Técnica:

Dramaturgia: Heinz Limaverde e Patrícia Fagundes
Direção: Patrícia Fagundes
Elenco: Heinz Limaverde
Trilha Sonora e Preparação Vocal: Simone Rasslan
Cenografia: Juliano Rossi
Adereços, pintura de cenografia e programação visual: Paloma Hernandez
Figurino: Daniel Lion
Preparação Corporal: Cibele Sastre
Iluminação: Lucca Simas
Produção: Rochele Sa e Priscilla Colombi
Apoio de Produção: Patrícia Fagundes
Assessoria de Imprensa: Leo Sant’Anna

10 de out. de 2011

Piratas


Foto: divulgação

Aventura cambaleante

“Piratas” é uma história de aventura. Dois amigos vão passar as férias numa casa antiga, onde, atualmente, funciona uma pousada. Histórias de piratas que viveram por ali há séculos chegam aos ouvidos dos dois garotos. Um deles, neto do antigo e recém falecido dono do lugar, recebe um antigo medalhão como herança. Entre as brincadeiras e os mimos que a tia, a atual administradora, lhes presta, ambos farão novos amigos. Dirigidos por Airton de Oliveira, o grande elenco é composto por Davi Borba, Dejayr Ferreira, Jadson Silva, Juliano Bitencourt, Paulo Adriane, Juliano Canal e Sandra Loureiro. De um modo geral, as situações não impedem que a aventura aconteça, mas vale apontar que o ritmo na sucessão das cenas é cambaleante.

Falta agilidade em “Piratas” e, sem ela, a aventura não se estabelece a contento. Os personagens interessantes que existem não são o suficiente para o estabelecimento do ritmo de que o gênero precisa. O resultado é uma peça que evolui em blocos disformes, atravessando o tempo com uma prejudicial irregularidade. Todas às vezes em que o ritmo cai, a verossimilhança se prejudica, as informações se soltam, a assistência perde o foco e a conversa paralela acontece. Nessa montagem, o texto dos diálogos, que é assinado por Jadson Silva, é o culpado pela quebra prejudicial de ritmo. Muitas frases são longas, vários dados se repetem (numa cena, é dito três vezes exatamente a mesma coisa) e, nessas ocasiões recorrentes, o tempo se arrasta. O linguajar rebuscado, por exemplo, é desnecessário uma vez que traz a época da peça (início do século XX) que o público já reconheceu através do figurino, da decoração, do tipo de aparelho de telefone. No realismo fantástico, esse é gênero narrativo em que se inscreve a encenação, as informações devem ser amarradas de tal forma a ponto de acontecerem como se fossem verdadeiras, ou seja, reais. A produção, porém, se negativiza quando não encontra outras formas de entrelaçar os diversos signos sem precisar ratificar tantas vezes suas bases.

O elenco apresenta boas construções, concretizando figuras marcantes. David Borba e Jadson Silva interpretam os protagonistas. Assim como todos, eles dão a ver personagens que surgiram a partir da idealização: crianças têm a voz mais aguda e são mais ágeis, piratas são mais ardilosos e a tia é bondosa. O grupo se divide em três: os dois meninos e a tia, o pirata protagonista e os três piratas antagonistas. Na evolução da narrativa, os grupos se unem, se modificam, o que é bastante positivo. Quanto às interpretações, não há destaques negativos, mas, de forma elogiosa, deve-se tratar de três aparições: Sandra Loureiro, Dejayr Ferreira e Paulo Adriane. Desde 1998, na montagem “A Torre” dirigida por João Castro Lima, o público gaúcho não conferia o trabalho de Sandra Loureiro, que retorna agora com grandes contribuições: firmeza na sua presença cênica, texto dito sem rodeios, foco, precisão nas marcas. Dejayr Ferreira põe à disposição do trabalho o seu tom de voz característico, tornando o seu malvado Pirata, no momento certo, nem tão malvado assim. Paulo Adriane, talvez o único responsável pela comicidade explícita da peça, auxilia na construção de quase todos os melhores momentos de “Piratas”, agregando valores bastante positivos à produção.

Além dos diálogos, há outro aspecto repetitivo em “Piratas”, contribuindo para o desacerto do seu ritmo: a paleta de cores. O grandioso cenário (cujos detalhes poderiam ser mais bem cuidados) e os apropriados figurinos variam entre marrom, vermelho, rosa, roxo e púrpura, opção essa que empobrece o trabalho. Iluminação e trilha sonora estão adequadamente postas, contribuindo para que a assistência mantenha o foco na ação que se desenrola.

Diante de um público em que boa parte das crianças nunca foram ao teatro, “Piratas” cumpre o seu papel e oferece uma boa opção, providenciando, dentro do possível, espaço para o fluir da imaginação.

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Ficha técnica:


Elenco: Davi Borba, Dejayr Ferreira, Jadson Silva, Juliano Bitencourt, Paulo Adriane, Juliano Canal e Sandra Loureiro.

Texto: Jadson Silva
Direção: Airton de Oliveirfa
Preparação de Atores: Miriam Benigna
Trilha Sonora: Jadson Silva e Douglas Silva
Cenário: Marcos Buffon
Figurino: Naray Pereira
Iluminação: Nara Maia
Produção Executiva: Airton de Oliveira
Realização: Telúrica Produções, Grupo Loucos de Palco e Cia. Vento Minuano

O Baú


Foto: divulgação

Trabalho sério, espetáculo divertido


Um espetáculo para crianças que diverte todo mundo enquanto ensina os adultos a conhecerem melhor aqueles que ainda não o são. “O Baú – Lembranças e Brincanças” não traz uma história ao seu público, mas parte do princípio das possibilidades criativas de uma situação determinada. No caso, duas meninas estão num sótão da casa de uma delas. Nele não há televisão, vídeo game e nem celular. Em contrapartida, há um grande baú e muitos brinquedos antigos. A dramaturgia se constrói sobre a difícil tarefa de vencer o tédio que paira na vida das duas confinadas, em cujas cabeças nem passa a ideia de brincar de bonecas ou de casinha, como os adultos na plateia poderiam pensar. O jogo é constantemente renovado na representação da peça que dura um pouco menos de uma hora.

Com texto e direção de Fábio Castilhos, o novo espetáculo do Grupo Trilho, que já elogiosamente montou “A Decisão”, de Brecht, é fruto de uma intensa pesquisa sobre o universo das crianças de hoje. O assunto, as brincadeiras, as piadas, as preferências estão todas concretizadas no palco nas relações que se estabelecem entre as personagens de Caroline Falero e Giovanna Zottis. As duas atrizes estão excelentes nos papéis que executam, dando vida a figuras cheias de nuances, características marcantes, pontos a descobrir. Uma vez que não há uma história que faça evoluir uma narrativa, o sucesso do trabalho depende quase inteiramente do desempenho das atrizes. E ele acontece, prova de que o público de Porto Alegre está diante de um belo trabalho de interpretação.

“O Baú – Lembranças e Brincanças” foge dos clichês e enfrenta o desafio de se reinventar a cada nova cena. O ritmo, como não poderia deixar de ser, não é constante e crescente, mas cheio de quebras. A cada novidade dramática quem está em cena precisa reconquistar a atenção do público que se perdeu com o fim da última brincadeira. Como cada “quadro” tem tamanho diferente, a evolução sofre baixas, mas recebe ganhos. No centro do palco, como já foi dito, está um grande baú cadeado. Nas laterais, brinquedos antigos. Todo o universo é, assim, potente, pois olhamos para esses materiais e esperamos que eles sejam usados em dos quadros. Embora não seja um diretor experiente, Castilhos age como tal quando usa essa espera a favor da montagem, dosando com habilidade todas as ações que acontecem em volta desses objetos e os possíveis usos que eles podem ter.

A produção é simples. Não há grandes movimentos de luz, uma trilha sonora que realmente chame a atenção (essa composta especialmente para o espetáculo) e um cenário e figurino além do esperado. Todas essas opções, enquanto estéticas, fazem ver que o que interessa é realmente a relação das duas meninas com o tempo que, às vezes, parece passar rápido, às vezes não. Dessa forma, pode-se dizer que o objetivo foi plenamente atingido e indicar a possibilidade de uma metáfora entre esse pequeno recorte na vida de duas crianças e a infância inteira.

Com o coração aberto ao que está diante delas, sou testemunha de que as crianças vibram na plateia com cada gesto feito em cena. Quanto aos adultos, são as lembranças que vibram a partir dessa produção tão cheia de méritos.

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Ficha técnica:
Dramaturgia e Direção: Fábio Castilhos
Elenco: Caroline Falero e Giovanna Zottis
Trilha Sonora: Sergio Baiano
Iluminação: Bruna Immich
Cenário: Anderson Balhero
Figurino: Caroline Falero e Giovanna Zottis
Realização Grupo Trilho de Teatro Popular

9 de out. de 2011

Papai pirou nas ondas do rádio


Foto: divulgação

Privilegiada diversão

Trata-se de uma chanchada: uma história engendrada como motivo para a execução de músicas que já existem anterior e independente da narrativa proposta. “Papai pirou nas ondas do rádio” é o novo espetáculo dirigido por Néstor Monastério (1952), um dos diretores de maior sucesso na cena teatral portoalegrense já há três décadas. No elenco, Gustavo Razzera (Napoleão, o pai), Joana Isabel (Maria, a empregada), Léo Ferlauto (Danton, o avô), Sofia Schul (Carlota, a mãe; Antonieta, a avó), Thaís Siegle (Camile, a filha) e William Martins (Voltaire, o filho) dão vida a uma família que atravessa os anos quarenta nas ondas da Rádio Nacional. Um dia, o aparelho da família quebra. É quando o pai começa a misturar a fantasia da novela “A princesa escrava” com a sua vida real. Seguindo ordens médicas, a família não pode discordar de nada que ele disser, entrando na brincadeira e, por fim, se divertindo a valer.

“Papai pirou nas ondas do rádio” não é uma peça infantil, nem adulta, mas um espetáculo para toda a família. E esse é o seu maior ganho, enquanto produção teatral, e o nosso maior ganho, enquanto objeto de arte. A história, e também como ela é contada, é pura, sem malícia, sem ironia, sem segundas intenções. Ao mesmo tempo, não é pueril, nem alienada, tampouco superficial. Todos os seres humanos têm família, sejam aquelas em que nasceram, sejam aquelas escolhidas pelo próprio homem na condução de sua vida, e isso nos torna identificáveis na assistência desse espetáculo com ele mesmo. O texto, assinado por Guto Greco, diretor, dramaturgo e ator falecido em meados dos anos 90, já foi montado pelo mesmo diretor em 1989. Seu conteúdo traz o riso através da ingenuidade enquanto trata da união de um grupo em prol de uma causa. Cada personagem tem o seu lugar garantido no coração da plateia, mas vale dizer que esse espaço foi alcançado à custa do esforçado trabalho de elenco e produção, esses responsáveis pela montagem.

De um modo geral, o elenco está afinado no sucesso de suas construções: em cena, estão bons atores, bons cantores, artistas que demonstram excelentes usos de sua própria voz. Entre os personagens, há quem tenha mais espaço, como é o caso de Razzera, que interpreta do protagonista, e quem praticamente não tem importância maior que ilustrar, como é o caso de Siegle, que dá vida à filha. Joana Isabel e Sofia Schul, porque driblam a relação de suas personagens com o todo, tonando o espaço reduzido que têm em grandes participações, merecem os maiores aplausos. É preciso que se diga, no entanto, que Léo Ferlauto, o ator com mais idade em um elenco bastante jovem, está absolutamente integrado à encenação: vivo, criativo e excelente em suas contribuições à narração.

A dramaturgia, talvez, seja o único ponto não tão positivo de “Papai pirou nas ondas do rádio”. A partir do momento em que o espectador reconhece o problema a ser resolvido, a história flui. Esse, porém, é um momento que demora mais do que deveria para acontecer. As cenas iniciais são longas, embora não sejam entediantes. O que ocorre é que a peça parece começar de um jeito e terminar de outro, sendo as duas versões positivas em separado. A leitura do espetáculo como atualização do gênero chanchada só pode ser feita a partir da primeira música, o que é um problema visto que o número surge no meio da narrativa, sem precedentes. O fato de toda a história estar unida pela linguagem do rádio (cujo núcleo dramático consiste em um dos aspectos mais interessantes de toda a peça) não é suficiente para o espectador esperar que os personagens se levantem e comecem a cantar (no meio da sala, longe do microfone cenográfico), pois esse é um signo que, como todos os outros no caso do teatro dramático, deve acontecer em meio a um contexto. Depois da primeira vez, as demais já estão devidamente estruturadas e são, por isso, fruídas de modo natural.

Sobre as músicas, a escolha do repertório é excelente, mas não mais do que sua execução. Ainda que os três atores homens tenham registros mais graves, e faltem agudos masculinos, todas as canções são interpretadas de forma extremamente profissional: há afinação, qualidade, perfeita dicção e volume adequado, esse último providenciado por um discreto microfone, recurso perigosamente bem usado, o que aumenta as virtudes da produção. O único porém é o ritmo irregular existente entre as falas e as músicas: está acontecendo uma cena quando tudo pára a fim de que seja ouvida uma pequena introdução e, aí, sim, a canção começa. Essa pausa emperra o ritmo da narrativa quando se está tratando de pequenos detalhes.

Do lustre dos sapados à perfeição do desenho de luz, a Cia. Etceteratral mantém a fama de ser um dos grupos com mais sucessos em sua história na capital gaúcha. Não há um único signo estético que não tenha sido cuidadosamente observado, o que demonstra o alto valor que o Grupo dá para o seu público. Por tudo isso, “Papai pirou nas ondas do rádio” é parada obrigatória para quem gosta do bom teatro, mas, sobretudo, de uma privilegiada diversão.


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Ficha técnica:

Direção: Néstor Monasterio
Texto: Guto Greco
Arranjos musicais: Léo Ferlauto e Simone Rasslan
Elenco: Gustavo Razzera, Joana Isabel, Léo Ferlauto, Sofia Schul, Thaís Siegle, William Martins
Cenário: Rodrigo Lopes
Figurinos: Malu Rocha
Coreografias: Jussara Miranda e Sofia Schul
Projeto Gráfico: Gustavo Razzera
Produção: O Grupo
Divulgação: Joana Isabel e Thaís Siegle
Equipe Técnica: André Winovski e Alexandre Saraiva

5 de out. de 2011

Pequenos fatos

Foto: divulgação

Interpretações caretas

Mais um projeto meritoso da Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre, o Novas Caras é uma oportunidade para 1) atores, diretores e técnicos experimentarem uma janela comercial na grade de programação de um teatro institucionalizado; e 2) o público conhecer novos nomes que estão surgindo no mercado artístico da cena teatral porto-alegrense. Ambos os objetivos são atingidos prazerosamente quando, de um lado, os atores, diretores e técnicos encaram a sua inexperiência como o motivo real de estarem participando do seu projeto e não como uma barreira, de fato, inexistente; e, de outro, quando o público não precisa “respirar fundo” durante a sessão e lembrar que, no palco, estão artistas em início de carreira querendo mostrar o seu trabalho e não só mostrando. “Pequenos fatos – a vida real pode ser fantástica”, do Grupo Teatro Nó Cego” participa do projeto e é um alerta para essas questões.

No que diz respeito às interpretações: todos os atores carregam nas marcas para mostrar que estão interpretando. Isto é, Juliano Canal, Guigui Azevedo e Morgana Rodrigues sustentam interpretações ilustrativas – quando um ator constrói marcas (redundantes) para reafirmar afirmações já feitas anteriormente por outros signos antes apresentados. Dou um exemplo: se o ator utiliza no discurso um ritmo vocal mais lento, não precisa tonalizar a voz como um velho, nem curvar a coluna, nem arrastar os pés, etc... Juliano Canal, em particular, é o que ator que sustenta a interpretação menos realista, menos crível e mais carregada do trio, enquanto Guigui Azevedo é quem apresenta interpretações mais naturalistas de um modo geral.

A dramaturgia, assinada por Juliano Canal, que também assina a produção, surge a partir da união justaposta de pequenas histórias, cada uma delas contada em uma cena. O ponto mais interessante é o experimento da linguagem através da repetição dos diálogos que se dá na cena entre o casal de velhos. O pior momento é a cena entre a mãe e o filho homossexual. Se, de um lado, temos um investimento da produção em estabelecer novos jeitos de contar uma história, o que encontra, enquanto conteúdo, parceria na forma como toda a produção acontece (inexistência de cenário, delimitação de espaço cênico através de fios que cortam a caixa cênica, sapatos coloridos que substituem os figurinos, etc), de outro, temos o desperdício do clichê. A história do filho que conta para a mãe que é homossexual tem diálogos bastante rasos que estruturam uma situação paupérrima em termos estéticos. É, por isso, tão dispensável quanto aproveitável é a dos idosos, cuja repetição de falas nos faz pensar sobre a possibilidade de novas descobertas em velhas conversas/atitudes. De um modo geral, pode-se dizer que a posição da cena que trata do “apego aos sapatos dos outros” dificulta a boa fruição do espetáculo. Até o momento em que ela aparece, isto é, quase no fim da encenação, o espectador não tem muitas pistas para fazer a conexão entre o que está vendo concretamente em cena e as histórias que estão sendo contadas. Assim, é só nos momentos finais que “Pequenos fatos” ganha, a partir de sua estrutura, valor estético elogiável.

Sapatos: saltos altos, saltos baixos, chinelos, pantufas, crooks, tênis, rasteirinhas, botas... Vermelhos, azuis, verdes, brancos... Linhas delimitando o espaço e deixando ver a parede de fundo do Teatro de Câmara Túlio Piva. “Teatro à mostra” versus narrativas fechadas. A concepção não-realista utilizada na estética visual do palco e dos figurinos concorda com a dramaturgia, mas ambas discordam das interpretações duras, pesadas, enrijecidas. Em se tratando do visual, a produção alcança resultados positivos. Há alguns senões: a cueca de Juliano Canal aparecendo além de sua bermuda faz decrescer o valor estético da obra, assim como os olhos contornados com lápis preto destoam da maquilagem dos demais atores, os espaços escuros na cena dos velhos não têm justificativas aparentes, como também não o uso do tecido branco como acessório. Por fim, o corte de cabelo de Guigui Azevedo afasta o ator da neutralidade necessária para a representação dos vários personagens da narrativa.

“Pequenos fatos” é uma produção que carece de mais leveza a fim de ter maior fluidez. Afinal, a liberdade é justamente a melhor parte da inexperiência.

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Ficha técnica:
Direção: Gustavo Dienstmann
Pesquisa de histórias: Teatro Nó Cego
Dramaturgia: Juliano Canal
Preparação Corporal: Arlete Cunha
Figurino e Cenário: Teatro Nó Cego
Maquiagem: Gustavo Dienstmann
Elenco: Juliano Canal, Morgana Rodrigues e Guigui Azevedo
Iluminação: Tiago Braga
Trilha Sonora (Criação, Execução e Pesquisa): Bernardo Fleck Manganelli

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