9 de out. de 2011

Papai pirou nas ondas do rádio


Foto: divulgação

Privilegiada diversão

Trata-se de uma chanchada: uma história engendrada como motivo para a execução de músicas que já existem anterior e independente da narrativa proposta. “Papai pirou nas ondas do rádio” é o novo espetáculo dirigido por Néstor Monastério (1952), um dos diretores de maior sucesso na cena teatral portoalegrense já há três décadas. No elenco, Gustavo Razzera (Napoleão, o pai), Joana Isabel (Maria, a empregada), Léo Ferlauto (Danton, o avô), Sofia Schul (Carlota, a mãe; Antonieta, a avó), Thaís Siegle (Camile, a filha) e William Martins (Voltaire, o filho) dão vida a uma família que atravessa os anos quarenta nas ondas da Rádio Nacional. Um dia, o aparelho da família quebra. É quando o pai começa a misturar a fantasia da novela “A princesa escrava” com a sua vida real. Seguindo ordens médicas, a família não pode discordar de nada que ele disser, entrando na brincadeira e, por fim, se divertindo a valer.

“Papai pirou nas ondas do rádio” não é uma peça infantil, nem adulta, mas um espetáculo para toda a família. E esse é o seu maior ganho, enquanto produção teatral, e o nosso maior ganho, enquanto objeto de arte. A história, e também como ela é contada, é pura, sem malícia, sem ironia, sem segundas intenções. Ao mesmo tempo, não é pueril, nem alienada, tampouco superficial. Todos os seres humanos têm família, sejam aquelas em que nasceram, sejam aquelas escolhidas pelo próprio homem na condução de sua vida, e isso nos torna identificáveis na assistência desse espetáculo com ele mesmo. O texto, assinado por Guto Greco, diretor, dramaturgo e ator falecido em meados dos anos 90, já foi montado pelo mesmo diretor em 1989. Seu conteúdo traz o riso através da ingenuidade enquanto trata da união de um grupo em prol de uma causa. Cada personagem tem o seu lugar garantido no coração da plateia, mas vale dizer que esse espaço foi alcançado à custa do esforçado trabalho de elenco e produção, esses responsáveis pela montagem.

De um modo geral, o elenco está afinado no sucesso de suas construções: em cena, estão bons atores, bons cantores, artistas que demonstram excelentes usos de sua própria voz. Entre os personagens, há quem tenha mais espaço, como é o caso de Razzera, que interpreta do protagonista, e quem praticamente não tem importância maior que ilustrar, como é o caso de Siegle, que dá vida à filha. Joana Isabel e Sofia Schul, porque driblam a relação de suas personagens com o todo, tonando o espaço reduzido que têm em grandes participações, merecem os maiores aplausos. É preciso que se diga, no entanto, que Léo Ferlauto, o ator com mais idade em um elenco bastante jovem, está absolutamente integrado à encenação: vivo, criativo e excelente em suas contribuições à narração.

A dramaturgia, talvez, seja o único ponto não tão positivo de “Papai pirou nas ondas do rádio”. A partir do momento em que o espectador reconhece o problema a ser resolvido, a história flui. Esse, porém, é um momento que demora mais do que deveria para acontecer. As cenas iniciais são longas, embora não sejam entediantes. O que ocorre é que a peça parece começar de um jeito e terminar de outro, sendo as duas versões positivas em separado. A leitura do espetáculo como atualização do gênero chanchada só pode ser feita a partir da primeira música, o que é um problema visto que o número surge no meio da narrativa, sem precedentes. O fato de toda a história estar unida pela linguagem do rádio (cujo núcleo dramático consiste em um dos aspectos mais interessantes de toda a peça) não é suficiente para o espectador esperar que os personagens se levantem e comecem a cantar (no meio da sala, longe do microfone cenográfico), pois esse é um signo que, como todos os outros no caso do teatro dramático, deve acontecer em meio a um contexto. Depois da primeira vez, as demais já estão devidamente estruturadas e são, por isso, fruídas de modo natural.

Sobre as músicas, a escolha do repertório é excelente, mas não mais do que sua execução. Ainda que os três atores homens tenham registros mais graves, e faltem agudos masculinos, todas as canções são interpretadas de forma extremamente profissional: há afinação, qualidade, perfeita dicção e volume adequado, esse último providenciado por um discreto microfone, recurso perigosamente bem usado, o que aumenta as virtudes da produção. O único porém é o ritmo irregular existente entre as falas e as músicas: está acontecendo uma cena quando tudo pára a fim de que seja ouvida uma pequena introdução e, aí, sim, a canção começa. Essa pausa emperra o ritmo da narrativa quando se está tratando de pequenos detalhes.

Do lustre dos sapados à perfeição do desenho de luz, a Cia. Etceteratral mantém a fama de ser um dos grupos com mais sucessos em sua história na capital gaúcha. Não há um único signo estético que não tenha sido cuidadosamente observado, o que demonstra o alto valor que o Grupo dá para o seu público. Por tudo isso, “Papai pirou nas ondas do rádio” é parada obrigatória para quem gosta do bom teatro, mas, sobretudo, de uma privilegiada diversão.


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Ficha técnica:

Direção: Néstor Monasterio
Texto: Guto Greco
Arranjos musicais: Léo Ferlauto e Simone Rasslan
Elenco: Gustavo Razzera, Joana Isabel, Léo Ferlauto, Sofia Schul, Thaís Siegle, William Martins
Cenário: Rodrigo Lopes
Figurinos: Malu Rocha
Coreografias: Jussara Miranda e Sofia Schul
Projeto Gráfico: Gustavo Razzera
Produção: O Grupo
Divulgação: Joana Isabel e Thaís Siegle
Equipe Técnica: André Winovski e Alexandre Saraiva

1 Comentário:

Anônimo disse...

Oi Rodrigo!

Muito obrigada pela tua presença e por tuas palavras...
Fiquei muito contente com a tua crítica, mas mais alegre ainda por te ver tão alegre durante a peça! É pra isso que trabalhamos: para que o nosso querido público esqueça um pouco do seu dia a dia e viva uma boa experiência teatral!!!!
Bjo!

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