Pequenos fatos
Foto: divulgação
Interpretações caretas
Mais um projeto meritoso da Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre, o Novas Caras é uma oportunidade para 1) atores, diretores e técnicos experimentarem uma janela comercial na grade de programação de um teatro institucionalizado; e 2) o público conhecer novos nomes que estão surgindo no mercado artístico da cena teatral porto-alegrense. Ambos os objetivos são atingidos prazerosamente quando, de um lado, os atores, diretores e técnicos encaram a sua inexperiência como o motivo real de estarem participando do seu projeto e não como uma barreira, de fato, inexistente; e, de outro, quando o público não precisa “respirar fundo” durante a sessão e lembrar que, no palco, estão artistas em início de carreira querendo mostrar o seu trabalho e não só mostrando. “Pequenos fatos – a vida real pode ser fantástica”, do Grupo Teatro Nó Cego” participa do projeto e é um alerta para essas questões.
No que diz respeito às interpretações: todos os atores carregam nas marcas para mostrar que estão interpretando. Isto é, Juliano Canal, Guigui Azevedo e Morgana Rodrigues sustentam interpretações ilustrativas – quando um ator constrói marcas (redundantes) para reafirmar afirmações já feitas anteriormente por outros signos antes apresentados. Dou um exemplo: se o ator utiliza no discurso um ritmo vocal mais lento, não precisa tonalizar a voz como um velho, nem curvar a coluna, nem arrastar os pés, etc... Juliano Canal, em particular, é o que ator que sustenta a interpretação menos realista, menos crível e mais carregada do trio, enquanto Guigui Azevedo é quem apresenta interpretações mais naturalistas de um modo geral.
A dramaturgia, assinada por Juliano Canal, que também assina a produção, surge a partir da união justaposta de pequenas histórias, cada uma delas contada em uma cena. O ponto mais interessante é o experimento da linguagem através da repetição dos diálogos que se dá na cena entre o casal de velhos. O pior momento é a cena entre a mãe e o filho homossexual. Se, de um lado, temos um investimento da produção em estabelecer novos jeitos de contar uma história, o que encontra, enquanto conteúdo, parceria na forma como toda a produção acontece (inexistência de cenário, delimitação de espaço cênico através de fios que cortam a caixa cênica, sapatos coloridos que substituem os figurinos, etc), de outro, temos o desperdício do clichê. A história do filho que conta para a mãe que é homossexual tem diálogos bastante rasos que estruturam uma situação paupérrima em termos estéticos. É, por isso, tão dispensável quanto aproveitável é a dos idosos, cuja repetição de falas nos faz pensar sobre a possibilidade de novas descobertas em velhas conversas/atitudes. De um modo geral, pode-se dizer que a posição da cena que trata do “apego aos sapatos dos outros” dificulta a boa fruição do espetáculo. Até o momento em que ela aparece, isto é, quase no fim da encenação, o espectador não tem muitas pistas para fazer a conexão entre o que está vendo concretamente em cena e as histórias que estão sendo contadas. Assim, é só nos momentos finais que “Pequenos fatos” ganha, a partir de sua estrutura, valor estético elogiável.
Sapatos: saltos altos, saltos baixos, chinelos, pantufas, crooks, tênis, rasteirinhas, botas... Vermelhos, azuis, verdes, brancos... Linhas delimitando o espaço e deixando ver a parede de fundo do Teatro de Câmara Túlio Piva. “Teatro à mostra” versus narrativas fechadas. A concepção não-realista utilizada na estética visual do palco e dos figurinos concorda com a dramaturgia, mas ambas discordam das interpretações duras, pesadas, enrijecidas. Em se tratando do visual, a produção alcança resultados positivos. Há alguns senões: a cueca de Juliano Canal aparecendo além de sua bermuda faz decrescer o valor estético da obra, assim como os olhos contornados com lápis preto destoam da maquilagem dos demais atores, os espaços escuros na cena dos velhos não têm justificativas aparentes, como também não o uso do tecido branco como acessório. Por fim, o corte de cabelo de Guigui Azevedo afasta o ator da neutralidade necessária para a representação dos vários personagens da narrativa.
“Pequenos fatos” é uma produção que carece de mais leveza a fim de ter maior fluidez. Afinal, a liberdade é justamente a melhor parte da inexperiência.
*
Ficha técnica:
Direção: Gustavo Dienstmann
Pesquisa de histórias: Teatro Nó Cego
Dramaturgia: Juliano Canal
Preparação Corporal: Arlete Cunha
Figurino e Cenário: Teatro Nó Cego
Maquiagem: Gustavo Dienstmann
Elenco: Juliano Canal, Morgana Rodrigues e Guigui Azevedo
Iluminação: Tiago Braga
Trilha Sonora (Criação, Execução e Pesquisa): Bernardo Fleck Manganelli
Interpretações caretas
Mais um projeto meritoso da Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre, o Novas Caras é uma oportunidade para 1) atores, diretores e técnicos experimentarem uma janela comercial na grade de programação de um teatro institucionalizado; e 2) o público conhecer novos nomes que estão surgindo no mercado artístico da cena teatral porto-alegrense. Ambos os objetivos são atingidos prazerosamente quando, de um lado, os atores, diretores e técnicos encaram a sua inexperiência como o motivo real de estarem participando do seu projeto e não como uma barreira, de fato, inexistente; e, de outro, quando o público não precisa “respirar fundo” durante a sessão e lembrar que, no palco, estão artistas em início de carreira querendo mostrar o seu trabalho e não só mostrando. “Pequenos fatos – a vida real pode ser fantástica”, do Grupo Teatro Nó Cego” participa do projeto e é um alerta para essas questões.
No que diz respeito às interpretações: todos os atores carregam nas marcas para mostrar que estão interpretando. Isto é, Juliano Canal, Guigui Azevedo e Morgana Rodrigues sustentam interpretações ilustrativas – quando um ator constrói marcas (redundantes) para reafirmar afirmações já feitas anteriormente por outros signos antes apresentados. Dou um exemplo: se o ator utiliza no discurso um ritmo vocal mais lento, não precisa tonalizar a voz como um velho, nem curvar a coluna, nem arrastar os pés, etc... Juliano Canal, em particular, é o que ator que sustenta a interpretação menos realista, menos crível e mais carregada do trio, enquanto Guigui Azevedo é quem apresenta interpretações mais naturalistas de um modo geral.
A dramaturgia, assinada por Juliano Canal, que também assina a produção, surge a partir da união justaposta de pequenas histórias, cada uma delas contada em uma cena. O ponto mais interessante é o experimento da linguagem através da repetição dos diálogos que se dá na cena entre o casal de velhos. O pior momento é a cena entre a mãe e o filho homossexual. Se, de um lado, temos um investimento da produção em estabelecer novos jeitos de contar uma história, o que encontra, enquanto conteúdo, parceria na forma como toda a produção acontece (inexistência de cenário, delimitação de espaço cênico através de fios que cortam a caixa cênica, sapatos coloridos que substituem os figurinos, etc), de outro, temos o desperdício do clichê. A história do filho que conta para a mãe que é homossexual tem diálogos bastante rasos que estruturam uma situação paupérrima em termos estéticos. É, por isso, tão dispensável quanto aproveitável é a dos idosos, cuja repetição de falas nos faz pensar sobre a possibilidade de novas descobertas em velhas conversas/atitudes. De um modo geral, pode-se dizer que a posição da cena que trata do “apego aos sapatos dos outros” dificulta a boa fruição do espetáculo. Até o momento em que ela aparece, isto é, quase no fim da encenação, o espectador não tem muitas pistas para fazer a conexão entre o que está vendo concretamente em cena e as histórias que estão sendo contadas. Assim, é só nos momentos finais que “Pequenos fatos” ganha, a partir de sua estrutura, valor estético elogiável.
Sapatos: saltos altos, saltos baixos, chinelos, pantufas, crooks, tênis, rasteirinhas, botas... Vermelhos, azuis, verdes, brancos... Linhas delimitando o espaço e deixando ver a parede de fundo do Teatro de Câmara Túlio Piva. “Teatro à mostra” versus narrativas fechadas. A concepção não-realista utilizada na estética visual do palco e dos figurinos concorda com a dramaturgia, mas ambas discordam das interpretações duras, pesadas, enrijecidas. Em se tratando do visual, a produção alcança resultados positivos. Há alguns senões: a cueca de Juliano Canal aparecendo além de sua bermuda faz decrescer o valor estético da obra, assim como os olhos contornados com lápis preto destoam da maquilagem dos demais atores, os espaços escuros na cena dos velhos não têm justificativas aparentes, como também não o uso do tecido branco como acessório. Por fim, o corte de cabelo de Guigui Azevedo afasta o ator da neutralidade necessária para a representação dos vários personagens da narrativa.
“Pequenos fatos” é uma produção que carece de mais leveza a fim de ter maior fluidez. Afinal, a liberdade é justamente a melhor parte da inexperiência.
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Ficha técnica:
Direção: Gustavo Dienstmann
Pesquisa de histórias: Teatro Nó Cego
Dramaturgia: Juliano Canal
Preparação Corporal: Arlete Cunha
Figurino e Cenário: Teatro Nó Cego
Maquiagem: Gustavo Dienstmann
Elenco: Juliano Canal, Morgana Rodrigues e Guigui Azevedo
Iluminação: Tiago Braga
Trilha Sonora (Criação, Execução e Pesquisa): Bernardo Fleck Manganelli
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