Cabaret do Ivo
Foto: Luciane Pires
Ruim
Resultado do 3º Módulo de Montagem do Grupo Experimental de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, o espetáculo “Cabaret do Ivo” tem seu roteiro construído a partir de sete peças do dramaturgo gaúcho Ivo Bender (São Leopoldo, 1936): “Cabaré de Maria Elefante”, “Mulheres Mix”, “Quem roubou meu Anabela?”, “Surpresa de Verão”, “Sexta-feira das Paixões”, ”Os desterrados/1826” e “As cartas marcadas ou Os assassinos”. Criado em 2008, o grupo e o espetáculo são dirigidos por Maurício Guzinski, que já assinou uma longa e célebre lista de premiadas montagens: “Dona Possança”, “Antonio Chimango” (Açorianos Especial pela Criação, 1985), “Macbeth” (Açorianos de Melhor Cenário e Figurino, 1989), “Amores & Facadas” (Açorianos de Melhor Ator Coadjuvante, 1992), entre outros. Uma vez que os aspectos negativos de “Cabaret do Ivo” são bem mais numerosos que os positivos, essa não deverá figurar no grupo das peças mais importantes do currículo de Guzinski.
A proposta que é apresentada ao espectador na abertura é interessante. Um cabaret brasileiro: prostitutas velhas, feias e falidas, um local que se reinventa na medida em que depende da imaginação dos freqüentadores, um refúgio. A impressão inicial é de que as histórias e os personagens de Ivo Bender serão representados pelas pessoas que trabalham no lugar: 7 mulheres e 1 homem. A articulação das cenas, no entanto, apaga os personagens contadores, exclui marcas que lembrariam as festas de uma noitada em cabaret e deixa como único recurso de alinhavo uma chamada antes do início de cada cena.
O primeiro estranhamento vem da maquiagem: os rostos estão pesadamente marcados de preto e branco, em estilo gótico, cuja referência mais próxima é o grupo Kiss. Os penteados, de um modo geral, seguem a mesma estética, deixando ver, apesar do figurino, que os personagens em cena não são prostitutas normais, mas outro algo. Que algo é esse? Quase duas horas depois, quando a apresentação termina, ainda não se sabe, tamanha é a sua distância conceitual dos outros signos. A certeza que fica é de que a dúvida surgida nos primeiros momentos a respeito da identidade das figuras é símbolo de toda a extensa quantidade de opções estéticas não esclarecidas cenicamente. A imensa lista de personagens escolhidos nas obras de Bender, para citar uma opção estética da ordem da dramaturgia, poderia estar unida por matrizes que relacionassem as figuras entre si a partir do sexo, da transgressão, da imoralidade, do distúrbio, da inconsciência, da loucura. Porém a sucessão de cenas é tão grande, as interpretações são tão ruins, os números musicais tão pobremente executados, as marcações tão confusas que, em particular, não há uma só cena bem apresentada na totalidade de seus signos, resultando, em uma visão geral, na perda de uma possível, se existente, ligação temática que tudo justifique. O argumento inicial de que, por estarmos em um cabaret brasileiro, as falhas deverão ser compreendidas pelo público não é suficiente. Interpretar o mal feito, “fazer de conta” que está falhando, errar intencionalmente são signos teatrais, o que é diferente de proporcionar à plateia da capital gaúcha um espetáculo ruim, como é o caso.
Há alguns destaques negativos no elenco: André Gazineu, Samanta Sironi e Naiara Harry. O trabalho de interpretação de Gazineu não apresenta bom ritmo, dicção clara, movimentos verossímeis. Suas participações, que ganham importância por ser o único ator do elenco, pesam as narrativas pela dureza demonstrada, marca de inexperiência. A voz de Sironi é baixa em relação às demais atrizes do espetáculo e, em suas cenas, é possível identificar problemas na respiração: em vários momentos, nota-se que a atriz fica sem ar ao dizer frases longas. Por ser a atriz mais experiente do grupo, está em Naiara Harry a maior decepção. Em “Cabaret do Ivo”, se repetem os mesmos problemas já encontramos em “Maes & Sogras”: voz exageradamente grossa, desprovida de entonações e tom agressivo na grande maioria de seus momentos. Mal dirigida nas várias personagens que interpreta ao longo da encenação, todas as construções de Harry são realizadas igualmente, apresentando os mesmos defeitos: muito grito, muitas marcas de intenção, movimentos faciais e corporais exagerados, como se o figurino e a maquiagem já não cumprisse esse papel suficientemente.
Pontos positivos? Sim, felizmente eles existem e não apontá-los significaria tornar essa análise inconsistente. Ainda que deixando os atores no escuro no proscênio em vários momentos em que as cenas são apresentadas, a iluminação de Carmen Salazar, junto com ótimos figurinos de Lara Coletti e de Mariana Schuch são responsáveis por quadros bastante interessantes ao longo da encenação, como, por exemplo, as cenas em que as cadeiras representam uma espécie de prisão ou, na cena final, quando dispostas em torre. O cabelo e a maquiagem de Fabrízio Rodrigues atenderam a uma opção estética não reconhecida por essa análise, mas, mesmo assim, deve-se dizer que a afirmação plástica está bem posta. A direção musical de Marcelo Delacroix, no que diz respeito à escolha das músicas, e as coreografias de Carlota Albuquerque são pontos altos, como também o são alguns momentos da interpretação de Silvana Ferreira, especialmente nas cenas cômicas.
“Cabaret do Ivo” é uma produção difícil de ser lida a partir de um gênero cênico narrativo. Embora pareça uma comédia, possui diversas cenas dramáticas. A maquiagem e o figurino podem aproximar do realismo fantástico, os números musicais do gênero musical americano (que não tem quase nada a ver com o teatro de revista brasileiro), havendo ainda diversas possibilidades de leitura enquanto melodrama ou boulevard. Diante de tudo isso, reencontrar o excelente trabalho de interpretação de Juçara Gaspar é um enorme ganho. Com talento já bastante elogiado em “Frida Kahlo, à revolução”, a atriz, mais uma vez, chama positivamente a atenção por seu domínio de cena, sua vibrante variação tonal, sua disponibilidade física e pelas marcas de veracidade postas a serviço de seus personagens. Sem dúvida, suas participações são os melhores momentos da montagem.
“Cabaret do Ivo” sai de cena, deixando os personagens de Ivo Bender aquém de suas possibilidades e a cena teatral à espera de uma montagem profissional relevante de um texto de nosso maior e mais querido dramaturgo vivo.
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Ficha técnica:
Elenco: Amanda Novinski, André Gazineu, Dinorah Araújo, Juçara Gaspar, Naiara Harry, Paula Souza, Samanta Sironi e Silvana Ferreira
Figurino e Adereços: Lara Coletti e Marina Schuch
Direção de Atores: Laura Backes
Direção Coreográfica: Carlota Albuquerque
Direção Musical: Marcelo Delacroix
Direção Geral: Mauricio Guzinski
Roteiro: Grupo Experimental de Teatro e Mauricio Guzinski
Iluminação: Carmem Salazar / SEOTE/SMC
Maquilagem e Cabelos: Fabrízio Rodrigues
Trilha Sonora: Marcelo Delacroix e o Grupo
Produção: o Grupo e CAC/SMC
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