Cabarecht
"And we're lost out here in the stars
Little stars big stars blowing through the night
And we're lost out here in the stars
Little stars big stars blowing through the night
And we're lost out here in the stars"
Dizer e não dizer não é uma questão.
Postado por Rodrigo Monteiro às 11:49 0 comentários
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Foto: La Photo
Sapatos na porta
Eu gosto de teatro por causa de sensações como a que vivencio ao assistir espetáculos como “Lady Day”.
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Outro dia estava lendo sobre o costume oriental de tirar os sapatos antes de se entrar na casa alheia. Lembro que, quando me mudei para o Rio Grande do Sul, achava muito interessante os sapatos do lado de fora da porta, deixados por quem não queria manchar os pisos encerados das casas de madeira. Várias famílias de colegas meus mantinham pares de feltros a disposição dos visitantes para que andassem de meias sem sujá-las. Eu e minha mãe, paulistas, resistíamos a esse hábito: nossa casa é toda com piso de cerâmica. Mas dizia o texto que o costume de entrar descalço é um sinal de aceite da hospitalidade. É dizer “É com muito respeito que eu piso descalço nesse chão que foi limpo para me receber”. O anfitrião oferece. Com humildade, o visitante usufrui.
Melissa Arievo não só entra descalça no piso vermelho do cenário, mas joga-se nele. Serve-se dele. Com muito respeito, usufrui. Vestimos uma roupa legal, nos dirigimos ao teatro, sentamos e esperamos a luz apagar. Limpamos a casa, enceramos o chão. Ela é bem-vinda.
Interessante, e difícil, reconhecer como se dá a construção dessa relação com a atriz. Geralmente, são os atores que preparam o teatro para o público. De alguma forma, os espectadores é que se sentem bem vindos. Em “Lady Day”, fico pensando naquilo que faz com que a tradição se inverta. Talvez porque Melissa Arievo seja uma atriz jovem com uma força que me faz lembrar (e muito) de Evelyn Ligocki em “Borboletas de Sol de Asas Magoadas”. Talvez porque seja negra, como Billie Holiday. Talvez porque seja linda e provida de uma voz também naturalmente linda e tecnicamente bela. Talvez porque “Lady Day” seja um monólogo e todos sabemos da dificuldade que é fazer (bem) um. Na mesma busca, fico me perguntando se não será pelo vermelho do palco, pela música, pelo espaço que já é aconchegantemente livre, libertador e libertário. O bom de escrever uma crítica é o desafio de, na busca aos porquês, chegar perto do prazer vivido como forma de pedir que fique mais um pouco.
A dramaturgia começa por uma não-dramaturgia, se é que isso é possível sob um refletor. Melissa se apresenta e nos toca pela relação dela com a personagem. Então, abaixa-se e, ao subir, estamos com Billie Holiday (1915-1959), ou Lady Day, a maior cantora de jazz da história. Com isso, entendemos que não importa se Melissa não tenha a idade de Billie, se conserve suas próprias reações (sorriso largo, olhos ágeis, corpo ereto) não se mascarando com supostos movimentos colhidos em vídeos tardios da cantora personagem, ou se nunca tenha sido mãe, não seja cantora profissional e nunca tenha sentido preconceito. O que vale é que, em retribuição à acolhida, Arievo nos faz conhecer sua relação de amizade com essa senhora, cujo nome verdadeiro nem se conhece. Amizade sua, mas também da equipe, essa brilhantemente dirigida por Marco Mafra: mão forte em acariciar cada cena desse monólogo tão repleto de boas qualidades. Como quem não se sente dado à falta de hospitalidade, recebemos o que a visitante nos traz com um sorriso e outras provas de efeto. Gratos pela visita e, depois, pelo que isso nos trouxe.
Figurino e luz solicitam nossa abertura de olhos a fim de registrar o momento, mas é na ação que se encontra o teatro. Vestir-se, cantar, sentar e fumar são gestos cuja mediocridade foi muito bem escondida pelo grupo. É com dor que Melissa se desveste, é com prazer que ela se senta e seu fumar num contra-luz laranja surpreende, ratifica, e concorda como se não houvesse aí uma contradição. Todos os usos são ricos e potentes.
Em se tratando de um monólogo sobre uma cantora da primeira metade do século XX, era de se supor que o microfone antigo exposto desde o início fosse cansativamente usado. Não é. O detalhe é que cada signo teatral é resgatado apenas num único momento, naquele que é seu. É nesse sentido que se encontra a carícia do diretor, o valor da dramaturgia, a inteligência dessa equipe. Se por aí dizem que são fracos os sensíveis, há que se forte para manipular os sentimentos próprios e, quem sabe, os alheios.
Mas por mais que eu tenha me empenhado em pedir que Melissa e Billie fiquem um pouco mais, a luz se apaga. Seus sapatos estão na porta. E ela se vai.
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Direção: Marco Mafra
Atuação: Melissa Arievo
Iluminação: Mariana Terra
Foto: Marcos Castelan
Imagem e semelhança
foto: divulgação
Cuido e descuido
Numa carta à Jaqueline Cantore, Caio Fernando Abreu, escreveu:
"Amor não resiste a tudo, não. Amor é jardim. Amor enche de erva daninha. Amizade também, todas as formas de amor."
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Se o universo é uma balança, gosto de pensar que o homem é só um dos pratos e, por isso, desequilibrado. Estando no alto ou no baixo, a corrente de acontecimentos e existências sempre se encarregam de contrabalançar e nos manter, assim, no prumo. A mim, “O diário do desassossego” tratou com movimentos do movimento de subida e descida do prato que somos nós. Não se trata de ir pro lado, pra frente ou pra trás: vai-se apenas pra cima, vai-se pra baixo, fica-se no equilíbrio central. Nada de evolução, mas de experimentação. O solo inicial de Giuli Lacorte, de quem não se consegue retirar os olhos, tão intenso, tão capaz de prender nossa atenção, surpreendentemente vivo, pode ser considerado como alto ou baixo, mas, com certeza, e unanimemente, não no centro. Quem cujo trabalho corporal inicia o espetáculo de dança mais nobre a que assisti nesse ano cheio de tantas produções gaúchas me faz acreditar ser a tradução do próprio desassossego, o protagonista dessa história recém começada.
Se voltarmos, no entanto, ao sentimento de que realmente não há criatividade no universo e tudo só se trata mesmo de balançar e contrabalançar, equilibrar-se e desequilibrar-se, podemos pensar que Lacorte não inicia a história, mas termina um processo, um ciclo anterior que precisou terminar para outro acontecer. Outro com novidades, novas sensações, novos personagens, vozes, palavras. Lendo sobre a peça para escrever esse texto, descobri a inspiração em Fernando Pessoa e cheguei a pensar que as palavras ditas e o movimento com os livros, assim como o diálogo com os ursinhos, são tentativas de referenciação à obra poética do autor português. Na platéia, ainda bem, o uso desses objetos só me pareceram dizer que aquilo era pra ser algo. E algo outro que, de repente, não se tinha visto, não se tinha aproximado. Eram símbolos da busca pelo sossego, antagonista das cenas. O equilibrado sossego vai aparecendo aos poucos na medida em que o desa rareia. Mariano Neto, cujos movimentos são precisos e belos, engrandecendo ainda mais a obra dirigida por Ivan Motta, junto com outros personagens, constrói, sob uma luz muito pontual, o ritmo desse novo processo. Letícia Paranhos e Didi Pedone, em separado, me fazem ver o alcance do objetivo, esse, de forma muito interessante, observado, medido, invejado talvez por olhos mais experientes. No palco, esses olhos perscrutadores somos nós com o privilégio de sentir de perto o calor dos corpos que vibram ao som da música, embaixo de roupas elásticas. Ivan Motta, e a Companhia H, esquematiza cada milímetro desse aproximar do equilíbrio como um movimento cheio de rimas, sílabas que se aproximam, mas não se repetem. Sem pensar naquilo que inspirou a Companhia H, senti o “Diário” como o registro de uma trajetória. E não era mesmo isso?
Talvez porque não goste de ausência de conflitos, senti o ritmo cair com o estabelecimento de coreografias que me levaram a sentir a tranqüilidade: Paranhos e Roberto Volkmann. Mas o processo é pulsante e Lacorte reaparece porque esse ciclo também está para encerrar. Afinal, outro precisa começar e o sossego é tão importante quanto desassossego, ambos apenas momentos.
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Você não consegue parar de sofrer quando vê, pela janela, a roseira presente do seu antigo amor. E não tem forças para ir até ela e cortá-la para sempre. Então, descobre a cortina e simplesmente a fecha. Sem o olhar do dono, crescem ervas daninhas em volta da roseira. Cresce. Cresce. Cresce. Um dia, já mais forte, você toma coragem e abre novamente a cortina. O mato tomou conta. A roseira desapareceu. Você não sabe se ela morreu, se ela está florida, se ainda está lá. Você apenas não a vê mais e respira aliviado. Antes de se afastar da janela, porém, seus olhos baixam.
Não é que flores do campo nascem em campos descuidados?
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FICHA TÉCNICA
Direção e Coreografia: Ivan Motta
Elenco:
Didi Pedone
Cristiano Carvalho
Giuli Lacorte
Roberto Volkmann
Mariano Neto
Rossana Scorza
Letícia Paranhos
Produção geral - Companhia H
Assistente de produção - Luka Ibarra
Projeto Gráfico - Agência de Arte
Iluminação - Taylor Araújo
Figurinos - Atelier Alfa
Postado por Rodrigo Monteiro às 11:48 1 comentários
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