O vendedor de palavras (por Guilherme Nervo)
Dez centavos a letra, um real a palavra*
O céu nublado e a ameaça de chuva no último sábado (21 de novembro) não foram páreos aos encantos do Grupo Mototóti, que encenava seu primeiro espetáculo de rua: "O Vendedor de Palavras", escrito por Rodrigo Monteiro.
Carlos Alexandre e Fernanda Beppler, ao lerem a crônica de Fábio Reynol, idealizaram uma peça. Não de palco, mas de rua. A crônica, devidamente adaptada, foi entregue ao grupo no final de 2008.
O tema (incentivo à leitura) se mostrava importante ao mesmo tempo que arriscado. Risco esse contemplado com uma peça de boníssimo humor e leveza. A proposta teve retorno artístico principalmente pelo nível de profissionalismo dos atores, sabendo aproveitar o que quer que fosse, com agilidade e dinâmica. O figurino e o cenário, aparentemente caseiros, baseavam-se em tecidos coloridos, colagens, máscaras, placas e instalações.
Bom seria se eu pudesse dizer que Carlos e Fernanda foram maravilhosamente guiados por Arlete Cunha, sem que um deles sobressaísse. Acontece que minha opinião difere: por vezes Fernanda rouba o foco. Destaco a notável presença de palco e a comicidade física.
Interessante que o incentivo à leitura já começa no próprio figurino dos personagens, repleto de colagens com as mais diversas palavras. Felizmente essa aura de letras não limita-se apenas à estética.
João só é João com Maria; Romeu com Julieta; e Milho com Espiga. Milho é um apaixonado pelas letras. E, assim como sua amada, Espiga, trata-se de um sonhador.
Todo sonhador possui um sonho, também chamado de ideia, qual pode tornar-se em uma ideologia. Nesse caso, a ideia era ir para a Capital. A ideologia, difundir novos pensamentos com a venda de palavras. Afinal, como o próprio Milho diz: "- As pessoas possuem tão poucas palavras que limitam-se a repetirem as mesmas."
Enquanto os jovens sonhadores empolgam-se com a empreitada, as máscaras colocadas indicam que novos personagens acabam de surgir: Adam, o inglês sofisticado, e Odete, a alemã rústica. Inicia-se então uma discussão permeada de controvérsias e ciúmes entre os avós. Era a batalha entre Shakespeare e Goethe.
Recordo de algumas cenas-chave em que o nível de humor era bem adequado: o não-beijo na estação de trem, a apresentação do "Gãgou" (Google) e o contato de Odete com o mundo virtual e suas nomenclaturas esquisitas. A trilha sonora é de bom gosto, constituída de gaita e violão. A projeção vocal é bem trabalhada, não lembro de ter perdido alguma fala.
Já na terra prometida, onde se lê Mercado Público, deparamo-nos com um confronto entre o vendedor de palavras e o "vende-tudo", ou camelô, personagem engraçadíssimo, muito bem interpretado por Carlos Alexandre. Ele censura: "- Mas as palavras pertencem à todos, não pode vendê-las." A resposta logo vem: "- Quem não sabe o que uma palavra significa, não a possui." Sentença coerente, mas com um quê de engraçada. Ou deveria dizer histriônica? Talvez comicamente vil ou charlatã.
"O Vendedor de Palavras" não decepciona, dá gosto de lhe ser assistido!
Pois bem, agora minhas palavras merecem um descanso, uma folga, um repouso, um sossego. Por hoje, compras feitas.
* Crítica publicada no blog Percepção Teatral.
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