A Paixão de Cristo (Gravataí)
Quando um ótimo espetáculo é motivo de vergonha para os governantes de uma cidade
Parece contraditório, mas não é. O povo da cidade de Gravataí não tem que se orgulhar do excelente espetáculo A Paixão de Cristo, mas se envergonhar, ao contrário do que disse o Diretor Presidente da Fundação Municipal de Arte Cultura, Sr. Amon da Costa, ontem ao final da última apresentação do ano. Em 1999, quando a Prefeitura Municipal, através da FUNDARC, garantiu a primeira produção da peça pela Cia. De Atores Independentes, “A Paixão de Cristo” era o primeiro espetáculo profissional produzido na história da cidade (nove anos mais velha que Porto Alegre). Hoje, na Páscoa de 2011, é o único espetáculo teatral (quem dera só profissional). Eis o motivo da vergonha.
A produção conta com 67 atores, figurinistas, cenógrafos, iluminadores, técnicos de áudio, projecionistas, cinegrafistas, profissionais de segurança, divulgadores, maquiadores, cabelereiros, coreógrafos e, o mais importante, cachês para movimentar todo esse grupo. O resultado não poderia ser outro: para o deleite de seis mil espectadores em três dias (número divulgado pelo referido Diretor-Presidente), um grande espetáculo com grandes interpretações, cenas bastante bem desenvolvidas, apelo visual, vibração. O diretor e dramaturgo Daniel Assunção, com maestria, leva a público um espetáculo que agrada grandes e pequenos, jovens e velhos, mais e menos intelectualizados. As cenas de luta do bem (branco) contra o mal (preto) atendem a uma parcela da audiência que não perde cada detalhe da coreografia de Saionara Sosa. O discurso socialista/comunista de Jesus no julgamento é direcionado a quem, de forma consciente, discute política, acompanha os movimentos sociais e viu o desaparecimento total da fraca e desorganizada oposição ao Partido dos Trabalhadores, esse, nos últimos quatorze anos, na liderança do governo da Cidade. Em 1999, no terceiro ano da administração do PT, Jesus puxava a orelha dos ex-prefeitos por não ter feito nas décadas anteriores o que Daniel Bordignon, prefeito então, havia feito em vinte e seis meses. Em 2011, as palavras soam irônicas, como também assim parecem os caros, bonitos e eficientes outdoors de divulgação do espetáculo espalhados pela cidade, o ritmo perfeito da sincronia dos diálogos ditos em cena, mas escutados pelo imenso público via playback, e a marcada movimentação do grande elenco pelo espaço e pelo suceder das cenas organizadas num misto de palco italiano com galeria, que impressiona ainda mais o público nas cenas da Santa Ceia e da Via Sacra. Tudo isso agrada artificialmente, mas incomoda quem lembra que, após o Domingo de Páscoa, vem uma segunda-feira qualquer. Para onde vão todos esses artistas quando findar a Semana Santa?
No elenco, vários rostos conhecidos. Artistas órfãos do Festival de Teatro Estudantil, do Festival Estadual e Municipal de Esquetes, do Prêmio de Incentivo à Cultura Cênica, das Oficinas da Descentralização, do Cine-Teatro Municipal, fechado há três anos. Há uma década, reclamávamos da ausência de política cultural cênica verdadeira que substituísse um cronograma de festivais e eventos que não estimulavam o desenvolvimento da arte cênica como processo e só valorizava o produto. O discurso era contra meses de ensaio para espetáculos que só se apresentavam em festivais e não cumpriam temporada por falta de espaço, de apoio e de incentivo, à guisa de eventos como o Rodeio do Mercosul e o Carnaval que, embora não precisassem de apoio público por sua capacidade de viabilização pelo setor privado, roubavam grossas fatias da verba anual da cultura. Hoje, a cidade se envergonha pelo total desmantelamento de todos os projetos culturais. Em termos de Artes Cênicas, meu assunto aqui, que o Deputado Estadual Daniel Bordignon e Sérgio Stasinski (ex-prefeitos petistas), mas principalmente Rita Sanco (a atual prefeita petista) se envergonhe porque as duas únicas iniciativas nesse sentido são do SESC (Serviço Social do Comércio, entidade mantida por empresários do comércio de bens e serviços) e do Grupo Vivências, o Grupo de Teatro da Terceira Idade que mais se apresenta no Estado há dezesseis anos e que, inacreditavelmente, precisa se ajoelhar para conseguir, lá de vez em quando, um ônibus que leve as senhoras atrizes (algumas com mais de setenta anos) para alguma apresentação mais distante. De forma individual, com produções esparsas e modestas, o ator Paulo Adriane e o professor Flávio de Ávila são os últimos remanescentes de um movimento artístico que, organizado em até mesmo uma Associação de Artistas Cênicos de Gravataí, viu um novo milênio nascer dividido em dez grupos locais atuantes e comprometidos, mas que, ao final da primeira década do mesmo milênio, não tem, que absurdo, alguém que responda pela pasta da Coordenação de Artes Cênicas. Sem dúvida, a conclusão é uma só: no seu quarto mandato consecutivo, sabemos que o PT é o pior inimigo de si mesmo.
Como aconteceu em Porto Alegre, e eu realmente espero que não aconteça no Brasil, quando o Partido dos Trabalhadores pega gosto pela governança, os problemas se multiplicam. O melhor secretário de educação que Gravataí já teve (Valter Amaral) é substituído por uma inexperiente diretora de escola (Romi Leffa Cardoso) por ser da mesma facção partidária do prefeito (Daniel Bordignon). Vice-prefeitos (Sérgio Stasinski) surgem do nada e se tornam prefeitos, conselheiros e chefes de gabinete sem nenhuma ideologia passam a dar ordens, a Fundação Municipal de Arte e Cultura passa a ser presidida por filhos de apoiadores políticos, sem qualquer outro motivo para o cargo (Daledier Ferreira, ex-diretor, é filho da vereadora Tania Ferreira. Amon Costa, o atual diretor, é filho de Rose Mary Freitas da Silva, coordenadora regional da 28ª CRE). Competência fica em terceiro plano quando o primeiro é manutenção do poder político a qualquer preço. O caos se instala numa administração em que tudo vale, menos deixar de brilhar a estrela. Gravataí que, da noite para o dia, se tornou capital das Bromélias (sem nunca ninguém ter visto uma bromélia que seja até esse dia), pode estar de parabéns pelos três dias de apresentação do valoroso espetáculo A Paixão de Cristo. Mas há que enrubescer pelo fato de que, nesses onze anos, desde a primeira edição da peça até agora, o seu sucesso artístico e social não se repita horizontal (nas várias regiões da cidade) e verticalmente (nos doze meses de cada ano) para a população que paga altíssimos impostos, a passagem de ônibus mais cara da região metropolitana e sustenta o título de uma das cidades mais violentas do estado.
Aos artistas cênicos de Gravataí, fica a lembrança dos primeiros anos da década de 90. Ainda sem GM e com o José Mota (PDT) e Edir Oliveira (PMDB) no governo, à população da cidade tinha encontros estaduais de coral, uma orquestra de câmara, meia dúzia de grupos de teatro e oficinas gratuitas. Quem viveu naquela época nunca imaginou que, um dia, saudades seriam sentidas.
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Ficha técnica:
Texto e direção: Daniel Assunção
Assistentes de direção: Glau Barros e Vitor Santantônio
Direção e concepção musical: Everton Rodrigues
Coreografia: Saionara Sosa
Cenografia e acessórios: Israel Quadros
Figurino: Glau Barros e Scheila Gomes
Assistentes de figurino:Luana Zinn, Patricia Maciel e Patricia Martins
Caracterização: Elario Kasper
Maquiagem: Daniel Borges e equipe
Criação e operação de luz: Anilton Souza
Operação de som: Luciano Mazzin
Gravação: Estúdio Mídia
Assessoria de imprensa: Sivia Abreu Comunicação e Marketing
Locução: Claudio Benevenga e Glau Barros
Produção executiva: Libra Produções
Direção e coordenação geral: Paulo Adriane
ELENCO
Jesus...........Paulo Adriane
Maria...........Miriam Benigna
Pilatos.........Pablo Capalonga
Zebedeu.......Wagner Padilha
Madalena.....Marlise Dami
Lúcifer..........Vanessa Greff
Barrabás......Silvio Ramão
Verônica.......Edel Ramos
Lázaro..........Diou Santiago
Marta........... Karine Rocha
Cega............Scheila Gomes
Vera.............Lissa Medeiros
Raquel..........Mariele Moraes
Solista..........Márcia Campos
APÓSTOLOS
Judas............Vitor Santantônio
Pedro............Alexandre Malta
André............Fabiano Hanauer
Mateus..........Diego Farias
Bartolomeu....Henrique Guedez
Tiago maior....Marcello Lukas
Tomé.............Juliano Cardoso
Felipe........... Robson Souza
Tadeu............Dilnei de Jesus
Simão............Ney Marques
Tiago menor...Raonis Jardim
João..............Douglas Cruz
GUARDAS
Evandro Fernandes, Juliano Bitencourt, Rodrigo Neto e Sharlon Gusmão
ESPECTROS
Drica Nunes, Kaleb Borges, Líria Freitas e Rodrigo Müller
ANJOS/DANÇA
Celícia Santos, Jéssica Karasek, Mariana Ceccon e Tais dos Santos
SINEDRISTAS
Cássio Quadros, Fernando Michel, João Wagner, Rose Luz, Tom Padilha e Vanessa Cassali
POVO
Aline Rosa, Cris Clezar, Esmélia Rodrigues, Eugenia Ferreira, Felipe Jardim, Jakinha Santarém, Laura dos Santos, Leni Borges, Paula Thainá e Raquel Reck
CRIANÇAS
Gabriela Monteiro, Giulia Assunção, Hanna Clezar, Jean Clezar, Maria Luiza Daitx, Pedro e Téo Almeida