Cãofusão
Foto: Marcelo Andrade
Lúcia Bendati, Fernanda Petit e Cassiano Fraga: Cãofusão é um sucesso facilmente explicável
Não se trata de apenas dizer que Cãofusão é uma produção bem sucedida. O importante é ressaltar que é bem sucedida a cidade que tem, em sua grade de programação teatral, um espetáculo como Cãofusão. Aqueles que não gostam de teatro infantil, aqueles que não gostam de teatro musical, aqueles que não gostam de teatro com mais de uma hora de duração, aqueles que não gostam de assistir a espetáculos em início de primeira temporada hão de concordar comigo: aqui temos um belíssimo exemplar de teatro bem feito. Isso, sim, antes de tudo, agrada a todos que, como eu, gostam de assistir a teatro. Eu, que gosto de teatro infantil (ou para crianças), de teatro musical e não me importo com o tempo de duração, desde que bem utilizado, tenho quase que apenas elogios à produção dirigida por Lúcia Bendati e protagonizada por Fernanda Petit, com músicas originais compostas por Álvaro RosaCosta.
Fernanda Petit e Cassiano Fraga obtém resultados excelentes em cena. Nas suas performances enquanto Lady (personagem protagonista) e Moela/Paco (personagens coadjuvantes), ao espectador é servido um arsenal de talento e técnica, ambos muito bem desenvolvidos. A dupla canta, dança e representa apenas agregando valores à produção, ao espetáculo, ao teatro que constroem. Não há uma só momento em que, em cena, não sentimos vontade de alargar o tempo, estar um pouco mais com eles, vivenciar com eles as histórias que contam através da voz, do corpo e do movimento. Atrás deles e com eles um grupo de atores também cheio de virtudes: Daniel Colin e Letícia Paranhos, em personagens menores (Boris e Crista), provam que personagens menores também são “presentes” de seus criadores aos intérpretes uma vez que os realmente bons conseguem fazê-los crescer. Ricardo Zigomático (o protagonista Malandro) e Denis Gosch (o personagem Iago), ainda que não atinjam a excelência dos demais, não deixam de acrescentar à obra, em vários momentos, aspectos que a tornam tão grande quanto ela é. De um modo geral, está de parabéns a equipe técnica que, em primeiro lugar, reuniu esse elenco que, estivéssemos em Los Angeles não teríamos medo de exagerar ao dizer “estrelar”, e, em segundo lugar, preparou essa turma nas diferentes potencialidades exigidas pelos signos textuais e musicais a se estabelecer enquanto tais: a música, a dança, a interpretação teatral.
Ainda na parte do elenco, mas de olho na obra como um todo, preciso ressaltar uma questão fundamental em Cãofusão: a ausência de microfones. Nesse ponto, há que se aplaudir a produção efusivamente. É ponto pacífico: o uso de microfones em teatro é sempre um problema. Embora passível de serem contornadas, as dificuldades trazidas pela ampliação artificial da voz do ator quase em sua totalidade traz prejuízos ao espectador e à produção. Em Cãofusão, a barreira da possível incompreensão do texto e das letras das canções foi solucinada na construção do espetáculo: 1) escolheram bons atores e bons cantores para atuar na peça e não atores-amigos ou cantores-amigos; 2) houve um excelente preparo de voz enaltecendo as vozes mais privilegiadas (Petit e Fraga) e ajustando às canções aqueles menos favorecidos nesse quesito (Zigomático) de forma que o espectador só tivesse a ganhar e, nisso, também o artista, claro. Ou seja, em se tratando de teatro, ratifica-se o tantas vezes dito: podendo construir a peça essencialmente com base no elenco, não é só a arte quem ganha, mas também o público. Recursos artísticos externos ao ator são bem vindos quando necessários. Em Cãofusão, houve deles a dispensa. Bom para o teatro!
Quanto à dramaturgia, Marcelo Adams está de parabéns pelo trato com o tema de forma tão singular. Há que se perceber a dificuldade que o dramaturgo tinha em mãos ao escrever essa história. Cãofusão é, sim, em suma, a história de uma cachorrinha de raça que se apaixona por cachorro vira-latas. À princípio, nenhuma dificuldade há nisso nos últimos milênios de narrativa escrita. Mas há que se dar um segundo passo e evidenciar a complexidade em questão. Considerando o fato do grupo divulgar que apóia várias ONGs de adoção de animais, como resolver a questão que se coloca na evolução do drama? Lady se tornará uma cachorrinha de rua como o é o Malandro, o que seria uma saída poética linda, trazendo todos os signos da noite, da rua, da liberdade? Ou Malandro será adotado pelos donos de Lady, o que se seria uma saída politicamente correta? Aqui não vou dizer como a história termina, nem mesmo dizer que as opções consideradas são apenas essas duas, mas reforço o dito anteriormente: Cãofusão foi vista pelo seu dramaturgo em sua complexidade e fugir do superficial e do clichê, mesmo no teatro infantil e no teatro musical é sempre algo merecedor de nota.
Dramaturgia e direção se encontram numa produção que se divide em dois atos, em dois climaxes: o beijo de Lady e Malandro ao anoitecer e o final. Uma avaliação criteriosa há que apontar, entre tantos aspectos positivos, a perda do ritmo momentos antes do primeiro clímax, que carece de um pouco mais de emoção, e a não recuperação do excelente ritmo inicial nas cenas finais do espetáculo. Em outras palavras, as cenas vibrantes do início não encontram par nas mais próximas do final, o que é uma pena, se esquecermos o que foi dito na abertura dessa análise: trata-se de um excelente espetáculo. A cena das “Donas” é o primeiro momento em que o ritmo cai. E o mesmo se repete quando os personagens coadjuvantes, bela e ricamente apresentados no início da contagem, ganham novamente momentos especiais. Trata-se de refletir sobre uma questão: qual é a história que queremos ouvir? Para mim, as simpáticas presenças dos personagens outros não se equiparam com as decisivas vidas de Lady e de Malandro. Daí que o grande tempo destinado aos momentos finais de coadjuvância pode ser motivo concreto para a sutil perda de ritmo aqui apontada.
Figurino e Maquiagem são dois elementos cênicos que nos fazem ainda mais reconhecer Cãofusão como um dos melhores espetáculos da temporada. Sobretudo, são sinal de que entre nós havia uma grande diretora e produtora semi-escondida atrás de uma grande atriz: Lúcia Bendati. Saúda-se a nova peça e, sobretudo, a cidade que acorre ao que é bem feito e faz grandes filas para aplaudir. Não menos e talvez mais que todos, saúda-se também os apoiadores todos, mas, em especial, a Secretaria Municipal de Cultura e o Prêmio Fumproarte, que garantiram a viabilização desse projeto por mãos tão talentosas e eficientes.
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Ficha Técnica:
TEXTO: Marcelo Adams
DIREÇÃO: Lúcia Bendati
ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO: Larissa Sanguiné
ELENCO:
Cassiano Fraga
Daniel Colin
Denis Gosch
Fernanda Petit
Leticia Paranhos
Patrícia Soso
Ricardo Zigomático
TRILHA SONORA ORIGINAL E DIREÇÃO MUSICAL: Alvaro RosaCosta
ARRANJOS: Alvaro RosaCosta e Cau Netto
PREPARAÇÃO MUSICAL: Simone Rasslan
CRIAÇÃO COREOGRÁFICA: Larissa Sanguiné
PREPARAÇÃO CORPORAL: Denis Gosch
CRIAÇÃO DE CENÁRIO: Zoé Degani
PRODUÇÃO E CENOTÉCNICA DE CENÁRIO: Lindsay Gianoukas, Gerson Marques, Karine Capiotti e
Marcelo Mértins
CRIAÇÃO DE FIGURINOS: Claudio Benevenga e Zélia Mariah
CRIAÇÃO DE MAQUIAGEM: Claudio Benevenga e Lúcia Bendati
CARACTERIZAÇÃO: Elison Couto e Thippos Hair
CRIAÇÃO E OPERAÇÃO DE LUZ: Fernando Ochôa
OPERAÇÃO DE SOM: Alvaro RosaCosta e Rubia Esmeris
CRIAÇÃO GRÁFICA: Marina Fujiname
FOTOS: Marcelo Andrade
FOTOS PRÉ-PRODUÇÃO: Marina Fujiname
FILMAGEM: Filipe Severo Videojornalismo
CAPTAÇÃO DE APOIOS: Lucas Gonçalves
DIVULGAÇÃO: Bebê Baumgartem
PRODUÇÃO: Rodrigo Ruiz
7 Comentários:
e patrícia soso??
e larissa sanguiné? e álvaro?
E o Cenário?
Vais fazer de conta que não viu?
ou é uma piada?
E a escolha daqueles sapatos, que ainda que tratem de forma diferenciada e muito procedente a figura dos humanos acaba por tornar as cenas lentas e muito chatas ...
Nunca imaginei um dia eu que teria tanta saudades do Claudio Hemman . . .
Depois de mortas, as pessoas viram santas! Pega o livro do Heemann. Nem sempre concordo com o que sr. crítico escreve aqui, mas ele é muito melhor do que o Heenamm.
Beijos, Rodrigo! Parabéns pelo teu trabalho. A gente precisa dele!
Vlw, joão!
Eu e a Simone, apesar de ainda não satisfeitos, agradecemos a sua lembrança!
Abs!
PENA QUE ESPETACULOS COMO ESSE NAO VENHA PARA O FIT DE SÃO JOSE DO RIO PRETO-SP.
Adorei! Eu gosto muito da ponte que a Zoé fez, mas não gostei daquele pano branco servindo como ciclorama, pois só funciona durante os minutos finais (pôr-do-sol e noite). Parece que o grupo entrou no teatro e proibiram de tirar o pano branco, aí resolveram usar um pouquinho. E, por favor, coloquem rabo no rato!!! Já não basta dizerem que ratos são malvados, ainda criam um rato sem rabo! Fora isso, tá lindo! Parabéns a todos e merda!
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