27 de out. de 2008

Médico à força



Relatório Médico

O paciente se encontrava em estado bastante interessante quando chegou à nossa clínica. Os atores estavam bastante firmes no texto de Moliére, o cenário linda e inteligentemente pronto, os figurinos do melhor jeito possível, a luz afinada e o material de divulgação organizado e limpo. Mas, imaginem só, tudo era tal qual um comerciante que arranja um espaço e enche a loja, mas mantém as portas fechadas. O que seria isso, então? Um depósito apenas. Sem dar lucro, sem graça, escuro e poeirento. Essa era a triste situação em que se encontrava o paciente quando procurou ajuda “médica”. Um feroz lenhador havia lhe batido fortemente por três vezes com o cabo de um machado. O atendimento, como se esperava, foi de urgência.
Os produtos viraram mercadoria. O ensaio tornou-se apresentação. E, num acender de luzes, tudo fez sentido. O tratamento utilizado foi o recomendado pelos estudiosos no gênero farsa: a coisa acontece rapidamente, de forma simples, leve e eficaz. Rápido porque nos identificamos sem delongas com o contexto da história, com os personagens e, também, com as situações. Simples porque o conflito e a resolução dele não exigem quase nada do seu público. Eficaz porque fica a dica: não faça nenhum mal a sua mulher porque ela poderá se vingar de você (e não se cure nenhuma donzela que estiver, felizmente, fadada à mudez, porque ela falará até que tenhamos vontade de lhe fazer mal!). O paciente, adequadamente tratado por seu público, nós!, curou-se do mal que o atormentava: teatro só é teatro quando tem público.
O figurino deixou de ser uma roupa do melhor jeito possível e passou a, como, também, a luz e o cenário, ser um código da cena, um sistema cheio de significados (alguns se relacionam com o teatro por nos remeterem à época, ao lugar, às características dos personagens, etc), mas que não têm o poder de construir significado algum e, por isso, como bem lhes cabe, desaparece. Os atores, esses sim, além de serem significados (seus corpos, faces, máscaras), são, antes de tudo, significantes (energia, intenção, emoção provocadora e provocada) e aparecem como grandes contadores de uma história secular. E isso tudo só aconteceu porque lá estávamos nós, corpo médico, a atribuir a cada elemento este e aquele valor.
Marcelo Adams destaca-se dentre todos os demais atores não só pelo personagem protagonista, mas por protagonizar (ação essa que qualquer coadjuvante, como bem são exemplos Nilson Asp, Daniel Colin e Cláudia Lewis, poderia fazer) a naturalidade de olhos mais velozes que as marcas, de ação mais fruto de reação do que de burocratização cênica. Os demais, protegidos pelo gênero, pela qualidade da produção, pela mão firme e experiente da diretora Margarida Leoni Peixoto, que lhes apresenta como bons intérpretes, parecem, em alguns momentos mais, em outros menos, não esquecer do tempo em que a loja era depósito, de que ensaio não era apresentação, ou seja, quando o tratamento hospitalar, esse oferecido por nós, platéia real e presente, ainda não havia chegado. Porta aberta, poeira entra. O brilho do novo logo desaparecerá.
Recomenda-se, como posologia, mais vindas ao hospital. Esse, por sua vez, só o será quando médicos houver. Assim, cabe a nós, público, tornar-mo-nos médicos à força, mas não com pauladas e, sim, com aplausos sinceros aos pacientes da vez: Cia. Teatro ao Quadrado.
ELENCO:
Marcelo Adams
Anna Fuão
Cláudia Lewis
Daniel Colin
Eduardo Steinmetz
Luísa Herter
Nilson Asp
Thales de Oliveira
FICHA TÉCNICA
Autor: Molière
Direção: Margarida Leoni Peixoto
Cenário: Elcio Rossini
Figurino: Rô Cortinhas
Iluminação: Fernando Ochôa
Produção: Cia. Teatro ao Quadrado

15 de out. de 2008

Apareceu a Margarida

Esclarecimento:
1) Dona Margarida, na minha leitura, é a rubrica dos professores de sempre (não dos anos 60, não de agora, não de amanhã. De sempre.) Rubrica é o texto que informa pro ator como deve ser dita a fala, qual é a intenção. Eu, como professor, muitas vezes tive vontade de mandar alunos à merda, mas dizia: "Volte para o seu lugar!". Ir à merda era a rubrica que estava na minha fala, mas, como "ator", eu não podia dizer a rubrica. Eu dizia a fala. Dona Margarida, por isso, é tão interessante: ela torna a rubrica fala. E a fala rubrica. No texto abaixo, há duas vozes. Uma é fala e a outra é rubrica. Pra mim, como platéia, a melhor coisa da montagem foi isso. Renato Campão, melhor do que muitos outros que fizeram o papel, deixa isso claro com sua força. Rubrica, normalmente, é escrita em itálico. Assim, leiam, por favor, abaixo, as rubricas.
2) Quando um texto precisa ser explicado é porque ele é um texto mal feito. Não me dêem crédito, então, se acharem que não devem. Há outros textos logo abaixo desse último. Obrigado pela visita!


Sub-texto: se rubrica é o que se sente na hora do diálogo, por que não ler elas ao invés do texto oficial?


Não venham me falar de “Apareceu a Margarida”. Odiei o espetáculo. Muito mesmo. Não quero nem ouvir falar. Não vou escrever uma linha e nem publicar! Perda de tempo... Não quero saber nada sobre a peça. Se alguém souber de outras montagens dessa peça, por favor, me avisem! Cheguei em casa e corri pro Youtube pra ver tudo o que havia. Tem motagens de todos os tipos. Com homem, com mulher, com homens e com mulheres. Falam muito da versão da Marília Pêra que estreeou o texto. E de produções internacionais. Monólogo, quando não é chato, é ótimo! É um texto desconhecido de Roberto Athayde. Passei horas e horas lendo e lendo as mil coisas que se tem publicadas sobre ele. Trabalhos e mais trabalhos. A coisa da inversão, de tornar texto que é sub-texto, de tornar fala o que é pensamento é quase tornar prática a teoria da enunciação e teoria o que blablablabeamos vida a fora quando queremos dizer outras coisas... O texto é chato. É monótono. De dormir e roncar envoltos em encharpes e óculos escuros pra manter a pose de crítico... Dona Margarida não deixa a gente se quer se mexer na cadeira. E não é pela ameaça da palmatória!! É que não há tempo para pensar em nada. Seria pensar ou fruir, e ficamos com o fruir... Ela fisga nossa atenção, nosso olhar, nossa mobilidade.
O cenário é um horror! Mal usado, sabe? O ator usa todos os objetos de cena, desfila por cada cadeira, folheia livros, passa a mão em móveis, enfim, não faz nada de útil! Um absurdo constrangedor! O sentido se constrói em todos os espaços e se atualiza em todos os momentos da peça. Há utilidade em tudo e o sentido foge da mera prisão utilitária e vai para a crítica. Crítica do tempo, das relações, da época, dos comportamentos. A luz... Pufssss! Pífia! Ridícula. Inexistente. Inexpressiva. Atrapalhante. Rítmica e por rítmica quero dizer que acompanha cada momento de tensão ou de distensão do drama. Um emaranhado de refletores cada um com uma função estrategicamente pensada como se “Apareceu a Margarida” fosse um espetáculo de teatro. Ora essa! Façam-me o favor de não me falar dessa peça! (sem a rima ridícula que entrou aqui não sei como...) A luz não é uma iluminação. A luz é um recurso que olha para o ator, o teatro, e diz: "E aí? Vai encarar?!"
Continuando o check-list barbaraheliodoriano: figurino. Tem coisa mais dispensável do que aquilo? Pra quê vestir um ator daquele jeito, meldelz! Alinhado ao personagem, à época dele, ao estilo, agregando valor... Como se tivesse realmente valor? Nã-nã-nã-nã-não! E a trilha? Sem comentários de tão ruim! No ponto, como mais um elemento que pretendia fazer algo de bom... Exigente, específica, acrescentante. Isso tamanha a incompetência de uma produção que não pensa em nada, que deixa tantos furos, que destrói a história da arte teatral al al al al.
O pior de tudo é esse ator aí, desconhecido... Como é mesmo o nome do garoto? Ainda bem que tem programa, né... Um horror! Renato Del Campão: dispensa-se comentários. A cancha de palco de quem tem que prender a atenção, chamar a atenção, ser a atenção. A coisa de ritmo, de sustância, de energia, de emoção. O trabalho constrói o ator. E o ator se torna espetáculo. Guri bom até... Mas por que tão ruim, né? Complemente sem foco: o olhar dele, sério!, fica perdido. E ele olha o tempo inteiro pra gente, fixo, duro, pontual. Braços e mãos e pernas e pés desajeitados. Vê-se de longe que o pobre nunca ouviu falar em ensaio. Quase uma coreografia de tão certinho, de tão gráfico ou caligráfico. De novo e sempre: constrangedor. O corpo em si como um ovo mole sem forma: uma expressão corporal que não pára de expressar fazendo com que os 105minutos de peça sejam completos e cheios de significado sempre. Nada é gratuíto.
O diretor deveria se envergonhar dessa produção bem dirigida como poucas. Orgulhante!
Enfim, é isso. Corram! Fujam! Não vão ver. Não indiquem. Fica até dois de novembro ali na Álvaro Moreira. Sábados às 21h e Domingos às 20h. Afinal de contas, o que eu digo é o que eu digo e não o que eu penso ou o que eu sinto ou o que eu tenho vontade de dizer. Eu não sou Dona Margarida. Eu sou alguém decente, puta que pariu!

Dois Idiotas



Cartinha

Olá, Jeffie!

Tudo bem com você? Espero que sim! Estou te escrevendo porque assisti a uma peça tão boa no último findissemana... Sim! Justo no dia da criança... Estava um mormaço daqueles, nublado, ar pesado, dia feio! E, além de tudo, um domingo de feriado: tem coisa mais desanimadora do que isso? Um feriado cair num sábado até vá lá, mas logo num domingo!! Enfim, fui! E você deveria ter estado lá também, amigo...
É a adaptação, ou tradução, ou transposição (depende do teórico...) de Ruth Rocha para o teatro. Chama-se “Dois Idiotas”. E é uma historinha bem simplinha: dois idiotas, cada um vizinho do outro, que brigam o tempo inteiro, sem pausa, mas com amenidades vezenquandeiras, sem motivo específico algum. Eles se identificam enquanto personagens enquanto brigam. Se pararem de brigar, deixam de ser quem são. Entende?
Na verdade, é uma peça bem boba. Mas dentro da palavra boba, está a palavra BOA. A produção, e isso não é tão comum assim, é muito bem cuidada. Você, Jeffie, não encontraria lá um barril de qualquer jeito, uma casaca qualquer, um chapéu aleatório. Não! Temos a impressão de que tudo foi pensadinho, foi pesquisadinho, foi planejadinho. E se alguém pensa que inho é depreciativo, então, deveria olha para seus próprios filhos ou sobrinhos e pensar porque, às vezes, chamamos as crianças de criancINHAS. Apenas porque são pequenas, ora essa! Sim! INHO e INHA é um sufixo de diminuitivo e tamanho é um dos fatores comuns que justificam o uso desse adjetivo. Não tem nada a ver com qualidade.
A peça é pequena, é curta. Tem 45min! E o nosso envolvimento com ela é curto também. Não é para pensar, se identificar, refletir, aprender. É para divertir. E a diversão é tão boa que a gente acaba Identificando as grandes nações que brigam sem pausa por suas próprias vaidades financeiras, Pensando sobre quantas vezes enchemos o saco do vizinho sem motivo, Refletindo sobre como é bom quando a ingenuidade era maior do que a adultez e Aprendendo que isso tem que fazer mais parte da nossa vida do que, talvez, venha fazendo... Os dois atores pesquisaram em Chaves e em Chapolim, em Chaplim, em o Gordo e o Magro, em Os Trapalhões e por aí vai... E existe alguém que não sorria ao ver esses personagens em cena nas suas repetições, nas suas caras e bocas, no seu raso de sempre a nos dizer que a vida é cíclica e que o mundo dá voltas e de novo volta ao mesmo lugar? Se, em alguns momentos, as crianças só sorriram é porque havia muitos adultos presentes. Mas fiquei imaginando uma platéia só de crianças... Nossa! Um gargalheiro certamente deve acontecer!
A trilha sonora é um espetáculo a parte, sem dúvida! Há um pianista em cena que narra a história com o texto de Ruth e com várias músicas conhecidas. Até Psicose entra na jogada! É realmente um ótimo divertimento.
Há algumas exceções, amigo Jeffie. Mas estou certo de que, se você for lá ver, conseguirá fechar os olhos para esses pequenos detalhes... O pianista é muito bom, mas fala muito alto! E até meio assustador, sabe? E a luz não contribui tanto pra história como faz a música, os figurinos e a maquiagem. Bom, há que se levar em consideração de que o teatro é equipado com lâmpadas pares que só banham o palco sem favorecer tantas coisas que poderiam ser destacadas ali. É uma pena!
Então, Jeffie, sugiro que você vá assistir à peça. E escrevi essa carta para isso e também para te desejar, atrasado, um feliz dia da criança. O Zé Adão Barbosa, diretor, me fez sentir saudades do tempo em que eu era criança e escrevia cartas para as pessoas de que gostava. Só não escrevi essa cartinha à mão porque acho que não sei mais fazer isso. E você?
Meus beijos e abraços para sua família. Que tal um jogo de taco num domingo qualquer?
Abraços, do amigo Rodrigo.

5 de out. de 2008

O Gordo e o Magro vão para o céu


Lembra, logo existe


O texto é também nesse mesmo sentido. Indica algo que não é. Que pode ser tudo, mas que não é. A luz vem afinada de cima, mas, ao invés de iluminar, reflete. Bate e volta para o alto novamente. O acúmulo de expressões faciais e gestos empilhados corporalmente um sobre o outro não significam nada, não apresentam nada. O excesso chega exatamente no ponto de encontro da falta. Tudo isso porque “O Gordo e o Magro vão para o céu”, do já citado autor, apresenta o tema do nada.
Chega a vez do Magro levantar uma pedra que completará o muro. Ouvem-se batidas de palma. Incentivo? O ator Heinz, numa licença poética, olha para a platéia e faz bandeiraço pela nossa participação. Incentivamos o Magro. A seqüência termina, mas logo recomeça: ouvimos as palmas novamente. Sem precisar nós mesmos de estímulo, aplaudimos, incentivamos. Entendemos que o sinal sonoro clap-clap vindo da trilha, é a nossa sirene para estimular o personagem a fazer o seu trabalho, behavioristas que somos. Não questionamos o porquê, nem se vale a pena aplaudir. Ouvimos a trilha e executamos a ação. Os dois personagens chegam a um lugar sem saber onde e fazem o que está escrito no livro de tarefas sem saber porquê tão logo ouvem a sirene, o sinal, a trilha.
A magia da história vem pela ausência de. A dupla Heinz Limaverde e Carlos Ramiro Fensterseifer, dirigidos pela dupla Nelson Diniz e Liane Venturella, fogem da dupla “O Gordo e o Magro” do cinema e se aproximam das duplas de Becket (Esperando Godot e Fim de Partida). No entanto, visualmente discutindo, se aproximam da dupla cômica e se aproximam da dupla absurda. Não tem importância. Nada tem importância. Se destruirmos o muro, eles não se importarão. A peça ainda estará em cartaz. E o muro, talvez, nunca seja concluído.
Eles fazem o seu trabalho, colocam as pedras onde indica o livro de tarefas. E desaparecem. A produção desaparece tão eficiente é o suporte que faz aparecer o ator, a dupla, a energia que sai do dedo e aponta para lua (Yoshi Oida), fazendo com que apareçam o dedo e a lua, mas que se sinta apenas a dita energia. E o tempo acaba. Escurece novamente. A energia fica e recebe as lembranças do mundo que voltam quando vamos embora . Paul Auster, na boca do Magro, diz que, se temos lembranças, vivos estamos. E, se você não lembra como começou esse texto e acha que ele vai terminar agora, é bom duvidar se está realmente vivo.

*

ELENCO:
Carlos Ramiro Fensterseifer
Heinz Limaverde

FICHA TÉCNICA
Texto: Paul Auster
Direção: Nelson Diniz e Liane Venturella
Iluminação: Nara Maia
Produção: Marco Mafra
Trilha Sonora: Álvaro RosaCosta
Cenário, Figurino e Design Gráfico: Rodrigo Nahas

2 de out. de 2008

O Balcão



O nascer de chifres e rabos


Contam as más línguas da minha família que, quando eu era pequeno, eu subia ao terraço munido de um copo de Sunday que eu comprava no MacDonalds que ficava ao lado do meu prédio. Eu tinha uns cinco anos e olhava com curiosidade lá pra baixo: a Avenida Paulista, aquele movimento todo, as pessoas passando apressadas, bem vestidas, com seus problemas alheios a mim, criança que assistia à Turma do Balão Mágico diariamente. Eu era pequeno, mas via todo mundo. Todo mundo era grande, mas ninguém me via. Então, o meu copinho de Sunday ficava com uma vontade louca de voar. E eu deixava ele voar. Atirava ele todinho (isto é, a metade não comida) nas pessoas lá de baixo e ria delas como um pequeno demônio sem chifres, nem rabo (ainda...).
Todas as noites um grupo de pessoas sem importância se encontra num bordel famoso e finge ser os cargos mais representantes da sociedade que, lá fora, se destrói em guerra. Sobem ao terraço (Le Balcon – O terraço, em francês), onde podem ver todos os reais importantes se movimentando, sem que por eles sejam vistos. Com isso, os de cima conquistam a liberdade de dizer o que pensam dos de baixo, matar, ter prazer, vencer, torturar, rir e sonhar suas ilusões sem que ninguém os lembre de que, no fundo, não são nada. Música e cortinas de veludo aquecem o dentro, enquanto o fora se decompõe.
Em todas as quartas-feiras de outubro, ao meio-dia e à noite, um grupo de estudantes de teatro da Ufrgs se encontra na Sala Qorpo Santo. Lá, fingem ser atores profissionais. Exigem senha sem que tenhamos pagado por elas, começam o espetáculo na hora, escurecem a platéia e iluminam o palco. Há luz, trilha, figurino e maquiagem. E há composição de personagem e direção. Se movimentando dentro de um texto de Jean Genet, escrito nos anos 50, sobem no seu palco e olham para baixo. Uma platéia considerável (Viva!!) lhes assiste derramar Sunday nos palcos comportados da vizinhança e a rir de nós, que, muitas vezes, pensamos ser cargos representativos na sociedade, autores de blogs e managers de comunidades do Orkut.
A luz é uma sucessão de ausências e pobreza criativa: não fortalece os momentos, não cria clima e não diz nada. O cenário inexistente é melhor que o existente. A trilha se é boa, fica muito ruim com uma execução tão cheia de más entradas e más saídas. A locução é absolutamente imprópria, sem dicção, sem motivo, sem acrescentar nada a não ser pontos de interrogação. Crianças que sobem ao terraço e ficam atirando sorvete nos outros mereceriam uma tunda de laço para aprender a respeitar o que não lhes cabe. Mas, no escurinho da saída de incêndio, merecem um beijo por não andar na linha, até porque quem anda na linha é trem de ferro, já diria minha avó. Então, começamos a ver a montagem, dirigida por Ana Paula Zanandréa, de um modo diferente e muito mais interessante apesar daqui e dali. As boas interpretações, aquelas que têm a sabedoria de esperar o tempo, de entender o ritmo e, principalmente, de que o melhor do teatro é que vemos sempre o todo e nunca as partes, vão chegando aos poucos ao longo da peça. A certeza de que voz e membros, expressão e olhar são coisas diferentes num texto único, num personagem único fazendo ações convergentes e significando o mesmo vôo do sorvete começa a aparecer da metade pro fim. Isso se vê em Soraia Pancadão ou Priscilla Colombi por quem vale a pena ver mais de uma vez essa produção despretenciosa e agradável desde o seu início. Um pouco disso, é possível encontrar em Douglas Carvalho, com movimentos medrosos, mas sorriso corajoso e em Kayane Rodrigues, com voz destemperada, mas olhar certeiro.
Chantal, a Satine-Moulin-Rouge da Casa de Ilusões, abre, uma noite, a porta e desce do Balcão se doando ao Christian-Paris-Revolução in the name of love. Leva, por isso, uma sorvetada na testa de quem ainda está lá em cima olhando, e rindo, para ela e para nós. Elas (ou eles) nos dizem que só há uma única diferença entre os que estão no alto e nós, na platéia. Embora estejamos todos representando alguém, os alunos do DAD assumem (e muito bem assumido!) que são demônios ainda sem chifres nem rabos, enquanto nós ficamos nos mexendo na cadeira e escondendo o nosso garfo a todo custo.

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