28 de abr. de 2010

Em trânsito

Foto: João de Ricardo

O todo em relações

Outro dia tive que abrir a conta do meu email antigo pra pegar uma informação. Há três anos já não usava essa conta e devo tê-la considerado apenas nos primeiros meses da mudança e depois esquecido. Algum dos leitores já compartilhou a mesma experiência? É interessante olhar para si mesmo há três anos atrás. Ler velhos emails recebidos, enviados, salvos na pasta rascunho... Os sonhos de então, os segredos, os desabafos, os pequenos problemas e as intenções do dia a dia. É uma excelente oportunidade para entender da gente mesmo como alguém nunca separado do contexto, um sistema que deixaria de existir sem relações e que, por isso, só pode ser entendido dentro delas e através delas. Essa sensação me ajuda a recuperar o espetáculo “Em trânsito”, da Cia. Espaço em Branco.

O protagonista de “Em trânsito” é um personagem retirado de outro espetáculo da mesma companhia e também frequentemente em cartaz: “Teresa e o Aquário”. O ato de retirar um personagem do seu contexto e, inevitavelmente, incluí-lo em outro ressignifica (pela lógica) o personagem, potencializa certos elementos que o compõem, aprofunda outros, lhe dá novas perspectivas e faz descobrir novas possibilidades. O que poderia ser pobremente visto como a construção de um monólogo a partir de um diálogo é, na verdade, a abertura de um espaço de experimentação teatral bastante profícuo. A experimentação teatral, nesse caso, está na reconstrução de uma dramaturgia, na possibilidade de fazer emergir novos sentidos a partir de uma nova partitura, no aprofundamento do personagem que, agora, tem mais espaço para ser expor.

“Em trânsito”, assim, se anuncia enquanto espetáculo como fruto do resultado de um processo de experimentação. E tem um resultado positivo, lembrando que a palavra resultado não é vista aqui como algo fechado e imutável, mas teatral, isso é, suscetível à mudanças. Bons resultados são sempre mais fáceis de se ter quando é permitido ao público sentir que o grupo está preparado para o acaso, gosta dele e dele se aproveita quando sabe que, seja o que acontecer, ao querido público sempre estará destinado o melhor que a Cia tem para oferecer.

E onde está o melhor de “Em trânsito” no fato da encenação?

O ator Lisandro Belotto, numa análise diacrônica em que considero suas outras participações em outras produções, apresenta aqui seu melhor desempenho. Considerando que é um grande desafio fazer monólogo, seu sucesso torna-se ainda maior. Sob a direção de Sissi Venturin, que estréia como diretora, o ator nos mostra diferentes aplicações de voz, movimentos corporais que não têm medo de serem tridimensionais, força no texto dito. O personagem mobiliza o tempo e é mobilizado pelo espaço de forma segura e coerente com a produção.

Os vídeos, que marcam a estética da Cia Espaço em Branco, são usados de forma a colaborar com a falsa-narrativa que esse espetáculo produz. Colabora não redundando, isto é, cada imagem apresenta ao espectador uma nova informação, um novo jeito de contar a não-história disposta. O frio que o protagonista talvez sinta fica em oposição às cores quentes da tela. A forma contida com a qual ele mostra ter sido acostumado faz perguntas ao vulcão em erupção a que assistimos. A sensação de aprisionamento e objetivação por que o sujeito-personagem passa é divida de forma mais acessível com o público que vê e ouve a cadeira de dentista e seus instrumentos de trabalho. A produção atinge sentidos pelo uso que faz de possíveis objetos cênicos, tornando teatro não tanto o material, mas, com certeza, o conteúdo de cada um deles.

A falsa-narrativa ou a não-história vem à tona como motivo da assistência não aderir efusivamente à obra mesmo após tantos esforços cheios de sucesso. O personagem de Lisandro Belotto está trancado dentro do seu carro num dia de chuva. O trânsito está parado e o seu celular toca insistentemente. Ponto. A história acaba no Momento Inicial ou na descrição da Situação Inicial. Todo o resto é o desabafo do personagem que, aqui e ali, lembra de fatos importantes da sua infância ou da sua vida recente. A dramaturgia, no entanto, não torna essas lembranças como algo que terá alguma relação com o futuro do protagonista. “Em trânsito”, mesmo com elementos narrativos, é uma dissertação. E somente uma dissertação muito bem escrita prende o público e tira dele os aplausos que o espetáculo merece receber e recebeu comigo por testemunha. Recebendo, claro, não apenas por um ou outro elemento, mas pelo todo. O todo em contexto. Como sempre.

*

Ficha técnica:

Direção e Produção: Sissi Venturin
Atuação: Lisandro Belotto
Dramaturgia: João de Ricardo
Iluminação: Mariana Terra
Sonoplastia e Figurino: Sissi Venturin

24 de abr. de 2010

Pão com linguiça

Foto: divulgação

Despretensão. 

O espetáculo “Pão com lingüiça”, da Bendita Companhia de Teatro, conquista o público pela simplicidade de sua produção. Um elenco bastante numeroso, com personagens sem muito espaço, uma história sem muitas curvas, pouca requisição de repertório. Você entende a proposta pela forma como ela se estabelece, sem que seja necessário buscar aqui e ali, em níveis e sub-níveis, alguma idéia/conceito que ajude na fruição. A estética está clara, está na superfície sem ser superficial. A produção se propõe a pouco e atinge seus objetivos com sucesso, prazer e deleite.

O mau tempo fez com que o morro da Vila Pão com Lingüiça deslizasse deixando em perigo as famílias de moradores da parte alta da comunidade. Uma dessas famílias é liderada por Valdeci, muito amiga de Teresinha, ex-prostituta que, pelo sucesso outrora obtido, conseguiu construir uma boa casa na parte baixa da Vila. Teresinha socorre a amiga e seus familiares convidando todos para abrigarem-se na sua casa. O encontro das duas famílias e daqueles que se ligam aos integrantes constrói a dramaturgia do espetáculo a que assistimos. Um recorte temporal marcado que começa com a chuva e termina com o fim dela.

As interpretações, de um modo geral, exploram pouco de cada ator. Considerando o tamanho do elenco e pouca profundidade da dramaturgia, as construções se tornam coerentes. Os personagens conduzem a história de forma bastante segura, sem percalços ou quedas. Aqui e ali, há elementos que, nessa trajetória, no corpo do personagem, dão mais sustância ao sistema como um todo. Vou citar alguns:

O mosqueteiro nas mãos de Tia Vaca: ocupa o lugar de chicote. É um objeto nojento por servir para esmagar moscas em superfícies lisas. Mas a personagem usa isso no lugar de outro objeto. A substituição indica a vontade de algo que ela não tem. A identidade construída pela ausência.

A religião de Pacheca. A crença evangélica da personagem não a impede de ser amiga de Valdeci e de Teresinha, ambas construções apostas ao radicalismo religioso.

Janifonda. A personagem tem problemas mentais e seu físico é construído para expressar limitações. O olhar do espetáculo sobre ela, ao contrário do que se supõe, é engraçado sem que haja algum tipo de deboche ou exclusão. As dificuldades da personagem não são vistas como motivo para que nos apiedemos dela, mas como elemento que faz parte da realidade apresentada no espetáculo.

Entre muitos outros pequenos detalhes que se podem destacar nessa obra só aparentemente sem grande valor, são as interpretações de Cláudia Lewis (Valdeci) e de Carla Gasperin (Teresinha). As duas atrizes empregaram todo o seu carisma na construção de suas personagens que, ao sustentar a trama, tornam ela algo prazeiroso de se ver. Em menor escala, Chana Homem (Salifíldia), Edgar Rosa (Rosinha) e Silvana Ferreira (Marvada) abrem pequenos núcleos discursivos pela forma como deram corpo à narrativa. Lembrando que o destaque não excluí os demais de uma avaliação positiva por parte de quem assiste.

A direção firme de Margarida Leoni Peixoto faz o tempo de contagem da história passar sem que seja sentido. Talvez o jeito como ele se dá seja um dos grandes motivos de me fazer pensar que de despretensão, na verdade, esse projeto tenha muito pouco. O caso é que a grande pretensão dele é ser bom. E, felizmente, ele é.

*

Ficha Técnica:
Direção: Margarida Leoni Peixoto
Assistente de Direção: Silvana Ferreira
Texto: Marcelo Adams
Iluminação: Carlos Azevedo
Figurino, Maquiagem e Trilha: o grupo
Cenário: Margarida Leoni Peixoto

Elenco:
Alvides Puerari
Anelise Karnas
Carla Gasperin
Cláudia Lewis
Cláudia Rocha
Edgar Rosa
Fáber Morrudo
Fernanda Martins
Gabriela Sbabo
Juçara Gaspar
Luísa Herter
Luiz Heitor Chanan
Mafalda Guerreiro da Costa
Ohana Homem
Paulo Arraché
Roberto Von Baranow
Rosângela Fumagalli
Silvana Ferreira
Tati Garrido

23 de abr. de 2010

A tempestade e os mistérios da ilha

Foto: Bacante

Prazer

“A tempestade”, talvez, o último texto de Shakespeare, é um motivo graciosa e sorrateiramente utilizado por Jezebel de Carli para demonstrar seu amor ao teatro. Não que os outros trabalhos dessa diretora, desse grupo e também de outras pessoas e companhias não o sejam. Mas talvez poucos textos ofereçam ao encenador uma fala tão direta como essa:

PRÓSPERO — Pareceis, caro filho, um tanto inquieto, como quem sente medo. Criai ânimo, senhor; nossos festejos terminaram. Como vos preveni, eram espíritos todos esses atores; dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável. E, tal como o grosseiro substrato desta vista, as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se, como se deu com essa visão tênue, sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria dos sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono. Reconheço, senhor, que estou irritado. Suportai-me, vos peço; é da fraqueza. Enturva-se-me o cérebro já velho. Não vos amofineis com minha doença. Caso vos for do agrado, entrai na cela, para aí repousardes. Enquanto isso, darei algumas voltas, porque possa tornar-me calmo.

Todas as aventuras e emoções acontecidas durante a história se vão para sempre quando a peça termina. A segunda sessão é uma nova sessão. O dia seguinte talvez não aconteça e se, nesse espaço se der, será outra e não a repetição da mesma. O que faz desse ou daquele ator um personagem se esvai, some, descansa em algum lugar. Próspero, o personagem protagonista, diz estar nervoso como tantas vezes fico eu quando vejo uma produção que ofende o teatro permitindo que um ator não saiba para onde vai, um figurino a expor-se como tal como se não fosse apenas uma roupa comum vindo de um lugar comum, uma música tirada aleatoriamente de filme, um grito sem dial, uma luz medíocre. Sendo feito de sonhos, todos os elementos cênicos são feitos de ouro porque nenhum pesquisador jamais pode entender os sonhos, ocupar-se seriamente deles, explicá-los. A humanidade que faz com sucesso um transplante de rosto, não reproduz um sonho de forma palpável. Mas os atores fazem sonhar e, para mim, por isso, são seres superiores a bailar na mão de diretores cuja responsabilidade só não é maior que a dos produtores que lhes viabilizam os projetos. Preservar os sonhos fez Próspero abandonar seu ducado em favor de seu irmão, afastar-se de seu rei, partir incógnito para uma ilha, distante das traições de que fora vitima, mas próximo do seu conhecimento, dos seus livros, de sua magia, de sua filha. E voltar só fez sentido quando a possibilidade para novos sonhos surgiram. Um espetáculo não se abandona por qualquer motivo. Apenas uma razão tem um grupo para parar de apresentar um espetáculo: apresentar outro.

A leitura do texto inglês da Santa Estação Companhia de Teatro (Hermes Bernardi Jr.) em nada reduz o clássico, embora abdique de algumas portas para fixar-se em outras. Não é a versão literal, como estou convencido de que nenhuma o é. Uma atualização é sempre nova embora a relação texto e encenação possa ser mais ou menos estreita. Nessa versão, a relação é amigável e, num ótimo sentido, colaborativa. Vemos uma estrutura de metal e algo parecido com um carrinho. Nem um nem outro se parece com algo do mundo falsamente concreto em que vivemos fora da narrativa. São reinventados, serviçais ao uso que lhe é conferido como também eram os balcões elizabetanos nas montagens primeiras de Shakespeare. Quem já entrou num teatro assim sabe que os janelões de nada servem a não ser quando servem para tudo. Não são nada e podem ser tudo. E essa dicotomia é ingrediente para o sonho que, num espaço como esse, ganha convite para acontecer. Os figurinos de Antônio Rabadan vão na mesma linha do cenário de Juliano Rossi, conferem unidade e substância, além de possibilitar alternativas para as ações dos atores enquanto ação e construção. A ilha cheia de mistérios vê os náufragos chegarem como sinal de que é hora dos mistérios morrerem e de se ver a luz. Quando a peça termina e a luz acende, saímos da ilha e vamos para casa encontrar lá novos sonhos a realizar, partindo de quem nos enganou, nos traiu, nos contou histórias, fingiu ser quem não é. E nos emocionou.

Não há um som que não tenha sido planejado, nem uma luz (Fernando Ochôa) que não tenha sido criteriosamente escolhida numa esfera de múltiplas possibilidades. Sentir isso é sentir-se especial. Não sou ator, não sou produtor, nem diretor. Mas não posso dizer que sou apenas público porque uma platéia não tem nada de apenas. Se escolhemos assistir a peça e dar ao grupo parte de nós é porque nos permitimos sonhar. E isso nos faz alguém especial. Pobre de quem não sonha...

Gabriela Grecco como Calibã é simplesmente excelente. A construção se manifesta com força, distribui energia, se faz viva, presente, colaborativa. A coadjuvância ganha adjvância e protagoniza sem precisar roubar um foco que não é seu. Não menos que isso se vê nas duplas Roberta Savian (Miranda) e Denis Gosch (Ferdinando), e Ana Carolina Moreno (Trínculo) e Larissa Sanguiné (Estéfano): um completando o sentido de outro, jogando um jogo que pelo qual torcemos. As interpretações de Jezebel de Carli (Própero) e Rafael Pimenta (Ariel) marcam a relação da narrativa com a produção. Impossível não olhar a construção do elfo Ariel sem pensar nas participações de Pimenta nos Stand Ups, produções cênicas outras frequentemente em cartaz na capital gaúcha. O ator, um grande comediante, leva, talvez sem intenção, para o personagem um registro que se torna cada vez mais seu. Quase o mesmo se dá em Jezebel. Como ouvi-la falar o texto citado acima sem pensar na pessoa da diretora da Santa Estação, da professora e da encenadora? Os sentidos se mobilizam, emergem, submergem, naufragam e vêm à ilha.

Próspero entende-se com seu passado após desfazer-se de toda a magia. É como homem e não como mago que ele perdoa e pede perdão. Eu jamais conseguiria escrever esse texto na platéia do teatro. Mas aqui lembro do prazer das últimas palavras:

“...Soltai-me de tudo o que me prende
Com essas boas mãos que o aplauso rende.
As minhas velas o sopro do vosso afeto tem de encher - ou falha o meu projeto
Que era dar prazer...”

E aplaudo afetuosamente a produção que bem faz o que faz bem.

*

Ficha Técnica
Concepção e direção artística: Jezebel De Carli

Elenco: Ana Carolina Moreno, Denis Gosch, Gabriela Greco, Jezebel De Carli, Larissa Sanguiné, Rafael Pimenta, Rafael Guerra e Roberta Savian.

Dramaturgia: Hermes Bernardi Jr.
Cenografia: Juliano Rossi
Trilha sonora original: Simone Rasslan e Álvaro RosaCosta
Figurinos: Antônio Rabadan
Iluminação: Fernando Ochôa

22 de abr. de 2010

A noiva quer casar




Subjetivando

Há quem diga que o inconsciente é como o estômago. Os alimentos vão passando por ele, mas ele é ele e não os alimentos que passam. O estômago é vazio. O inconsciente é vazio. E os alimentos são o mundo. O inconsciente pega o mundo e o divide, mistura, separa, organiza e envia. É no inconsciente que se dá a significação. É lá que o mundo vira linguagem. E, depois de ter visto várias peças do Grupo Sarcáustico, encontrei em “A noiva quer casar” o seu ponto alto. E, antes que esse texto vire uma análise comparativa, o que não é muito do meu feitio, quero olhar mais de perto pras minhas lembranças da experiência que tive ao assistir o único espetáculo de rua do repertório atual desse grupo. E, falando em lembranças, há também quem continue dizendo que o subconsciente é a parte responsável pelo armazenamento das lembranças, das vivências, das experiências. São as lembranças que eu tive das peças do Grupo Sarcáustico que vão justificar o que meu estômago pode ter reconhecido ao presenciar a parte de mundo que lhe cabe. “A noiva quer casar” é o espetáculo em que a estética do grupo melhor se realiza.

Anos 80. A moda é ser trash. Misturar texturas, cortes, linhas e círculos. Grifes estampadas nos óculos, nas ombreiras, nas meias. Cabelos bem penteados, cores vibrantes de um lado, preto do outro. O chique vira pop. Rosa choque, verde limão, babados. No Brasil, Dancing Days, Viúva Porcina e Tieta do Agreste. Lambada. No mundo: Madonna e Michel Jackson.

Nada disso é novidade para o grupo que, pouco ou muito, pincela seus trabalhos com referências da música, do cinema, da tv e da moda. No caso em questão, as bases de referências não ficaram na forma da pintur, mas nela se tornaram. Dirigido por Daniel Colin, o trabalho, cuja dramaturgia é do próprio Colin em parceria com Felipe Vieira de Galisteo, não abre espaço para a estética, mas produz a estética a partir de suas referências. O colorido forte não mascara uma história, mas constrói uma história: um melodrama exagerado com muita pimenta e pouca água. Uma noiva decide não mais se casar porque descobriu que não ama seu noivo atual, mas, sim, um rapaz que fora seu noivo. E o descobrimento dessa tragédia se dá na despedida de solteiro da noite anterior quando, bêbada, transara com o melhor amigo do seu noivo atual. Quem ouve essa história é seu melhor amigo que, por sua vez, é apaixonado pela noiva. A história começa e se estabelece naquilo que de melhor o melodrama faz: peripécias, voltas narrativas, grandes emoções. Uma comédia que surge do horror, um chique que surge do trash.

A narrativa é fortemente influenciada por citações pop. Músicas são cantadas, situações do universo audiovisual são reproduzidas, expressões marcantes são ditas. Pop vem de popular. E não há melhor opção estética para o realizar dessa intenção do que na rua. “A noiva quer casar” é um espetáculo de rua. O lugar cênico é um círculo marcado com flores, dialoga-se com o público diretamente, o universo se constrói em parceria franca e aberta sob a luz do dia. Embora, em alguns momentos, a quarta parede se feche, quando vemos que os atores perdem oportunidades de interagir mais com o além-das-flores, Guadalupe Casal, Ricardo Zigomático e Felipe Vieira de Galisteo crescem ao longo da peça, cena após cena, sentindo-se mais à vontade na encenação disposta de forma aberta e solícita ao seu público.

A tentativa de apagamento do teatro, ou não-construção de uma invisibilidade, se dá em momentos em que Daniel Colim, o diretor, entra em cena, interage com os atores e com o público. Nos momentos iniciais, a ação parece estranha à cena. Então, percebe-se que a intenção é colocar o discurso em terceira pessoa, conforme foi dito logo no início e que é esquecido tamanha é força dos acontecimentos posteriores. O Grupo vai contar uma história, não representar uma. E conta trazendo sempre novos elementos, atingindo novos níveis narrativos, conquistando o público que não consegue sair do espaço sem que tenha sabido como termina a história dessa noiva e seus amores, a guisa de tudo o que acontece na rua, na praça, no parque.

As interpretações são excelentes. A direção de Colin é pontual. Os figurinos e adereços são adequados e contribuintes. A escolha da trilha sonora só acrescenta coerência, coesão e graça. Tudo isso, e mais o texto que acompanha ao invés de guiar, constrói a estética desse trabalho que eu, mesmo sem querer, relaciono com os demais trabalhos do Grupo Sarcáustico, cada um com sua estética própria e sua singular forma de se estabelecer. Se sorver tudo isso é tornar linguagem o que percebo, então, nesse caso, finalmente entendi o que o Sarcáustico vem dizendo.
E como só se entende um mundo participando dele, lá estava eu.

E cá estou. 

*

Ficha Técnica:
Direção: Daniel Colin
Texto: Daniel Colin e Felipe Vieira de Galisteo

Elenco:
Guadalupe Casal
Felipe Vieira de Galisteo
Ricardo Zigomático

Figurino: Francisco de los Santos
Cenário: Ricardo Zigomático
Realização: Grupo Sarcáustico



 

20 de abr. de 2010

Parada 400 - Convém tirar os sapatos

Foto: Bacante

Take this waltz

Ao rever “Parada 400 – Convém tirar os sapatos”, depois de muitos anos desde a primeira vez, dei continuidade à investigação outrora iniciada. Uma busca, uma curiosidade, essa convite feito pelo grupo, a Santa Estação Companhia de Teatro, ao apresentar um espetáculo teatral tão rico em potências, tão fértil em significados, tão cheios de coisas para dizer e habilidades para escutar. Utilizando como carro chefe, “Entre Quatro Paredes”, de Sartre, a encenação me põe num corredor cheio de portas, em que o tempo não passa, onde não há espelhos, e num dia que parece a noite que parece dia. Nessa ocasião, um personagem me deu uma dica. Juarez (Denis Gosch) diz algo mais ou menos assim: “Somos de antes.” Então, meu olhar se fixou. Está na possibilidade do possível o cerne da criação, já dizia Derrida. Antes. O antes já é uma existência, mas sem a lógica de. E o que os personagens de Parada 400 perdem ao chegar nessa Estação me pareceu ser justamente a Lógica.

Já não há mais espelhos, nem lembranças, nem um discurso organizado. A identidade não é mais necessária num contexto sem futuro, nem tempo algum. Quando falam em lembranças, ouve-se Youcali. A música trata de lembranças do futuro como quem lembra de querer algo que não teve. Quando falam em espelhos, as frases não terminam. Qualquer que seja o movimento ele é sempre parcial, fugindo a toda e qualquer possibilidade de fechamento, de encerramento, de lógica. O discurso não se estabelece porque carece do outro, da outra parte. Ao escrever aqui, por exemplo, uma parte de mim assume o EU. Essa parte não sou eu, mas uma parte de mim. E esse Eu que fala é uma construção minha com a colaboração do outro, do leitor, do espetáculo gerador. Em Parada 400, não há mais o outro Eu. Há apenas o Eu puro, o eu Antes, a possibilidade de ser discurso.

Jezebel de Carli dirige um elenco que já era afinado quando a peça estreou e por isso não aceita a falsa desculpa de que o espetáculo é bom porque encerra (ou pretende encerrar) a sua trajetória. Elenco afinado significa dizer que a potencialidade de um ator é completada pelo outro e de todos e de tudo completada pelo público. Gostaria de poder ser sincero em dizer Roberta Savian se destaca. Mas estaria sendo mentiroso com quem me lê. É impossível se destacar nesse espetáculo que não tem linearidade. Toma-se o absurdo de Sartre (reconheci também Becket em Fim de Partida) e dá-se a ele, talvez, a sua atualização mais elogiosa: o absurdo como a ordem. Assim, como Savian, Gabriela Grecco, Rafael Guerra, Denis Gosch, Juliano e Luciana Rossi, Larissa Sanguiné, André Petry e Ana Carolina Moreno se destacam. Na mesma intenção, o cenário de sapatos, malas e cadeiras(Juliano Rossi), a luz (Wagner Morais), o figurino (Coca Serpa), a Trilha Sonora (Jezebel de Carli), o público (as mais de seis mil pessoas que já assistiram). Nesse sentido que não vê nenhum destaque ou todos, sinto o apontar para o antes. O antes potente que gerou tudo isso. A Santa Estação Companhia de Teatro, a oficina ministrada por Jezebel de Carli que deu origem ao grupo, a própria Jezebel (Açorianos 2005 de Melhor Direção por esse espetáculo), o encontro com o público que vê nessa produção o lado mais sensível da humanidade, a possibilidade de não ser possível...

E, antes que esse texto vire poesia, e que o coração vire tijolo, tiro os meus sapatos, dou meus parabéns, mas, mais que tudo, agradeço ao teatro pela possibilidade de rever até mesmo espetáculos que eu pensei não mais veria. Pois está aí o motivo pelo qual essa arte merece ser valorizada, seus minutos não devem ser desperdiçados, sua produção não deve ser descompromissada. Nem sempre é possível rever. Nem sempre é possível fazer. Mas sempre é possível fazer bem como é o caso aqui.

Os sapatos são a parte não humana que une os humanos à terra em que pisam. Os humanos pisam o chão porque não gostam dele? Sem os sapatos, não poderíamos, porque também sou humano, ...

*

Ficha Técnica

Direção e Roteiro: Jezebel De Carli

Elenco: Ana Carolina Moreno, André Petry, Denis Gosch, Gabriela Greco, Juliano Rossi, Larissa Sanguiné, Luciana Rossi, Rafael Guerra e Roberta Savian.

Iluminação: Wagner Morais
Cenografia: Juliano Rossi
Figurino: Coca Serpa e Santa Estação Cia de Teatro
Trilha Sonora Pesquisada: Jezebel De Carli

14 de abr. de 2010

II Parada de Teatro (por Heinz Limaverde)



Foto: Mauro Vieira

Segunda Parada...Quase para...

Pode ser a impressão de alguém que cultiva grandes expectativas, mas quando dobrei a esquina das ruas Erico Verissimo com João Alfredo, no domingo, dez de abril, às 15h20min (acreditava que eu estava atrasado, devido a minha “montaria” demorada), antecipava encontrar uma multidão de artistas.

Artistas esses que dizem desejar ver salas e teatros lotados. Membros de uma classe teatral de uma cidade percebida em todo o país como uma das capitais mais desenvolvidas e envolvidas culturalmente. Impossível evitar minha decepção ao deparar-me com o número inexpressivo de pessoas no ponto de partida da II Parada de Teatro da Cidade de Porto Alegre. Sim, o Largo Zumbi dos Palmares (mais conhecido como largo da finada Epatur) estava constrangedoramente vazio.

Falo da minha expectativa por ter participado das reuniões e da alegria da primeira parada. Minha conclusão lógica era que, desta vez, na segunda edição, teríamos uma maior participação dos grupos, personalidades, estudantes, diretores, atores, produtores, professores, sobreviventes e empresários do ofício teatral.

Não é minha intenção (muito pelo contrário) desmerecer a iniciativa de um grupo disposto fazer acontecer algo legal. Lá estavam muitos alunos, não mais que cinco mestres, menos da metade dos grupos que dizem atuar nesta cidade, a gente do teatro de bonecos (sempre presente, apoiando) e alguns familiares.

Apesar da decepção, uma valiosa lição aprendida nesses meus 16 anos de teatro foi providencial: a plateia sempre merece nosso maior esforço e dedicação – seja ela formada por um, dois, 50 ou 200 expectadores. Da mesma forma, a Parada e os poucos presentes contavam com a entrega de cada um. E seguimos conduzidos pela força maravilhosa e contagiante da Banda da Saldanha.

Ao fazer esse relato sobre o evento, pergunto: Onde estavam as pessoas que se beneficiam dos fundos como as leis de incentivo à cultura? Os agraciados do Fumproarte? Dos projetos da nacionais da Funarte? Onde estavam as personalidades que alegam fazer teatro “desde as cavernas” na nossa cidade?

Por que razão se ausentaram aqueles que aparecem quando concorrem à premiações? Talvez ocupados em um desses eventos “artísticos” promovidos por políticos e regados a discursos e a coquetéis... (Muitos desses, não por coincidência, os mesmos que ocupam, anos a fio, cargos políticos que decidem o destino financeiro e artístico da classe!)

Ali estavam as pessoas que, de fato, se preocupam com o contexto. Com o cenário do fazer teatral em Porto Alegre. Mas esperava mais, projetava mais. Uma vez que festejávamos a II Parada de Teatro, com o apoio voluntário da iniciativa privada (SESC)e a parceria de nossa prefeitura (que fez o possível e até copinhos com água do DMAE distribuiu), surpreendeu-me a ausência de gente que ocupa a Secretaria de Cultura no Governo Estadual.

Desculpo-me antecipadamente se, porventura, estiver sendo injusto e equivocado. Mas o evento não teve o impacto necessário para uma classe que quer reivindicar crescimento em nossa cena teatral.

Será que vamos nos encontrar na terceira edição? Espero que abram-se as tais portas dos castelos e cavernas. E que, ao menos por uma tarde, durante algumas horas, um domingo por ano, a máscara de burocrata seja trocada pelo semblante do artista que ainda acredita que fazer teatro é relevante e vale a pena.

Heinz Limaverde
Ator

13 de abr. de 2010

Sem açúcar

Frio. 

“Sem açúcar” investe na frieza como concepção estética, mas acaba deixando a recepção fria demais. A quarta parede se põe de forma tão dura diante do público que, ao invés de apenas separar, também afasta.

Dirigido por Desirée Pessoa, o novo espetáculo do Núcleo de Estudos e Experimentação da Linguagem Cênica, o NEELIC, mostra vários pontos positivos, mas todos eles se mostram sem vida. A título de imagem, lembro agora de frutas de decoração: lindas, coloridas mas não comestíveis. Os elementos plásticos da produção são riquíssimos: a caixa cênica totalmente branca, a geladeira, o aquário, o guarda-chuva vermelho. Os tempos e os movimentos deixam ver uma técnica usada com cuidado e responsabilidade pela diretora e sua assistente, Ravena Dutra. Nenhum ator vira o rosto de qualquer jeito, todos sabem exatamente para onde vão, quanto tempo demoram para ir, os gestos são calculados. Talvez, friamente calculados.

Juliana Wolkmer, entre o elenco, consegue ter instantes de maior naturalidade, esconder a técnica, furar a quarta parede para que nós a vejamos. Os demais estão duros, presos, gelados. O personagem de Desirée Pessoa, Edna, utiliza a frieza para se construir: uma socialite, uma mulher superior, alguém não dado a sentimentalismos. Diante de características que se cruzam entre os quatro atores, quatro construções de personagem, e toda uma idéia que perpassa as demais unidades narrativas, fica difícil analisar em separado o trabalho de Pessoa de forma totalmente positiva. A questão mais problemática, porém, está em Fabiana Montin. Seus movimentos se centralizam nos seus quadris. A atriz permanece o máximo de tempo possível com os pés bem afastados e presos ao chão, dando segurança para que ela possa girar seus braços e interpretar da cintura para cima. Mas seu excesso de segurança é coerente com o espetáculo inteiro e é aqui que se encontra o motivo pelo qual “Sem açúcar”, embora apresente várias possibilidades, seja uma produção que não concretiza o potencial que parece ter. Segurança em excesso é um mal.

O estranhamento que ultrapassa os limites também pode vir da dramaturgia. Unir Katherine Mansfield e Marguerite Yourcenar poderia render bons frutos. Jean Paul Sartre com Vera Karam igualmente. Mas os quatro autores com Woody Allen parece ser uma construção possível, mas que não acrescenta ao trabalho a não ser por aumentar ainda mais o distanciamento.

A cena final, por fim, anda no mesmo caminho do texto. Abre mais uma porta, apresenta mais um caminho, sem que os outros abertos e apresentados anteriormente tenham sido utilizados. O espetáculo não vai apesar de mostrar a intenção de ir.

Não há nada de errado com o açúcar. Também nada de errado com a falta de. Em ambos os casos, no entanto, é preciso ter a coragem de optar por um deles. E sorver vivamente!

*

Ficha Técnica:

Direção: Desirée Pessoa
Assistente de Direção: Ravena Dutra

Elenco:
Desirée Pessoa
Fabiana Montin
Juliana Wolkmer
Silvio Ramão

Produção: Neelic
Assistente de Produção: Kátia Berger
Cenário: Rafaela da Silva
Trilha Sonora: Ana Mércio
Iluminação: Silvio Ramão
Coreografias: Naiana Tedesco
Figurinos: Aline Rehm
Produção Gráfica: Mayara Marcanzoni

6 de abr. de 2010

Mães & Sogras

Foto: Julio Appel

O teatro fala 

Há quem diga que o teatro nada tem a dizer. Mas eu me sinto muito privilegiado quando, havendo tanto a dizer através dele, deixam-no dizer. Assim é “Mães & Sogras”, uma oportunidade de dizer sobre o teatro, mas um momento especialíssimo em que deixam o teatro dizer. Quem tem muito o que falar torna-se ainda mais sábio quando ouve. Marcelo Adams, nessa produção da Cia de Teatro ao Quadrado, ouve. E nos convida a ouvir. E o teatro se movimenta pela sua própria fala de forma muito lenta, muito sutil, amparada por mais essa produção cuidadosa, responsável e bem-vinda de Marcelo Adams e Margarida Leoni Peixoto.

“Mães & Sogras” me lembra a imagem de um filete água escorrendo pela torneira. Não é chato como um pingo. Não é escândalo como um jato. Mas prejudica o ambiente, interfere, faz danos aos ambiente como os anteriores. É sensível. É sinuoso. Por ser teatro, é agradável. Não o fosse, seria perigoso.

Explico (ou tento): a encenação é lenta. As cenas parecem longas. Você já está sabendo o que está acontecendo há alguns minutos, mas ela continua firme, segura no talento do encenador em cujas mãos também nós nos sentimos seguros. No início da peça, estamos na superfície de um redomoinho. Conhecemos as personagens, duas mães judias a falarem dos filhos, das noras e dos genros, dos familiares alheios, dos vizinhos comuns. Num palavrório inconseqüente, conhecemos o seu universo, conhecemos as pessoas, sentimos o teatro rodar. O ritmo é constante. Constante, afinal, como um filete de água na imagem que me acompanha e que eu divido.

As horas avançam e somos levados mais para dentro desse redemoinho. As perucas que aparecem na primeira cena eram apenas uma questão estética. Agora são conseqüências de uma quimioterapia. E notem: a distância entre algumas perucas e câncer não é uma existência a ser tratada de qualquer forma. Aparece aí a força silenciosa do filete a desperdiçar energia. E Adams percorre passo a passo essa distância, significado após significado, cautelosamente, delicadamente. O teatro, então, sorri. O filete de água continua correndo vitorioso da torneira.

O cenário é um dos elementos mais bem explorados da peça. Ao invés de uma sala realista, ou a nudez econômica, Rodrigo Lopes constrói um painel com ossos à mostra. Ossos que nos dizem sobre nossa estrutura física (e por que também não mental?). Nossa herança genética, bastante cara aos judeus que não dividem apenas a religião, mas também a raça, está ali, exposta em telas de Raio X. A doença avança, como também a velhice que sempre enfraquece o corpo, embora não em todos os casos fortifique o espírito. Um painel com um buraco, uma porta por onde se entra e se sai: por qual buraco nos entram os problemas? Por onde também podem sair as soluções? Um furo através do qual sai também esse filete de água fino e persistente que nos empurra para o fim do redomoinho.

A loucura. A morte. A solidão: o ralo da pia para onde vai toda essa água discreta que escorreu da irresponsável torneira. Esse é o destino final que contemplamos agora após termos nos divertido com as ótimas piadas de humor negro desse interessante texto de Leandro Sarmatz e ouvido das canções interpretadas por Margarida Leoni Peixoto, quem também sustenta a melhor interpretação do elenco. Há também que se destacar Naiara Harry na cena do hospital. Sem a voz exageradamente grossa e desprovida de entonações quase agressivas, nesse momento, sua sutileza se encontra com todos os elementos da narrativa. E, num tempo em que a referenciação já não encontra terreno tão profícuo no campo das artes, coerência se faz fundamental no teatro dramático.

A força com que os judeus da peça mostram agarrar suas tradições é uma prova de amor aos cinco milênios de sua existência. A constância do tema encontra parceiros no ritmo da encenação. Nada vem do acaso, nada assusta, nada comove, tampouco faz gargalhar. O fim chega ao natural, tanto o fim da vida, como o fim da peça, que marca a morte dos personagens até a próxima apresentação. O novo espetáculo da Cia. de Teatro ao Quadrado agradece ao público que o agradece de volta por ter deixado a arte falar com seu melhor vocabulário. A produção acrescenta por ter, antes, se deixado acrescentar.

Assim, o cair de água na pia é apenas o resultado de um ponto de vista parcial nosso. Afinal, também poderíamos supor que é o ralo quem pede à torneira água para beber.

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Ficha técnica:

Autor: Leandro Sarmatz
Direção: Marcelo Adams
Elenco: Margarida Leoni Peixoto (Bella Molodóvski), Naiara Harry (Anita), Carla Gasperin (jovem paraplégica), Cláudia Lewis (Jussara), Rafael Ferrari (Beto)
Cenário: Rodrigo Lopes
Figurinos: Rô Cortinhas
Iluminação: Fernando Ochoa
Trilha sonora: Marcelo Adams e Rafael Ferrari
Coreografias: Carlota Albuquerque
Produção: Cia. de Teatro ao Quadrado e Rodrigo Ruiz
Realização: Cia. de Teatro ao Quadrado

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