24 de abr. de 2010

Pão com linguiça

Foto: divulgação

Despretensão. 

O espetáculo “Pão com lingüiça”, da Bendita Companhia de Teatro, conquista o público pela simplicidade de sua produção. Um elenco bastante numeroso, com personagens sem muito espaço, uma história sem muitas curvas, pouca requisição de repertório. Você entende a proposta pela forma como ela se estabelece, sem que seja necessário buscar aqui e ali, em níveis e sub-níveis, alguma idéia/conceito que ajude na fruição. A estética está clara, está na superfície sem ser superficial. A produção se propõe a pouco e atinge seus objetivos com sucesso, prazer e deleite.

O mau tempo fez com que o morro da Vila Pão com Lingüiça deslizasse deixando em perigo as famílias de moradores da parte alta da comunidade. Uma dessas famílias é liderada por Valdeci, muito amiga de Teresinha, ex-prostituta que, pelo sucesso outrora obtido, conseguiu construir uma boa casa na parte baixa da Vila. Teresinha socorre a amiga e seus familiares convidando todos para abrigarem-se na sua casa. O encontro das duas famílias e daqueles que se ligam aos integrantes constrói a dramaturgia do espetáculo a que assistimos. Um recorte temporal marcado que começa com a chuva e termina com o fim dela.

As interpretações, de um modo geral, exploram pouco de cada ator. Considerando o tamanho do elenco e pouca profundidade da dramaturgia, as construções se tornam coerentes. Os personagens conduzem a história de forma bastante segura, sem percalços ou quedas. Aqui e ali, há elementos que, nessa trajetória, no corpo do personagem, dão mais sustância ao sistema como um todo. Vou citar alguns:

O mosqueteiro nas mãos de Tia Vaca: ocupa o lugar de chicote. É um objeto nojento por servir para esmagar moscas em superfícies lisas. Mas a personagem usa isso no lugar de outro objeto. A substituição indica a vontade de algo que ela não tem. A identidade construída pela ausência.

A religião de Pacheca. A crença evangélica da personagem não a impede de ser amiga de Valdeci e de Teresinha, ambas construções apostas ao radicalismo religioso.

Janifonda. A personagem tem problemas mentais e seu físico é construído para expressar limitações. O olhar do espetáculo sobre ela, ao contrário do que se supõe, é engraçado sem que haja algum tipo de deboche ou exclusão. As dificuldades da personagem não são vistas como motivo para que nos apiedemos dela, mas como elemento que faz parte da realidade apresentada no espetáculo.

Entre muitos outros pequenos detalhes que se podem destacar nessa obra só aparentemente sem grande valor, são as interpretações de Cláudia Lewis (Valdeci) e de Carla Gasperin (Teresinha). As duas atrizes empregaram todo o seu carisma na construção de suas personagens que, ao sustentar a trama, tornam ela algo prazeiroso de se ver. Em menor escala, Chana Homem (Salifíldia), Edgar Rosa (Rosinha) e Silvana Ferreira (Marvada) abrem pequenos núcleos discursivos pela forma como deram corpo à narrativa. Lembrando que o destaque não excluí os demais de uma avaliação positiva por parte de quem assiste.

A direção firme de Margarida Leoni Peixoto faz o tempo de contagem da história passar sem que seja sentido. Talvez o jeito como ele se dá seja um dos grandes motivos de me fazer pensar que de despretensão, na verdade, esse projeto tenha muito pouco. O caso é que a grande pretensão dele é ser bom. E, felizmente, ele é.

*

Ficha Técnica:
Direção: Margarida Leoni Peixoto
Assistente de Direção: Silvana Ferreira
Texto: Marcelo Adams
Iluminação: Carlos Azevedo
Figurino, Maquiagem e Trilha: o grupo
Cenário: Margarida Leoni Peixoto

Elenco:
Alvides Puerari
Anelise Karnas
Carla Gasperin
Cláudia Lewis
Cláudia Rocha
Edgar Rosa
Fáber Morrudo
Fernanda Martins
Gabriela Sbabo
Juçara Gaspar
Luísa Herter
Luiz Heitor Chanan
Mafalda Guerreiro da Costa
Ohana Homem
Paulo Arraché
Roberto Von Baranow
Rosângela Fumagalli
Silvana Ferreira
Tati Garrido

4 Comentários:

Anônimo disse...

verdade querido, são ótimas estas duas atrizes, Claudia Lewis e Carla Gasperin, que também complementam maravilhosamente o espetáculo que assisti:Mães e Sogras....não observaste isso?????um abraço de urso

Anônimo disse...

Obrigado pela crítica, bastante inteligente e objetiva.
Roberto Von Baranow(Edmilson)

COMIDA FALA - Karen Monteiro disse...

Assisti a peça hoje pela segunda vez... a primeira foi no ano passado... continuo achando o trabalho que a Margarida e o Marcelo realizam simplesmente sensacional!!! Esse grupo de atores e atrizes são fantásticos!!! O Rio Grande do Sul tem uma constelação de talentos!!! Parabéns, pessoal...
Abraços

COMIDA FALA - Karen Monteiro disse...

Em tempo... vou começar acompanhar teus post... amo teatro... não perco nada...
Abraços

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