29 de jan. de 2009

Lipstick Station



Democracia Cênica: um controle remoto e pouca empolgação

Lipstick Station, antes de qualquer coisa, é interessente porque acende uma fogueira: é teatro ou não é? Ou até que ponto é teatro e a partir de que ponto não é? É ou não é, no entanto, me parece ser uma discussão que a Santa Estação Cia de Teatro dá pouca importância. Cada ator (?) entra em cena, vindos de lugares diferentes, dizendo o número de sua carteira de identidade. E propõe: Cada um é um número?

Sete pessoas em cena. Sete números diferentes. Talvez esse seja o motivo que fez com que, das quarenta e cinco pessoas na platéia, no dia em que eu fui, umas quarenta se mostraram pouco empolgadas... Talvez, porque também não estou aqui para dizer o que é e o que não é. Em "Lisptick Station" falta alguém que o faça.

O que é que eu devo olhar? Porque se eu tiver a liberdade de escolher para onde olhar, nossa!, terei muitas opções!!

O palco é lindo. Cheio de móveis, quadros, cantos, espaços, detalhes, instrumentos, fios, microfones, cadeiras, cores, escuridões, luzes e focos. Os figurinos são produzidos, não produzidos, arranjados, conseguidos, coloridos, ponto ponto ponto. O repertório musical é cult, brega, moderno, retrô, virgula virgula virgula. E as pessoas em cena são cantores, atores, músicos, bailarinos, bons, ruins, ótimos, nem tanto... O espaço de tempo da peça passa rápido, devagar, quase parando, nossa-já-acabou?, vamos-comer-o-que-depois?...

... ... ...

Em vários momentinhos, alguém foi lá e disse: AI-5! É isso e tá acabado. Um deles é o momento da foto (lembrei agora de "Pense em mim" também...) que ilustra esse texto. A luz diminui, ninguém fora da cena puxa foco, os músicos tocam, os que não tocam ficam quietos e a cena (cênico, encenador, cenógrafo, cenário, arte cênica!) acontece. Reconhece-se os personagens. Recebe-se o glorioso convite para "entrar na história". E as quarenta e cinco pessoas são uma só, um só número, uma só identidade: receptores da história contada, p-l-a-t-é-i-a!

Na grande maioria dos momentões, a apresentação é democrática, interativa, high definition,200 canais e um controle remoto que muda de canal a toda hora e não ri de nenhuma piada, nem chora com nenhum melodrama. Zap!

Zap! Rafael Pimenta se esforça em prender a nossa atenção, fazendo com que ela se volte para a cena. Se ele está nela, então, os olhos do ator brilham, o corpo se desenvolve e cresce, a intenção se define. Se ele não está sob o foco, toma a sua água, fica quieto e informa: "Não adianta olhar pra mim! Eu não tenho nada pra te dizer agora!"

Zap! Eduardo Mendonça, Marcos Bombardelli e Eduardo Steinmetz são o TV Senado. Tão ali. A gente paga por esse canal. Mas a gente nunca olha...

Zap! A produção dirigida por Jezebel de Carli tem muita coisa além de teatro. Uma tv não é só novela... Sobre o resto, é esperar que uma das quarenta e quatro daquele dia fale alguma coisa. Afinal, a internet é democrática!

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ELENCO:

Denis Gosch

Eduardo Mendonça

Eduardo Steinmetz

Marcos Bombardelli

Ricardo Barpp

Rafael Pimenta

Tatiana Vinhais

FICHA TÉCNICA:

Direção: Jezebel De Carli

Direção Musical : Eduardo Mendonça

Assistente de direção: Leo Maciel

Cenografia: Marcio Dias

Maquiagem: Nikki Goulart

26 de jan. de 2009

Comédia dos Amantes


Terapia Conjugal no teatro porto-alegrense

Porto-alegrenses, no que diz respeito a teatro, é o povo que melhor se relaciona com seu cônjuge. Se não é, tem tudo para ser. Das 51 peças do Porto Verão Alegre, contei dezenove que se anunciam com temática nas relações. “A Comédia dos Amantes” é uma delas. Com direção de Oscar Simch, a produção, nesse lugar comum em que se encontra o tema, se destaca por não trazer a palavra de pseudo-psicólogos, que têm sempre algo a dizer sobre como deve ser um relacionamento, como uma mulher deve ser (bem) tratada ou como um homem deve ser conquistado, espezinhado ou abandonado. Flávio Bicca Rocha e Ana Guasque são diferentes porque trazem o que diz a dramaturgia mundial sobre isso. Talvez seja esse o motivo, pela riqueza da proposta, do Câmara ter estado bastante cheio no final de semana.

Desnudar. Tirar a roupa. Ficar íntimo: além da relação de amor entre homem e mulher, o teatro é visto do lado de dentro. O cenário nos faz sentir sentados dentro do palco, na coxia. Os painéis estão virados para o fundo, vemos o madeirame, os pregos, o espelho do camarim, a arara com os (ótimos) figurinos que serão usados. Os atores, ao contrário disso, não apresentam a história, ou as histórias, de costas para nós. A estranheza nos faz entender que trataremos da história da dramaturgia no trato com o tema relação amorosa (heterossexual). E quando pensamos que pára por aí, logo no primeiro quadro, o campo se afunila ainda mais: o tom será comédia.

Quanto à história do teatro, a cada novo quadro, entramos mais para dentro do tempo. Partindo do século XX, chegamos ao século IV antes de Cristo, do modernismo brasileiro de Nelson Rodrigues, à comédia grega clássica de Aristófanes, passando pelo vaudeville francês, o melodrama norte-americano, o texto shakespeariano. Na introdução, os atores informam alguns dados sobre os autores e as épocas e contextualizam os gêneros. “A Comédia dos Amantes” é sobre teatro.

Todas as cenas escolhidas e interpretadas de forma leve, comprometida com corpos disponíveis, energia e precisão de movimentos, são ou levam ao amor. Fala do amor de uma esposa por seu amante, da traição de um marido, da frivolidade de uma esposa, de barreiras sociais e assim por diante. Como diz Wim Wenders, história de morte só perde para história de amor. “A Comédia dos Amantes” é sobre amor.

Mas, como público, fiquei a pensar no que faltou para que essa produção com um elenco reconhecidamente talentoso e tecnicamente dedicado, um figurino, uma iluminação e um cenário tão bem produzidos e executados, e uma direção tão firme? Teria sido por causa da execução da trilha sonora com falhas compreensíveis (mas não aceitáveis)? Não... Sinto que o problema d “A Comédia dos Amantes”, e que faz com que ela não seja aplaudida de pé ao som de gritos de bravo e pedidos de bis, aparece justamente quando ela não é sobre comédia. E, às vezes, ela não é: como é o caso do primeiro quadro, que tanto diverge do último.

Se num, o riso é espontâneo, noutro, ele é pedido. Nelson Rodrigues não escreve comédia (há outros autores nacionais do século XX que se dedicaram a isso). Vaudeville só faz rir após a fixação do contexto dramático: o riso, nesse gênero, vem pela destruição da estrutura que foi recém construída. Numa pequena esquete, não há tempo suficiente para isso. Por outro lado, é um prazer imenso ver “Cata” e “Herô” sofrerem nas mãos de seus amantes, esses também personagens já criados para o riso, para o teatro, para a comédia e, como os porto-alegrenses (por que não?) para seus amantes.

Forçar comédia quando não há, o que felizmente acontece pouco nessa montagem tão bem-vinda entre tantas, é tão chato quanto forçar discussão de relacionamento nos palcos da capital gaúcha.
ELENCO:
Flávio Bicca
Ana Guasque
FICHA TÉCNICA
Roteiro: Luiz Arthur Nunues
Direção: Oscar Simch
Assist. Direção: Zé Victor Castiel

24 de jan. de 2009

Homens de Perto



Me disseram para não ir ver os homens de perto.

Disseram que era uma bobajada depois da outra. Que não tinha conteúdo. Fui. Ao sair, liguei para um amigo gaúcho que mora no Rio há décadas. O irmão dele estava lá e disse que a peça era uma droga. Pedi que o amigo perguntasse para o irmão dele se ele tinha visto a peça. Resposta: “Não. Ele não foi ver, mas contaram pra ele que não acrescentava nada...”

Fato: “Homens de Perto” não acrescenta nada. É uma bobajada depois da outra e não tem conteúdo nenhum. E é uma droga.

As drogas fazem a pessoa esquecer dos problemas por um tempo. As drogas são um tipo de entretenimento. Não sou contra as drogas. Nestor Monastério também não.

Ter uma plantação de maconha é algo muito complicado. Produzir cocaína só não é mais difícil que distribuir. Fabricar LSD ou Êxtase deve dar um trabalho danado. Você pode fazer de qualquer jeito, mas se é para o cara se drogar de qualquer jeito, então, por que não pensar em coma alcoólico com uma boa e barata Caninha 7 Campos de Piracicaba?

Desde o primeiro segundo, antes mesmo de começar, o público que tem lotado a Amrigs nos últimos cinco anos (?) é avisado de que o que está por vir é uma bobajada, não tem conteúdo, não se destina a acrescentar nada e quer apenas te entreter. Zé Victor Castiel, Oscar Simch e Rogério Beretta se propõe a 3 e conseguem 4 ou 5. Tantas peças por aí se vendem prometendo chegar a 50 e não fazem 2... (Sim. Eu escrevi dois e não vinte.)

Quatro atores. Um deles morreu e os três que sobraram entram no palco pedindo desculpas dizendo que vão fazer a peça acontecer em homenagem ao colega morto. Avisam que, tomados pela emoção, não se responsabilizam pelas falhas, contando com a compreensão do público pelas tosquices que acontecerão.Tosquices?

Figurino pensado por Sérgio Lopes (ternos do Tevah). Tudo muito bem costurado, planejado, passado, organizado para que o sentido seja estabelecido. O cenário é composto por três cadeiras e um painel vermelho. Não são três cadeiras tiradas de última hora do camarim do teatro ou da cozinha de um dos atores. E a cor vermelha do fundo dialoga com o figurino dos três atores e da atriz contra-regra (Sofia Schul) que não é só mera “trocadora de cenários”. A trilha sonora de Simone Rasslan e de Néstor Monastério, as coreografias de Jussara Miranda e a iluminação de Maurício Moura informam pra gente o que vem a ser o que, nos Estados Unidos e na Europa, se chama showbusiness. A produção pode só se destinar a mero entretenimento, mas sabe que isso é coisa séria, é digno, é para ser valorizado e, sobretudo, bem feito. Afinal, ninguém tem dinheiro sobrando para rir de qualquer coisa. Vai-se no bar e pede uma 7 Campos. Ri-se até de verruga no pé com isso.

Três atores e um amontoado de histórias que te deixam a vontade para rir gostosamente. É teatro de auditório sem ficar te impondo respostas. Elas vêm ao natural, assim como as reações espontâneas e as nem tanto. Eles cantam, dançam, representam e contam piadas sem graça com tanta dignidade que a gente ri depois de ter encontrado graça em tudo, principalmente, no prazer de ter ido assistir a algo tão leve, tão simples e tão bem feito. Uma dramaturgia praticamente desconexa, muito brincalhona, “tosca e agropecuária”, como diz o diretor de arte Voltaire Danckwardt.

Dizer que “Homens de Perto” é uma bobajada, sem conteúdo e que não acrescenta nada não é falar mal. É fazer propaganda. Eu desejo vida longa para o que é bem feito. Estou muito longe de ser monge para queimar a comédia e ficar só com o que me faz pensar...


PS.: Achei a cena dos gaúchos muito longa. Mas, no fundo, acho que achei isso porque não ganhei bala no aniversário da Dá.


ELENCO:
Oscar Simch
Rogério Beretta
Zé Victor Castiel
e
Sofia Schul

FICHA TÉCNICA:
Autor: Artur José Pinto
Direção: Nestor Monastério
Figurino: Sérgio Lopes
Trilha Sonora: Simone Rasslan e Nestor Monastério
Arranjos vocais: Simone Rasslan
Coreografia: Jussara Miranda
Iluminação: Maurício Moura
Produção: MIB

23 de jan. de 2009

Q os homens pensam q as mulheres pensam


Desprodução

Figurino:

- E aí? Vamos convidar quem pra pensar o figurino? Coca Serpa, Rô Cortinhas, Glau Barros, Daniel Lion, Rodrigo Lopes... Quem?
- Você quer ganhar dinheiro com teatro ou gastar dinheiro?? Bem capaz! Você e você vão vestir um terno, uma camisa vermelha e uma gravata. Você veste uma calça jeans e uma camiseta. Você pega uma meia velha, um sapato e uma peruca de brechó (não me venha com Teia de Aranha que é muito caro!) e uma blusinha de Voluntários. Tá ótimo!
- Mas não vão dizer que o figurino é improvisado e “pavaroso”?
- Tá bom. Pega a calça jeans e bota um tecido rosa. Faz uma pantalona.
- Pantalona? Mas é anos 60-70?
- Boa! Não é e é. A gente diz, na mídia, que é uma proposta atemporal!!

Cenário:

- Os tapumes ficaram ótimos. Mas e os mictórios?
- Faz de conta que tem. Ficariam muito caros e seria muita mão de obra pra carregar...
- Mas não é uma comédia de costumes? Não teria que ser mais próximo do realismo?
- Alguma vez tu viu parede de banheiro de shopping pichada dessa forma?
- Só dentro dos reservados... Fora, nunca!
- Alguma vez tu viu um cara tocando violão dentro de um banheiro de um shopping?
- Eu nunca fui num banheiro de shopping tão feio como esse! Não dá pra mudar pra uma rodoviária ou pra uma praça?
-Em banheiro de praça ou de rodoviária, não tem segurança. Como fica o final da peça? Isso é teatro não é Globo Repórter! E ninguém sabe o que é comédia de costumes...

Interpretação:

- Assim tá bom?
- Se o público rir, então, tá.
- Vai ser só nós dois quase a peça inteira? Só diálogo??
- Não tem problema nenhum nisso. Woody Allen faz isso!
- Woody Allen o escambal. Faz o seguinte, para cada piadinha que tu fizer, tu pergunta alguma coisa pra alguém do público..
- Mas vai ficar parecendo teatro de auditório!
- Faustão vai fazer 20 anos no ar só na Globo! E depois a gente diz que era uma proposta: engajar o público...
- Mas toda hora fazer piadinha com o público?
- Olha, eu não queria dizer, mas... Quanto não tem talento no palco, a gente procura na platéia...
- Você tá dizendo que eu não tenho talento?
- Se tem, não tá mostrando...
- É. Tem que ter técnica!
- Técnica o escambal. Tá fazendo rir, tá enchendo a platéia? Então, tá bom.

Dramaturgia:


- Eu acho que, ao invés de ser um homossexual, deveria ser uma mulher...
- Mas o que uma mulher estaria fazendo dentro de um banheiro masculino?
- É. Vamos tirar tudo de dentro do banheiro.
- Nem pensar! Eu sempre quis fazer uma peça sobre frases de banheiro público...
- Mas a peça não é sobre isso. A gente fica o tempo inteiro discutindo a relação homem e mulher... O que um homossexual faz nisso tudo?
- Eu quero fazer uma peça sobre frases de banheiro. Eu quero. Eu quero. Eu quero.
- Tá bom. A gente lê todos os recados que estão na parede no final da peça. Pode ser?
- Mas o público já não terá lido?
- Mas ele quer fazer uma peça sobre frases de banheiro...
- Então,a gente lê...
- E por que fica uma criatura parada dentro do banheiro sem fazer nada?
- Ele é músico...
- Dá um violão pra ele. E, no início, você vai batucar numa lata. Pronto. Já temos um início.
- No meio...
- Ora... Piadinhas e teses sobre a relação homem e mulher. A mulher é um ser sensível, romântico, puro e delicado.O homem é um ogro total, um babaca, um burro, um imbecil que só quer saber de gozar.
- Gozar?!
- Isso. As piadinhas serão todas assim, meio escatológicas mesmo. Uma mulher não se depila. O cara pensa que é uma parreira de uva ou um muçulmano e grita: “Alah!”.
- O público vai rir. Mas não é meio pobre?
- Se o público rir, então, tá bom. O dono das Lojas Pompéia é mais rico que o dono da Paquetá.
- E esse final? O homossexual,do tipo BEM efeminado, que representa as mulheres (ao invés de representar os homossexuais...) vai ser espancado e preso por ser ladrão? Fora o fato de praticamente morar dentro do banheiro, ligando para os recados em busca de sexo uma vez que ninguém quer ter relação com ele... Isso é horrível demais! A comunidade gay de Porto Alegre não vai encher o saco?
- A peça é para héteros. Os gays vão ver “A Casa das Três Irenes”, o “Bordel das Irmãs Metralha” ou sei lá o quê... Se algum gay for ver a peça, ele vai ficar tão envergonhado que não vai abrir o bico.
- Teatro de costumes trabalha com estereótipos... Eu li isso em algum lugar...
- Isso, isso! Mas, por desencargo de consciência, alguém fala que queria discutir a questão do preconceito...
- Mas a gente não tá discutindo a relação homem e mulher?
- Assim, não dá!

Concepção:

- As pessoas riem? Então, tá bom. Concepção o escambal!

Produção:


- No programa, diz que a peça tem uma hora e vinte minutos.
- Eu sei. Se a gente disser que tem uma hora e quarenta, ninguém vai...
- Diz que são quatro homens num banheiro público que querem alcançar seus objetivos particulares. Dois seguranças, um homossexual e...
- O músico é pra dizer que a gente dialoga com outras artes... E a gente precisava de duas duplas. - Diz também que o conflito é entre quatro homens... Mas só um homem tem conflito.
- Ninguém lê esse programa! O Porto Verão Alegre gastou horrores de dinheiro fazendo isso e ninguém pega nas bilheterias. Alguma coisa a gente tinha que mandar pra eles... Mandamos esse texto aí e pronto.
- Ah...
- Tá. Aqui diz que é uma comédia para não deixar de ver.
-...
ELENCO:
Eder Santos
Émerson Maicá
Luiz Carlos Pretto
Pedro Delgado
FICHA TÉCNICA:
Texto e Direção: Pedro Delgado

22 de jan. de 2009

Sobre anjos & grilos


O Quintana de Déborah


Tá.

Eu tenho que prestar a atenção na Deborah ou no Mário Quintana? Ou na Zorávia? Ou no Ferretti ou na Raquel Cappelletto? Deixa eu me organizar...

Selecionar alguns dos poemas de Mário Quintana para um espetáculo de teatro é uma tarefa bastante árdua. Deborah Finochiaro não teve medo da empreitada e fez. E fez muito bem porque é uma excelente seleção: não se poderia colocar todos. Imagino que o critério tenha sido o grau de teatralidade contido no verso (olha a minha dissertação de mestrado pintando aí...). E como descobrir isso? Por intuição, por experiência, coisa que sobra nessa grande atriz e diretora do teatro gaúcho.

A dificuldade disso, e o mérito de Deborah, está no fato de que Mário Quintana nunca escreveu dramaturgia. Por dramaturgia, entendo um texto cujo significado se estabelece menos pela palavra, mas mais pela ação que propõe. Na poesia de Mário Quintana, o drama está no eu lírico e os personagens de “Sobre anjos & grilos” vêm disso. Aí vemos (Deborah vê e propõe para nós) uma criança, um bêbado, um velho, um tarado... Um personagem fica ao lado do outro e um mosaico se constrói em sessenta minutos.

Confiar num Eu Lírico, talvez, seja o desafio mais assustador de quem almeja construir um espetáculo a partir de poemas. É subjetivo demais para ser interpretado, é muito abstrato para ser corporificado. Eu, por exemplo, nunca li o poema dedicado à Cecília Meirelles imaginando Quintana se masturbando com sua máquina de escrever...

Vemos mais Déborah que Quintana, ou mais o Quintana de Debora, quando teríamos um ótimo espaço para criar a nossa própria Trebizonda. As imagens de Zorávia Bettiol, a música de Chico Ferretti e o figurino de Raquel Cappelletto, quietinhos, nos deixam livre para viajar. A interpretação de Deborah, impondo reações, vozes, movimentos, intensidades, não. A não ser quando a atriz está parada: contadora de histórias... Aí, sim, Aldeberan fica pertinho, esquecemos o frio do ar condicionado maluco do Câmara, e a história (ausente num espetáculo lírico) começa na nossa cabeça. O espetáculo, nesses raros momentos, deixa de ser só lindo e passa a ser subliminar, ou... quintanar!
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FICHA TÉCNICA
Textos e Poemas: Mario Quintana
Concepção, Roteiro e Atuação: Deborah Finocchiaro
Direção: Debora Finocchiaro e Jesse Oliveira
Imagens: Zoravia Bettiol
Trilha Sonora Original: Chico Ferretti
Iluminação: Fabrício Simões e Jessé Oliveira
Figurino: Raquel Capelletto
Produção: Deborah Finocchiaro e Elisete Idalgo
Realização: Companhia de Solos & Bem Acompanhados

21 de jan. de 2009

Pílula de Vatapá


Para quem consegue ver a flor e também pra quem consegue ver o asfalto

Fiquei pensando em comparar o nome “Pílula de Vatapá” com o que eu queria dizer sobre a peça a que assisti ontem na Alvaro Moreyra. Dizer que é a repetição de uma fórmula já vista em Bailei na Curva e vários filmes como Magnólia, Babel e outros com narrativa picotada disposta a fazer com que nós, assistência, unamos as pecinhas num só enredo. Também que não há nada de mal em repetir uma fórmula, afinal, pílulas nada mais são do que repetição de fórmulas. Terminar dizendo que vatapá e uma comida, uma receita culinária, e que dois cozinheiros juntos podem até fazer , ao mesmo tempo, com os mesmos ingredientes e usar o mesmo forno, mas o “vatapá” vai sair diferente porque a mão não será a mesma. Com isso, comentar que a mão “Júlio Conte” conta muito no bom resultado do processo. Mas preferi não usar isso, não repetir a fórmula que uso aqui no blog, embora não consiga fazer com que meus textos fujam da minha mão. A mesma mão que escreveu uma carta para Júlio Conte há quase 15 anos atrás dizendo da minha emoção de ter visto “Bailei na Curva”.

A trilha sonora e a luz são recursos que a produção utiliza muito bem. Não dão só o clima do espetáculo, mas também dizem sobre o que é a peça: de um lado, a rotina, o comum, o barulho da Rua da Praia, o horizontal, a breguice popular. De outro, o indivíduo, o interno, o psicótico, o desejo, o vertical, o único. E a narrativa foi uma ótima opção: entramos numa história disposto a conhecer, como o narrador informa, a vida de um personagem. Mas, ao entrar na história seguinte, descobrimos, num crescente, que há algo que liga, que junta, que aproxima, que horizontaliza. O poema de Drummond ( A flor e o asfalto) é a massa que faz com que os tijolos, já unidos, permaneçam assim mesmo com ventos e com tempestades.

A mão de Júlio Conte é hábil em esconder inexperiências, inseguranças, falta de domínio corporal e ausência de intenção de certos atores em meio à técnica e ao talento de outros. O resultado é uma impressão de grande trabalho de uns, mas a certeza de um bom trabalho de todos. Não há destaques no elenco, nem negativos, nem positivos, embora a cena entre pai e filho seja forte e grave na minha memória a boa interpretação de Lucas Sampaio. Embora também eu tenha ficado pensando que o comum (e pobre) seria o narrador-radialista ficar quietinho e não participar da trama, o que, felizmente, não acontece: Júlio Conte pulsa como o elenco que dirige.

“Pílula de Vatapá”, mesmo com um figurino improvisado e com um final que não é final, vale a pena ser visto porque nos faz pensar em quanto nos unimos uns aos outros e no quanto nos distanciamos uns dos outros. A Rua da Praia é uma só para ricos e pobres, mas só uns (tanto ricos, como pobres) podem tirar poesia de uma flor jogada nela.

16 de jan. de 2009

Como enlouquecer sua alma gêmea


A gente gosta dela. Ela tenta, mas não nos enlouquece...

Ela é bonita, bem arrumada, bem cuidada, com tudo no lugar com o maior capricho. É interessante... Nos faz rir, nos faz pensar sobre a nossa vida e nossos relacionamentos... É também honesta: a gente sente de cara qual é a proposta e ela se mantém fiel a isso até o fim. As roupas que ela usa são legais, os móveis mostram que é alguém que tem profundidade, a luz sob a qual ela vive é bem marcada. O jeito dela também: tanto Pedro Delgado, como Alda Silveira, a representam muito bem.

Às vezes, temos dúvida, às vezes, certeza de que estamos vendo uma dissertação sobre o relacionamento homem e mulher. Eu não sei quanto à platéia, que encheu o SESC, mas eu gosto muito mais de narrativa do que de dissertação.

Chega o verão e ele vai pedir um tempo pra ela, como fez nos quatro ou três anos anteriores. A peça fica nas horas que antecedem esse “pedido de tempo”. Está decidido: ele vai sim fazer isso. E, desde o primeiro minuto, sabemos que ela não vai gostar disso. Ou seja, do início até o fim, a diversão fica no trato deste gostar ou não gostar. E há diversão: grande na primeira meia hora, menor no resto do espetáculo. No fim, vi gente piscando na platéia. Juro!

Mesmo que tudo seja bom, sem história que sustente, é meio difícil de segurar a atenção. Fazer piadas de Grêmio x Inter, colocar o público no meio da relação, pedir que cantemos “Parabéns a você” nada mais é do que tentativas de nos acordar do marasmo. O que é uma pena, considerando o fato de que se trata de uma comédia de costumes muito bem produzida.

Vamos para o verão viver a vida. Valquíria ficará em Porto Alegre. A gente gosta dela: talvez, um dia, iremos casar com ela. Mas somos jovens e... Por melhor que ela seja, por mais que seja nossa alma gêmea, ela não nos enlouquece.

14 de jan. de 2009

Caminhos que cruzei, amigos que encontrei...


Pai de Divina Bondade, perdoai a Cia. Artiurbana


... por utilizarem o melodrama, tão rico e tão sólido, de forma tão pobre e superficial. A direção não percebeu que o gênero é excelente para o trato com o tema espiritualismo porque ressalta a moral, o ensinamento, a pregação de valores, a afirmação de uma teoria e, por isso, não permite que percamos tempo fazendo de conta que vemos fontes, copos de vinho, portas e armas. Se o vestido de noiva é visível, por que também a arma não é? Se o elenco não domina a técnica, por que um diretor insiste em criar convenções tão subjetivas?

... por permitir que os atores gritem tanto (sendo que o que mais grita é Luis Carlos Pretto, o próprio diretor, ator também do espetáculo), gastem tanto sua voz, e prejudiquem tanto os ouvidos da platéia a ponto de, sinceramente, dar vontade de levantar e pedir que diminuam o volume porque “a velhinha surda” da última fila é só uma historinha que a gente conta para o elenco projetar a voz. Ela, de fato, não existe. Ou, pelo menos, não sentaria na última fila...

... por permitir que uma concepção deixe que uma atriz perca o controle emocional em cena, numa ânsia de interpretar (?) bem, esquecendo que teatro é o trabalho do ator a não a vida dele. Memória afetiva (Stanislavski na veia!!) é recurso do ator para construir o personagem. Não é o personagem.

... por uma dramaturgia tão cheia de falhas: uma personagem, às vezes, é mãe, às vezes, é tia; o fim é preparado várias vezes, mas parece nunca chegar; um amontoado de cenas que tiram o foco da história, ainda que tratem do tema, e nos fazem ter dúvidas se o mais é importante é o teatro ou é a palestra espírita.

... por interpretações tão ruins, cheias de máscaras mal feitas, construções estereotipadas que nem no mais ingênuo teatro estudantil se paga para ver.

...por uma maquiagem digna de filmes trash e de dramatizações de colégio de freira, um figurino absurdamente pavoroso, sem referência, sem sentido, sem coerência e sem nem mesmo humor.

... por sair do melodrama (que já não está bem feito) e ir pra comédia (que também deixa a desejar) e, também tentando sem sucesso, se aventurar no terror (nonsense!).

... por uma trilha sonora executada em volume tão alto, cheia de clichês e ausência de criatividade.

... lotarem a Cia. De Arte com um público tão especial: pessoas que são só platéia, que não são de teatro, nem artistas em geral. Pessoas que vão atrás de um divertimento que lhes encha a alma e o que encontram é uma amostra de tudo aquilo que os grupos de teatro de Porto Alegre tentam construir enquanto qualidade, cuidado com a produção, criatividade, rigor.

...por venderem um espetáculo de 1h20 e nos obrigar a ficar sentado na platéia durante quase duas horas.

Mas te agradecemos, Pai que tudo sabe e tudo vê,

Pela interpretação de Gisele Faerman, possível de ser admirada mesmo nesse contexto tão decadente. Que ela, e por que não todos?, seja resgatada desse plano e ascenda a outros.

Amém.

12 de jan. de 2009

Clownssicos


Nós, reis dos alegres


Que o Palhaço era o Rei de Alegria eu já sabia. Rir de um palhaço, no entanto, era coisa que eu já não lembrava mais. (Lembrei agora da última vez? Sopa de Palhaços, do Nestor Monastério... ) O sujeito pode estar na maior fossa, sem saber se fossa se escreve com dois SS ou com Ç. Triste mesmo, chateado afuzel. Não adianta: quando a coisa é boa, ele vai rir. E, em Clownssicos, você não ri, você gargalha.

São seis palhaços a fazer palhaçadas: Laura Leão, Leo Maciel, Adriano Basegio, João Pedro Madureira, Larissa Sanguiné e Daniela Carmona, essa última diretora. Decidem provar pra você que também conseguem contar histórias mais profundas, mais tristes e se aventuram nas tragédias gregas, em Shakespeare, em Tchekov (meio chato... mas é porque os outros são muito legais!!), em Melodromas. E conseguem!!! A gente chora sim... Mas de tanto rir. Ou melhor, gargalhar.

As histórias vão se emendendo uma na outra como numa lona tosca e linda de circo. A gente tem a impressão de que nem eles, que dirá nós, sabem exatamente o que fazer. Eles, os palhaços. Os atores têm certeza. Têm certeza, mas não dão muito bola pra certezas. Não dão muita bola pra nada a não ser para o que são: reis da alegria. Nós, reis dos alegres, ficamos naquelas de louco pra participar, jogar pipoca e subir em elefante. Somos floresta na Escócia, ganhamos beijos na boca e batemos palmas. Só não de pé porque... Ah! Queremos mais!!!

O resto que se pode fazer é repetir porque o legal da comédia está em não ser chata, em não ser pesada, nem específica. Tá. A luz é linda. O figurino é uma bagunça maravilhosamente bem composta. A produção inteira é extremamente bem cuidada. A narrativa... Bem, eu não entendi o final. Ou acho que não. Mas tudo foi tão bom que nem dei bola... Tudo, estou certo disso, é pra que a gente tenha prazer de ver a Cia do Giro se enlouquecer em cena, rindo da gente e deles mesmos e de todo o teatro.

“Sonho de uma noite de verão” vem aí. Que bom!!

10 de jan. de 2009

Fragmentos Rodrigueanos


Marlise Damine e figurino: fragmentos

Quando a melhor esquete começa, as mulheres olham o relógio, os homens estão deitados nas poltronas e os mais jovens escorados nos joelhos. Começa a sexta história de Nelson Rodrigues, num box muito bem escolhido, lindamente figurinado e com uma belíssima interpretação de Marlise Damine. O que sobra é uma hora e meia (meldeuz) de equívocos.

O melodrama de Nelson Rodrigues é pleno na estrutura narrativa. A ação é cheia de viradas, os personagens vivem e sobrevivem de surpresas constantes, a ação é sempre exagerada, organizando e reorganizando as relações de forma a exigir deles posicionamentos inesperados. Só. Termina aí. Além disso, é Almodóvar, é Douglas Sirk, é Felix Caignet e não é Nelson Rodrigues, que é fenomenal porque faz um encontro entre o melodrama e o realismo. Os personagens são todos e sempre o resultado de uma observação realista naturalista da realidade (Brasil, anos cinqüenta por aí...). O resultado é uma construção realista psicológica de personagens em contextos melodramáticos. Nelson Rodrigues não escreve comédia. (Quem escreveu a Comédia da Vida Privada foi o Veríssimo.)

A produção da Companhia de Atores Independentes de Gravataí se esforça no melodrama e esquece o realismo. Torna peça o que é história e esquece de que quem conta a história é o personagem e não outra história. Oferece gratuitamente uma cesta de caras, bocas, olhares e sobrancelhas. Glau Barros e João Pinheiro mudam de voz, mascaram o corpo, puxam foco e interpretariam maravilhosamente bem se fosse uma farsa (Moliere, Martins Penna...). Como outros colegas, apresentam os personagens da mesma forma como Ane Minuzzo (quem assina a dramaturgia baseada nos contos de “Avida como ela é”) apresenta a história. Descritiva já é ação, essa muito bem conduzida. Os personagens são vítimas dela, o que é bem diferente de coreografia de mãos que apontam uniformemente para um personagem, uma marcação duríssima de entradas, saídas e paradas, uma voz empostada e nada natural, olhares ensaiados e total ausência de espontaneidade. O baile deveria estar só na história, não em quem conta ela. O público ri, mas sente que não há clima para riso. A risada fica presa, envergonhada, inconveniente. A história fica cansativa porque o sentido é jogado, mas não encontra interlocutor que consiga fazer relação entre o que o que acontece e o jeito como é mostrado.

Mas há Marlise Damine. Sem caras, sem bocas, sem gritos, nem braços. Ela sabe que o lugar disso é em “Como agarrar um marido antes dos 40” ou em “Joãozinho anda pra trás”. É simples, honesta, discreta e espontânea. Como também são as exceções Juliano Bittencourt no Alipinho e Guilherme Ferrera no Cunha. Como também é o figurino: discreto, eficiente, adequado. Marlise e o figurino, rebeldes à concepção, são os Fragmentos de Nelson na peça que tem esse título.

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FICHA TÉCNICA:

Direção: Paulo Adriane

Adaptação dos textos e assistência de direção: Anne Minuzzo

Elenco: Glau Barros, Guilherme Ferrêra, João Pinheiro, Juliano Bitencourt, Karine Rocha, Marlise Damine, Roberta Leivas e Vitor Santantônio

Trilha Sonora: Arthur Barbosa
Iluminação: Nara Maia
Figurinos: Glau Barros
Cenografia: Leandro Daitx
Coreografia: Guilherme Ferrêra
Criação Gráfica: Tânia Ruosas
Fotografias: Marilton Costae Hamilton Fialho
Produção: Paulo Adriane, Glau Barros e Leandro Daitx.

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