Fragmentos Rodrigueanos
Marlise Damine e figurino: fragmentos
Quando a melhor esquete começa, as mulheres olham o relógio, os homens estão deitados nas poltronas e os mais jovens escorados nos joelhos. Começa a sexta história de Nelson Rodrigues, num box muito bem escolhido, lindamente figurinado e com uma belíssima interpretação de Marlise Damine. O que sobra é uma hora e meia (meldeuz) de equívocos.
O melodrama de Nelson Rodrigues é pleno na estrutura narrativa. A ação é cheia de viradas, os personagens vivem e sobrevivem de surpresas constantes, a ação é sempre exagerada, organizando e reorganizando as relações de forma a exigir deles posicionamentos inesperados. Só. Termina aí. Além disso, é Almodóvar, é Douglas Sirk, é Felix Caignet e não é Nelson Rodrigues, que é fenomenal porque faz um encontro entre o melodrama e o realismo. Os personagens são todos e sempre o resultado de uma observação realista naturalista da realidade (Brasil, anos cinqüenta por aí...). O resultado é uma construção realista psicológica de personagens em contextos melodramáticos. Nelson Rodrigues não escreve comédia. (Quem escreveu a Comédia da Vida Privada foi o Veríssimo.)
A produção da Companhia de Atores Independentes de Gravataí se esforça no melodrama e esquece o realismo. Torna peça o que é história e esquece de que quem conta a história é o personagem e não outra história. Oferece gratuitamente uma cesta de caras, bocas, olhares e sobrancelhas. Glau Barros e João Pinheiro mudam de voz, mascaram o corpo, puxam foco e interpretariam maravilhosamente bem se fosse uma farsa (Moliere, Martins Penna...). Como outros colegas, apresentam os personagens da mesma forma como Ane Minuzzo (quem assina a dramaturgia baseada nos contos de “Avida como ela é”) apresenta a história. Descritiva já é ação, essa muito bem conduzida. Os personagens são vítimas dela, o que é bem diferente de coreografia de mãos que apontam uniformemente para um personagem, uma marcação duríssima de entradas, saídas e paradas, uma voz empostada e nada natural, olhares ensaiados e total ausência de espontaneidade. O baile deveria estar só na história, não em quem conta ela. O público ri, mas sente que não há clima para riso. A risada fica presa, envergonhada, inconveniente. A história fica cansativa porque o sentido é jogado, mas não encontra interlocutor que consiga fazer relação entre o que o que acontece e o jeito como é mostrado.
Mas há Marlise Damine. Sem caras, sem bocas, sem gritos, nem braços. Ela sabe que o lugar disso é em “Como agarrar um marido antes dos 40” ou em “Joãozinho anda pra trás”. É simples, honesta, discreta e espontânea. Como também são as exceções Juliano Bittencourt no Alipinho e Guilherme Ferrera no Cunha. Como também é o figurino: discreto, eficiente, adequado. Marlise e o figurino, rebeldes à concepção, são os Fragmentos de Nelson na peça que tem esse título.
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FICHA TÉCNICA:
Direção: Paulo Adriane
Adaptação dos textos e assistência de direção: Anne Minuzzo
Elenco: Glau Barros, Guilherme Ferrêra, João Pinheiro, Juliano Bitencourt, Karine Rocha, Marlise Damine, Roberta Leivas e Vitor Santantônio
Trilha Sonora: Arthur Barbosa
Iluminação: Nara Maia
Figurinos: Glau Barros
Cenografia: Leandro Daitx
Coreografia: Guilherme Ferrêra
Criação Gráfica: Tânia Ruosas
Fotografias: Marilton Costae Hamilton Fialho
Produção: Paulo Adriane, Glau Barros e Leandro Daitx.
1 Comentário:
Prometo pensar no assunto, Rodrigo. Acho que muito do que tu escreveu reflete o quanto ainda podemos melhorar. Obrigado. Mas dada a a profundidade (e fervorosidade)das tuas críticas, não teria sido mais construtivo ter ficado um pouco mais para conversar sobre a peça? Abraço
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