23 de nov. de 2009

O vendedor de palavras (por Helena Mello)

Foto: Vilmar Carvalho


Teatro de rua, a princípio, não é confortável. Pode ser ótimo, pode ser divertido, mas confortável não é. Porém, de nada adianta estar na melhor poltrona do teatro perfeito se o espetáculo não presta. Vamos acabar dando a qüinquagésima olhada no lustre para nos distrairmos. Aliás, era este o número de apresentações de O Vendedor de palavras, espetáculo de rua a que fui assistir no Parque Farroupilha.

Para mim, estar ao ar livre é sinônimo de liberdade. É verdade que, em Porto Alegre, não é difícil o clima não atrapalhar. Se não é a chuva, é um calor úmido bem desagradável. Pior ainda para os atores que, até o último minuto, não sabem se vai ser possível apresentar o espetáculo. Mas eles estavam lá. E, diferente do que eu imaginara, com cenário a ser montado. Poucas coisas, mas com uma característica que eu aprecio muito: objetos que se transformam em outros. Então, em poucos minutos, estávamos olhando para uma estante cheia de livros que iria se transformar em um píer. Outros pequenos detalhes e as cenas estavam completas.

O nome do espetáculo, para mim que sou jornalista, já me atraia muito. Atiçava minha curiosidade. Haveria um jeito de pagar minhas dívidas só com palavras? Não precisaria ser contratada por uma grande empresa? Ser escritora? Bem, teria que pagar para ver, quer dizer, neste caso, só ficar para ver já que não cobravam nada. A peça é baseada na crônica de Fábio Reynol, jornalista também. Provavelmente por isso eu tenha gostado da idéia.


Levei o afilhado de minha irmã comigo. Ele não tem ainda o hábito de ver teatro, então, me perguntou quando começaria o show. Eu expliquei que não era um show. Que era um espetáculo. Uma palavra que também serve para show. Mas que nós íamos ver uma peça. É... Usar as palavras não é assim tão fácil. Ainda mais quando, logo no início, um dos atores fala justamente que vai fazer um “show de teatro”. Fui desmentida.

O Vendedor de palavras começa com certa improvisação, chamando o público com música. Uma melodia agradável e comunicativa. Aos poucos, vai sendo contada a história. Uma? Não, várias. A dos avós, a dos pais e a do menino protagonista e sua amada. Dois atores fazem todos os personagens: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler. E é um prazer ver que nenhum se destaca. Ambos são ótimos em cena. Confesso que me divirto muito com o sotaque alemão da Fernanda. Com certeza, não é fácil manter esta fala diferenciada de um jeito tão bem feito, ainda mais quando se faz mais de um personagem. Já conhecia Carlos Alexandre da Comédia dos Erros, então, quando o vi, sabia o que podia esperar. Seus personagens são carismáticos e convincentes. Desculpem. Não sei falar de atuação sem usar adjetivos. Talvez, se eu pudesse comprar algumas palavras... Pronto! Nem achei clientela para vender as minhas e já estou pensando em comprar! Era só no que eu pensava quando começaram a oferecer o significado de “histriônico” a cinqüenta centavos. Claro que eu queria. Ainda bem que, lá pelas tantas do espetáculo, a palavra foi revelada. Por isso, passo adiante também de graça. Histriônico é engraçadinho!

As mudanças de figurino acontecem diante de nós. Nem por isso, eles deixam de nos convencer. Ao contrário, todos os personagens estão definidos. São divertidos e inteligentes. Preciso dizer que adoro esta combinação. Algo que faça rir e pensar ao mesmo tempo. Não é perfeito? E é justamente o que fazem algumas falas como: “Por que eu sozinho vou ler para o mundo se o mundo inteiro pode ler sozinho?”

A coordenadora do Instituto Estadual de Artes cênicas, Rosa Campus Velho, estava lá e agüentou firme os 40 minutos de espetáculo. Espero que ela tenha achado que valia a pena. Eu saí com uma palavra a mais e com certeza muito mais pensamentos. Bom, acho que devo dizer que histriônico pode ser também bobo, ridículo, comediante, charlatão...Desta vez, vou doar as minhas palavras, mas na próxima...

O vendedor de palavras é o primeiro espetáculo do Grupo Mototóti e foi contemplado com o Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz 2008 – Ministério da Cultura.

* Crítica publicada no blog Palcos da Vida.

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Concepção e Atuação: Carlos Alexandre e Fernanda Beppler
Direção: Arlete Cunha
Dramaturgia: Rodrigo Monteiro
Trilha Sonora Original: Fernanda Beppler
Cenografia: O Grupo com a colaboração de Zoé Degani
Máscaras e Boneco - criação e confecção: Paulo Martins Fontes e Eduardo Custódio - Cia Gente Falante Teatro de Bonecos
Figurinos: Coca Serpa
Desing Gráfico: Carlos Alexandre
Produção e Realização: Grupo Mototóti

1 Comentário:

Rodrigo Monteiro disse...

Parabéns ao grupo pela delicadeza em oferecer essa apresentação ao saudoso Zé Mário Storino, cuja missa de sétimo dia será celebrada na próxima 3a f. 18h na Capela do Divino Espírito Santo, atrás do HPS.

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