28 de nov. de 2009

Projeto Picasso: um sonho

Dizer e não dizer não é uma questão.


“Projeto Picasso: Um Sonho” é uma peça infantil.

1) Seus personagens não são nada abobados, metidos a adultos coloridos com entonações agudas, movimentos frágeis e feições artificialmente brilhantes. Os cinco atores gastam o seu tempo preenchendo o nosso com vivacidade, alegria e muito vigor. Em cada presença e em cada ausência mostram estar, ou não estar quando se promove a plenitude, inteiros. Ninguém é parte cujo todo é uma história, mas cada um é uma história em si. Em se tratando de um texto que remete a Pablo Picasso, para mim e para meus olhos, isso é o cubismo aplicado de forma inteligente na construção de uma figura dramatúrgica.

2) O ritmo é continuo, sem crescentes ou buracos. O espetáculo inteiro é um lugar de indeterminação: os movimentos de cena do coletivo de elementos (trilha, iluminação e elenco) que se apresentam sem anunciar nada além de si mesmos. O sentido é sempre dado por quem vê num esforço em enganar quem pensa que sabe o que o grupo quer dizer. O Grupo Barraquatro quer dizer algo, mas, dizendo, não diz que algo é esse. Ouvindo, quem tem que dizer somos nós. Os acontecimentos que juntos são um só pairam diante de nós como, desculpem a clichezisse do exemplo, o mar: as ondas nunca são as mesmas, você já viu o mar mil vezes, mas não é possível fazer de conta que ele não está ali ou não dar-lhe crédito. Ao menos dois segundos, você tem que dar inteiramente a ele, ao seu som, à sua energia. “Projeto Picasso” está ali. Ponto.

3) Há colorido. Há emoção. Há aventuras e brincadeiras. Leveza e Pesadeza estão juntas no mesmo objeto, como sempre. É de adulto considerar que algo é leve ou é pesado. No fundo,tudo é leve e tudo é pesado. O Grupo Barraquatro pega esse conceito de jeito: ri com coisas sérias, sem transformá-las em bobas. As coisas são como são. Estão ali. Crianças preferem rir. Choram só quando estão cansadas de rir. 4) A dramaturgia é. Com olhos atentos podemos até reconhecer que há um pulo no passado: fala-se da menina que morreu e ficou dias com o corpo no armário e entender que essa é a história. Mas pode-se achar que tudo isso é brincadeira sem nexo, com sentido, por prazer. As cenas se sucedem pelo ventura de acontecer-se. A brincadeira de esconde-esconde, os tecidos brancos a correr e esconder grandes malas e meninas atrás delas, “Você sabe que horas são?”, o casamento, o namoro, o banho.

Pausa pro suco:

Thiago Pirajira está excelente em cena. Seus olhos expressam uma imensa sinceridade, uma energia tão cativante que nos deixa muito a vontade em rir, em brincar, em participar com ele. Com a agilidade e a técnica de um trabalho que vem da academia, com todo o valor que isso proporciona, sua interpretação nos motiva a permanecer olhando.

A direção de Júlia Rodrigues prende sabendo que, nesse caso, é necessário em soltar. Solta-se com muito cuidado: as atrizes estão muito afinadas em suas melodias individuais, tudo segue a mesma ordem: "desordem, mas com bom gosto, por favor!". Fiquei muito tempo pensando que o espetáculo era lírico demais. E, sim, é. Por isso, tão cheios de valores, alguns deles apontados aqui.

5) Por isso, infantil. No dia em que eu fui, havia crianças na platéia. Riram, se divertiram entre adultos sérios tentando reconhecer os sentidos. Minha tese de que “Projeto Picasso: um sonho” é infantil nada mais é do que uma adultice descarada e inútil. Mas é porque gostei muito de ter visto. É minha forma de dizer que quero ser criança ou, ao menos, gostar sem ter que dizer porquê.

Se digo é porque quero gostar mais. Voltem.

*

Inspirado no texto “As quatro meninas”, de Pablo Picasso.

Elenco:
Carolina Pommer
Daniela Dutra
Juliana Morosini
Kaya Rodrigues
Thiago Pirajira

Direção: Júlia Rodrigues
Orientação: Irion Nolasco e Gisela Habeyche
Iluminação: Bathista Freire
Trilha Sonora: Júlia Rodrigues

2 Comentários:

Helena Mello disse...

Também tinha ficado muito feliz ao ver este espetáculo que voltou, felizmente, em cartaz. http://palcosdavida.blogspot.com/2008/12/projeto-picasso-um-sonho-realizado.html

Alvaro RosaCosta disse...

Baita espetáculo!!
Quando assisti fiquei bem contente, principalmente por se tratar de um trabalho acadêmico muito bem resolvido, poético e maduro!
Estão todos de parabéns!!

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