Era uma vez... uma fábula assombrosa
Foto: Kiran
Quando presença não nos lembra da ausência*
Nem sempre é possível reconhecer o não-dito. Mas, quando é, quando o não-dito fica claro, é porque há a ausência do dito. O dito está na escuridão. Como numa gangorra, o dito valoriza o não-dito e vice-versa, cabendo à física dos sentidos narrativos, em situação teatral, utilizar-se ora de um, ora de outro para contar a sua história e dizer a que veio. O mesmo jogo se dá para a relação claro e escuro, cor e ausência dela, espaço vazio e multidão seja lá do quê. Embora não seja possível controlar o entrelaçamento dos signos não-intencionais, a existência dos signos assumidamente propostos apontam, inclusive, para a presença dos não-propostos. O sim sempre nos faz lembrar do não e terceiras opções cheiram à desorganização.
“Era uma vez... uma fábula assombrosa”, produção que marca o aniversário do Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais, é uma organização cênica que deixa a desorganização muito em cima na gangorra dos sentidos. Em termos plásticos, os figurinos enchem os olhos, a música enche o espaço, os objetos enchem o palco. Nada, porque não se unem, enche o coração. E não é com alegria que se percebe o porquê.
Fritz Lang, um diretor alemão, fez um grande filme nas vésperas do cinema falado acontecer. Metrópolis surgiu em 1926, um ano antes de O Cantor de Jazz, contando a história de Maria, funcionária de uma grande fábrica, que incitava seus pares a se rebelar contra o regime, contando com a ajuda de seu amado, o filho do prefeito. As imagens, hoje sabemos vinculadas ao Expressionismo Alemão, apontavam para os desafios propostos pelo progresso: tecnocentralidade, o apagamento da individualidade, a bestialização. Em 153 minutos, não ouvimos uma palavra. Graças aos estudos da comunicação, sabemos que o termo “mudo” para o cinema não-falado é um equívoco. Quem chamamos de “mudos” (pessoas fisicamente impossibilitadas de se expressarem via oral) se comunicam muito bem. Assim, falado/não-falado é uma categoria diferente de mudo/comunicador. Metrópolis, ao utilizar-se do encadeamento de imagens cinematográficas (sombras), não usa a voz por motivos técnicos, mas deixa claro que esse impedimento não o impede de comunicar-se com seu público mesmo oitenta anos depois de sua estréia.
Não há comunicação em “Era uma vez...”, um espetáculo que, usando lindas roupas, belas maquiagens, uma trilha muito bem executada, recursos cheios de potencialidades e baseado num tema pra lá de interessante, é mudo.
Como na tradicional entrada do que conhecemos por “teatro de rua” em Porto Alegre, os atores entram em cortejo e ficamos sabendo (“Olha a comunicação aí, gente!!) que a peça começou. A seguir, e até o fim, uma exibição de jogos, de técnicas, de combinações, de marcações que, saindo do palco, não chegam ao público que fica à espera de uma ligação que não se estabelece. Tem-se a impressão de que a regra “Não pode falar” é quem norteia o não-dito e não o discurso que, podendo-se utilizar do silêncio para dizer algo de uma melhor forma, fala em alguns momentos. No (primeiro) trabalho dirigido por Vera Pareza, nem o que não se diz aponta para que o se diz, nem o progresso aponta para a falta de.
A bela inspiração em Claudios Ceccon só é válida se, utilizando-se do teatro e de seus intérpretes, novos sentidos ao texto inicial lhes forem acrescentados. Que o Teatro de Sombras só venha a público se acrescentar algo de um jeito que, de outra forma, não aconteceria. Que a forma se sujeite ao conteúdo e que a produção de um espetáculo venha coroar os dez anos do Oigalê, grupo que, não por esse espetáculo, é tão caro ao Teatro Gaúcho.
* Crítica também publicada na Revista Informe C3 #3.
“Era uma vez... uma fábula assombrosa”, produção que marca o aniversário do Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais, é uma organização cênica que deixa a desorganização muito em cima na gangorra dos sentidos. Em termos plásticos, os figurinos enchem os olhos, a música enche o espaço, os objetos enchem o palco. Nada, porque não se unem, enche o coração. E não é com alegria que se percebe o porquê.
Fritz Lang, um diretor alemão, fez um grande filme nas vésperas do cinema falado acontecer. Metrópolis surgiu em 1926, um ano antes de O Cantor de Jazz, contando a história de Maria, funcionária de uma grande fábrica, que incitava seus pares a se rebelar contra o regime, contando com a ajuda de seu amado, o filho do prefeito. As imagens, hoje sabemos vinculadas ao Expressionismo Alemão, apontavam para os desafios propostos pelo progresso: tecnocentralidade, o apagamento da individualidade, a bestialização. Em 153 minutos, não ouvimos uma palavra. Graças aos estudos da comunicação, sabemos que o termo “mudo” para o cinema não-falado é um equívoco. Quem chamamos de “mudos” (pessoas fisicamente impossibilitadas de se expressarem via oral) se comunicam muito bem. Assim, falado/não-falado é uma categoria diferente de mudo/comunicador. Metrópolis, ao utilizar-se do encadeamento de imagens cinematográficas (sombras), não usa a voz por motivos técnicos, mas deixa claro que esse impedimento não o impede de comunicar-se com seu público mesmo oitenta anos depois de sua estréia.
Não há comunicação em “Era uma vez...”, um espetáculo que, usando lindas roupas, belas maquiagens, uma trilha muito bem executada, recursos cheios de potencialidades e baseado num tema pra lá de interessante, é mudo.
Como na tradicional entrada do que conhecemos por “teatro de rua” em Porto Alegre, os atores entram em cortejo e ficamos sabendo (“Olha a comunicação aí, gente!!) que a peça começou. A seguir, e até o fim, uma exibição de jogos, de técnicas, de combinações, de marcações que, saindo do palco, não chegam ao público que fica à espera de uma ligação que não se estabelece. Tem-se a impressão de que a regra “Não pode falar” é quem norteia o não-dito e não o discurso que, podendo-se utilizar do silêncio para dizer algo de uma melhor forma, fala em alguns momentos. No (primeiro) trabalho dirigido por Vera Pareza, nem o que não se diz aponta para que o se diz, nem o progresso aponta para a falta de.
A bela inspiração em Claudios Ceccon só é válida se, utilizando-se do teatro e de seus intérpretes, novos sentidos ao texto inicial lhes forem acrescentados. Que o Teatro de Sombras só venha a público se acrescentar algo de um jeito que, de outra forma, não aconteceria. Que a forma se sujeite ao conteúdo e que a produção de um espetáculo venha coroar os dez anos do Oigalê, grupo que, não por esse espetáculo, é tão caro ao Teatro Gaúcho.
* Crítica também publicada na Revista Informe C3 #3.
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Texto Claudius Ceccon
DireçãoVera Parenza
DireçãoVera Parenza
Elenco
Carla Costa
Hamilton Leite
Ilson FonsecaPaulo Brasil
Roberta Darkiewicz
Trilha Sonora e Preparação Musical Mateus Mapa e Simone Rasslan
FigurinoAlexandre Magalhães e Silva
Cenário Paulo Balardim
Cenografia e construção de silhuetas de sombras Paulo Balardim
Criação de luz Giancarlo Carlomagno
Arte Gráfica Vera Parenza
Produção Oigalê - Cooperativa de Artistas Teatrais
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