20 de mar. de 2009

Negros Dias




Quando nasce uma bolha

Tenho lido sobre a diferença existente entre o conceito de separar e o de distinguir. O primeiro me passa a idéia de espaço, de distanciamento físico, de exclusão. O segundo de (re)afirmação de identidade(s), de qualificação, de aprofundamento. É possível distinguir o amor da amizade, mas não se consegue, de todo, separar um sentimento doutro, por exemplo. Em questões de raça, ao ver um afro-descendente de olhos verdes, distinguimos as origens, mas não separamos seu sangue. Há muito de masculino numa mulher. Confundir os gêneros, no entanto, é uma discussão para outro momento. Voltando ao banal, eu, no chão do box do meu banheiro, refletia a respeito da água ensaboada. Até que ponto eu conseguiria separar o sabonete derretido da água quente? O mundo é cada vez mais híbrido nos seus diversos aspectos, respeitadas as diferenças e asseguradas as distinções.
Marcelo Adams, autor do espetáculo “Negros Dias”, escreve uma comédia baseada no que se sabe sobre melodrama. Uma imagem: em lados opostos, um casal corre para os braços um do outro numa areia de praia ao entardecer. A música romântica da cena divide espaço com as risadas que já damos na platéia. Os olhos brilhantes dos personagens não ofuscam o tom de deboxe que exalamos. O que emocionava nas novelas da TV há trinta anos atrás, hoje, nos faz rir. Melodrama nunca foi comédia, assim como comédia nunca foi melodrama. No texto de Adams, no entanto, podemos distinguir os dois gêneros, mas não separá-los. Em 1888, no Brasil, os escravos foram libertos, mas, por muito tempo, a fazenda permaneceu sendo seu lugar de trabalho.
A direção, firme como sempre, de Margarida Leoni Peixoto organiza o que se constrói no palco em termos de gênero. De um lado, entradas afetadas da Senhora de Mont´Serrat, uma chuva de cuspes, chicotadas e mais chicotadas. Altas risadas e choros exagerados são música para grandes intrigas burguesas numa produção que conta com belíssimos figurinos e adereços dispostos entre quatorze atores. De outro, uma trilha que conta com Michel Jackson como base para uma marcação de entrada de uma escrava, além de uma sequência de inserções a la “Globo Ciência” e um forte apelo sexual que culmina com a defesa da liberdade, inclusive, sexual. A ferrenha manutenção dos valores tradicionais do melodrama se encontra com a originalidade da comédia, tal qual o sabonete quente com a água também quente do chuveiro. Quem, em sã consciência, vai ficar pensando sobre gêneros teatrais dentro do box do banheiro ou mesmo sentado na platéia de uma peça que se mostra tão bem cuidada?
É de boas interpretações de que se serve a produção. Micaela (Cláudia Rocha), Tonhão (Rafael Fagundes) e as Senhoras de Mont’Serrat e Passo D’Areia (Carla Gasperin e Cláudia Lewis) são fortes figuras cênicas, cujos olhos são distintos, mas nunca separados de seus corpos presentes. Jacó (Tiago Cristóforo) e Feitosa (Alcione Rosa), mas, sobretudo, Esaú (Lorenzo Fontana) e Marta (Luana Rodrigues) constroem imagens resultantes de construções visíveis de seus personagens. Entre todos, é interessantíssimo o trabalho de Márcia Ilha Marques, a Bá, que, ao mesmo tempo, é naturalmente forte e sustenta uma personagem muito bem construída que provoca na assistência o riso da comédia e o enternecimento do melodrama.
O início das intrigas e o fechamento particular de cada uma delas nos lembra que chuveiro gasta muita luz e é hora de parar de refletir. Uma vez baseado num gênero que se sustenta sobre a hipótese de que todos sabemos, no início, como tudo vai terminar e não nos interessa saber o quê mas o como as coisas vão acontecer, Marcelo Adams, Margarida Leoni Peixoto e seu grupo integrante do Projeto Novas Caras, sabem que o final se arrasta um pouco além do preferível. De dedos murchos, saímos do teatro com a certeza de termos conseguido distinguir uma ótima produção, ainda melhor porque se apresenta como uma negativa em separar-se das demais da capital, mesmo sendo resultado de uma oficina de construção de espetáculos.

Nem sempre isso ocorre, mas, nesse caso, o encontro da água com o sabonete, virou uma leve bolha colorida!



Ficha Técnica

Texto de Marcelo Adams
Direção por Margarida Leoni Peixoto
Assistente de Direção e Sonoplastia: Silvana Sílvia
Iluminação: Carlos Azevedo
Figurinos: Rô Cortinhas
Trilha Sonora ao Vivo: o grupo
Maquiagem e Trilha Sonora: o grupo e Margarida Leoni Peixoto

Elenco:

Alcione Rosa
Alvides Puerari
Carla Gasperin
Claudia Lewis Nicotti
Cláudia Rocha
Fernanda Martins
Lorenzo Baroni Fontana
Luana Rodrigues
Luana Terribile
Mafalda Guerreiro da Costa
Márcia Ilha Marques
Rafael Fagundes
Sibele Barão
Tiago Cristóforo

5 Comentários:

Anônimo disse...

Eu não vi a peça ainda, mais certa mente irei ver, até por que Márcia Ilha Marques é minha atual colega no Curso de Formação do Teatro Sarcáustico, mais quero falar na verdade como é legal tu estar fazendo uma critica de uma peça do novas caras, parece bobagem mais esse ano é o terceiro ano que vou participar do projeto, em junho com Projeto 1: Desejo com direção da Julia Rodrigues, e nos outros anos nunca vi alguém fazendo criticas das peças no novas caras, por que não tinha. É muito importante para nós que estamos começando esse espaço de reflexão sobre nossos trabalhos, e não só a nossa mãe falando como é legal, brincadeiras a parte o que eu quero dizer é que teu blog é muito oportuno para o teatro de Porto Alegre evoluir, acompanho sempre e sempre pretendo acompanhar, abraços.

Anônimo disse...

Eu não vi a peça ainda, mais certa mente irei ver, até por que Márcia Ilha Marques é minha atual colega no Curso de Formação do Teatro Sarcáustico, mais quero falar na verdade como é legal tu estar fazendo uma critica de uma peça do novas caras, parece bobagem mais esse ano é o terceiro ano que vou participar do projeto, em junho com Projeto 1: Desejo com direção da Julia Rodrigues, e nos outros anos nunca vi alguém fazendo criticas das peças no novas caras, por que não tinha. É muito importante para nós que estamos começando esse espaço de reflexão sobre nossos trabalhos, e não só a nossa mãe falando como é legal, brincadeiras a parte o que eu quero dizer é que teu blog é muito oportuno para o teatro de Porto Alegre evoluir, acompanho sempre e sempre pretendo acompanhar, abraços.

Marcelo Ádams disse...

Rodrigo, como sempre tu tens uma forma muito interessante e precisa de analisar os espetáculos. Concordo contigo em tudo, inclusive na duração. Mas, como tu sabes, trata-se de uma peça escrita especialmente para esses alunos, e era necessário privilegiar a todos os 14 com bons personagens, e com um desenvolvimento adequado para eles. Assim, tivemos que alongar a história um pouco, diferentemente do que faríamos se se tratasse de um trabalho sem intenções didáticas. Obrigado por tua presença!

Anônimo disse...

Nem vim falar sobre o conceito de diferenças e distinções. Vim apenas elogiar a feliz escolha da música-trilha do blog. Viva o Portinho; viva os anos 70 e 80; viva os anos vindouros; viva os nossos dedinhos enrugados de tanto dedilhar teclados e pensar à vida. Até 2012 você vai ter que tirar o acento de idéia e platéia. rs.
Que nossas bolhinhas de sabão sejam sempre alegres e coloridas! Muitos beijos.

Chaplin RS disse...

The Best! Adorei. Abraços e sucesso

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