Sonho de uma noite de verão
A língua da serpente
“Meus caros amigos,
Após 22 anos como diretor desse teatro, vou fazer um pequeno discurso sem ter o menor talento para isso. Improvisar não é o meu forte. Diferente do meu pai, que era um grande orador, meu único talento, se é que pode ser chamado assim, é o afeto que tenho pelo nosso pequeno mundo, àqueles que trabalham no teatro, entre estas paredes. Sim, todos são caros a mim como eu a eles. Lá fora, está o grande mundo e sua realidade que o nosso pequeno mundo reflete fugidiamente e nos revela um pouco do seu mistério. Proporcionamos às pessoas que aqui vêm, por um breve instante, uma chance de esquecer, por alguns segundos, o rosto severo. O rosto da realidade. E a dureza do mundo exterior. Nosso teatro é um refúgio do triunfo, do fazer bem, da consciência profissional e do amor.”
(Fanny & Alexander (Ingmar Bergman, Suécia, 1982)
**************
Viajamos no tempo, no espaço e na dimensão quando uma produção teatral é nos apresentada dignamente, como é o caso de “Sonho de uma noite de verão”,de Shakespeare, de Daniela Carmona, de Adriano Baségio, da Cia do Giro E NOSSA. Não resolvemos os problemas, não mudamos a cara da realidade, nem tampouco chegamos a esquecer de que estamos sentados num teatro junto de uma pequena multidão de pessoas. Mas mudamos o foco, alteramos o ponto de vista, relaxamos a testa e distendemos os dentes para sorrir.
O visual, o sonoro, o majestoso, o imponente e o leve de um sussurro numa noite de verão não só permite como, principalmente, estimula os espíritos desprevenidos (e também os espíritos chatos) a sonharem. Embarcamos na proposta e entramos na floresta habitada de seres mágicos, fadas, elfos, rainhas e reis, jovens, velhos e camponeses. Puck, Titânia, Oberon, Lisandro e Demétrio, Helena e Hérmia, fadas e trabalhadores a lutar contra a escuridão de uma noite, de um palco, de uma platéia usando suas armas, luzes, ensaios, talentos, técnicas, estudos, possibilidades. Preenchem. Lotam. Aumentam. Ganham o coração da noite e tornam claro o espaço cênico bem como embalam as poltronas da assistência. Como dizem os pseudo-atores que preparam uma peça para o casamento do Príncipe Teseu e da Princesa Hipólita, há muito trabalho a fazer quando o objetivo é entreter. E, embora não interesse saber o processo, o produto exorta suor, quando o houve no passado.
Por mais que as cenas de Atenas sejam desprovidas da mesma intensidade ( o ritmo diminui logo quando termina o prólogo e entra um monocórdio e nervoso Egeu, acompanhado de um também monocórdio e duro Teseu), é nas cenas de Titânia, Puck, Oberon e Píramo que nossa imaginação e prazer moram. Por outro lado, a emoção está na velocidade do troca-troca por que passam os personagens Lisandro – Hérmia – Demétrio – Helena (estranhamente parecida com “Betty a feia”), esses há tantos séculos (mais de quatro!) arrebatando platéias no mundo todo quando mostram, como é o caso, criação, energia, disponibilidade e segurança. É diversão garantida para quem não tem medo da realidade, mas gosta de manipulá-la com uma trilha tão bem escolhida, um figurino tão bem desenhado e uma luz tão criativamente utilizada.
Tisbe, o muro e Píramo são o melhor conjunto do conjunto e, ao mesmo tempo, o pior. O melhor porque os três ótimos atores (Léo Maciel, Laura Leão e Arlete Cunha) divertem divertindo-se porque sabem que o trabalho que deu para construir todas aquelas partituras já ficou para trás. São, infelizmente o pior, porque, no Porto Verão Alegre, funcionam como despertador. Acordam-nos dessa noite agradável de verão para a realidade de tantas produções onde um muro é uma roupa qualquer, uma peruca é uma donzela e uma vela é a lua. Um ensaio de uma noite é o suficiente para ganhar uns ducados e não ir à forca.
*************
Não, Puck. Não nos causou enfado. Ao contrário, Bom Robin, até a língua da serpente acalmaria com teus amigos das sombras.
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ELENCO:
Adriano Basegio
Arlete Cunha
Gustavo Razzera
Daniela Carmona
Fernanda Nascimento
Francisco de los Santos
João Pedro Madureira
Larissa Sanguiné
Laura Leão
Leo Maciel
Luiza Ollé
Rafael Tombini
Tássia Pfeifer
Tatiana Vinhais
Ticiana Bernardon
FICHA TÉCNICA:
Direção: Adriano Baségio e Daniela Carmona
Cenário e Figurinos: Antônio Rabadan
Iluminação: Fernando Ochôa
Trilha Sonora: Fábio Mentz, Adriano Baségio e Álvaro RosaCosta
“Meus caros amigos,
Após 22 anos como diretor desse teatro, vou fazer um pequeno discurso sem ter o menor talento para isso. Improvisar não é o meu forte. Diferente do meu pai, que era um grande orador, meu único talento, se é que pode ser chamado assim, é o afeto que tenho pelo nosso pequeno mundo, àqueles que trabalham no teatro, entre estas paredes. Sim, todos são caros a mim como eu a eles. Lá fora, está o grande mundo e sua realidade que o nosso pequeno mundo reflete fugidiamente e nos revela um pouco do seu mistério. Proporcionamos às pessoas que aqui vêm, por um breve instante, uma chance de esquecer, por alguns segundos, o rosto severo. O rosto da realidade. E a dureza do mundo exterior. Nosso teatro é um refúgio do triunfo, do fazer bem, da consciência profissional e do amor.”
(Fanny & Alexander (Ingmar Bergman, Suécia, 1982)
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Viajamos no tempo, no espaço e na dimensão quando uma produção teatral é nos apresentada dignamente, como é o caso de “Sonho de uma noite de verão”,de Shakespeare, de Daniela Carmona, de Adriano Baségio, da Cia do Giro E NOSSA. Não resolvemos os problemas, não mudamos a cara da realidade, nem tampouco chegamos a esquecer de que estamos sentados num teatro junto de uma pequena multidão de pessoas. Mas mudamos o foco, alteramos o ponto de vista, relaxamos a testa e distendemos os dentes para sorrir.
O visual, o sonoro, o majestoso, o imponente e o leve de um sussurro numa noite de verão não só permite como, principalmente, estimula os espíritos desprevenidos (e também os espíritos chatos) a sonharem. Embarcamos na proposta e entramos na floresta habitada de seres mágicos, fadas, elfos, rainhas e reis, jovens, velhos e camponeses. Puck, Titânia, Oberon, Lisandro e Demétrio, Helena e Hérmia, fadas e trabalhadores a lutar contra a escuridão de uma noite, de um palco, de uma platéia usando suas armas, luzes, ensaios, talentos, técnicas, estudos, possibilidades. Preenchem. Lotam. Aumentam. Ganham o coração da noite e tornam claro o espaço cênico bem como embalam as poltronas da assistência. Como dizem os pseudo-atores que preparam uma peça para o casamento do Príncipe Teseu e da Princesa Hipólita, há muito trabalho a fazer quando o objetivo é entreter. E, embora não interesse saber o processo, o produto exorta suor, quando o houve no passado.
Por mais que as cenas de Atenas sejam desprovidas da mesma intensidade ( o ritmo diminui logo quando termina o prólogo e entra um monocórdio e nervoso Egeu, acompanhado de um também monocórdio e duro Teseu), é nas cenas de Titânia, Puck, Oberon e Píramo que nossa imaginação e prazer moram. Por outro lado, a emoção está na velocidade do troca-troca por que passam os personagens Lisandro – Hérmia – Demétrio – Helena (estranhamente parecida com “Betty a feia”), esses há tantos séculos (mais de quatro!) arrebatando platéias no mundo todo quando mostram, como é o caso, criação, energia, disponibilidade e segurança. É diversão garantida para quem não tem medo da realidade, mas gosta de manipulá-la com uma trilha tão bem escolhida, um figurino tão bem desenhado e uma luz tão criativamente utilizada.
Tisbe, o muro e Píramo são o melhor conjunto do conjunto e, ao mesmo tempo, o pior. O melhor porque os três ótimos atores (Léo Maciel, Laura Leão e Arlete Cunha) divertem divertindo-se porque sabem que o trabalho que deu para construir todas aquelas partituras já ficou para trás. São, infelizmente o pior, porque, no Porto Verão Alegre, funcionam como despertador. Acordam-nos dessa noite agradável de verão para a realidade de tantas produções onde um muro é uma roupa qualquer, uma peruca é uma donzela e uma vela é a lua. Um ensaio de uma noite é o suficiente para ganhar uns ducados e não ir à forca.
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Não, Puck. Não nos causou enfado. Ao contrário, Bom Robin, até a língua da serpente acalmaria com teus amigos das sombras.
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ELENCO:
Adriano Basegio
Arlete Cunha
Gustavo Razzera
Daniela Carmona
Fernanda Nascimento
Francisco de los Santos
João Pedro Madureira
Larissa Sanguiné
Laura Leão
Leo Maciel
Luiza Ollé
Rafael Tombini
Tássia Pfeifer
Tatiana Vinhais
Ticiana Bernardon
FICHA TÉCNICA:
Direção: Adriano Baségio e Daniela Carmona
Cenário e Figurinos: Antônio Rabadan
Iluminação: Fernando Ochôa
Trilha Sonora: Fábio Mentz, Adriano Baségio e Álvaro RosaCosta
1 Comentário:
Que bom que eles vêm pro Rio. Vou prestigia-los por dois motivos: primeiro pelo belo texto e, em segundo, pela direção. Sou fã incondicional. Merda pra eles!
Ah... a Carmona, além de minha mestra, é meu pezinho de coelho.
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