21 de fev. de 2009

Entrevista com espíritos


“Ela diz que não pode falar agora, mas que, no futuro, todos saberemos.”

(Entrevista com Espíritos, Luis Carlos Pretto, fala do personagem Bruno)


Talvez tenha sido eu quem tenha entendido errado a proposta. Mas penso em teatro assim: eu chego na sala e me sento. Começo a olhar o que tenho para ser olhado: um folder, um cartaz, um cenário a minha espera... Escuto a música de fundo, olho para as pessoas... Isso tudo vai entrando na minha mente e me dizendo, mais ou menos, sobre o que é a peça, o que está por vir. Procuro me afastar do antes: da sinopse que procuro não ler, de outras peças do mesmo grupo, de opiniões que a mim chegaram. Me coloco na posição de quem nunca veio ao teatro, o público mais raso que eu possa ter no meu blog. Assim, consigo não fazer comparações entre trabalhos, não levar opiniões sobre uma produção à outra, e julgar utilizando como referencial aquilo que consigo visualizar enquanto proposta inicial. Contemplo o objetivo e vejo como ele foi alçando, independente do fato de que concordar com ele ou não, gostar dele ou não. Depois de ter assistido à “Entrevista com espíritos”, cheguei à conclusão de que ou a proposta foi lida por mim equivocadamente, ou o anúncio dela é que é enganoso.

A peça estava em cartaz na Cia. De Arte dentro da programação do Porto Verão Alegre. Na página do dia, a produção da Cia. Artiurbana, dividia espaço com a Cia. Teatro Novo e com o grupo dirigido por Bob Bahlis, para falar somente nas peças que vi. Acho que a Cia. Halarde também tinha tido uma apresentação extra de “Dona Gorda”. Esses três grupos são grupos de teatro desvinculados de qualquer associação política, religiosa, ecológica ou sei-la-o-quê. Fazem teatro para ganhar a vida e única e exclusivamente pela arte. A gente vai ver o trabalho deles para, antes de tudo, se entreter. De sobra, crescemos em algum ponto ou outro. O festival inteiro, de um modo geral, é composto de grupos participantes com os mesmos objetivos: entreter. Eu, de fato, nunca vi Presépio Vivo participar de festival de teatro, embora ache que uma produção de extrema qualidade como é o caso da produção “Paixão de Cristo”, realizada pela Cia de Atores Independentes de Gravataí, e que se apresenta somente na época da Páscoa, e, todo mundo sabe, para um público que celebra o mistério da paixão e morte de NSJC, poderia concorrer com muitos grupos por aí em termos exclusivos de qualidade estética. Dessa forma, antes de qualquer coisa, entrei para ver teatro, não para ser catequizado por essa ou aquela corrente religiosa.

Eu sabia que a temática era espírita. Ok! Eu vi as novelas “A Viagem” e “O Profeta” na Globo, uma emissora sem ligações explícitas com nenhuma religião. Gostei das narrativas. Uma boa história me comove pelo fato de ser bem contada e, nascido e criado dentro do catolicismo, não me lembro de ter me sentido ofendido aos 14 e 26 anos quando essas novelas passaram na TV. Não vou virar indiano por ver Caminho das Índias, assim como não virei cigano vendo Explode Coração ou muçulmano como expectador do O Clone. Então, me senti confortável em ir ver a produção dirigida por Luis Carlos Pretto e ver outras pessoas pagar até vinte reais por isso.

Mas, sinceramente, se eu não acreditar que eu é quem estava errado, que antes de ser teatro, o trabalho é uma palestra espírita e eu é quem não tinha entendido isso, não consigo tirar absolutamente nada de positivo em uma análise superficial como um espaço como esse me proporciona.

“ - Irmão Rodrigo, não é uma peça espírita! É uma sessão espírita com teatro! Entendeu?”

Suspiro. De novo. Mais um. Conto a dez. Acho que entendi.

Agora consigo desculpar uma trilha toda cheia de recortes de trilhas de filmes e interpretações que beiram ao patético: uma secretaria que tremilica na ânsia por sustentar sua construção (se é que há uma) em caras e bocas, um psicólogo que fala um português corretíssimo a fim de nos fazer ver alguém com curso superior, e um médium tachado de louco, cheio de gritos e excessos.

Agora, próximo da paz, consigo até ver uma curva dramática quando se descobre que o louco não é louco e que a secretária já morreu. Quando vejo uma boa intenção nos figurinos e quando lembro de ter achado bem interessante a cena de clown.

Deu.

Me voltam os tiros, o ritmo lento do início, as frases de efeito. Não! Não consigo desculpar a ausência de senso, a falta de noção de que ou se priva pela harmonia estética ou se funda essa na total desarmonia. E que estudo de arte existe desde Aristóteles e que não é possível que um grupo se inscreva num roll de 51 espetáculos sem levar em consideração tantos e tantos séculos de história que faça com que a pessoa diga: isso não combina com aquilo!

Não me interessa, numa avaliação estética, as lindas e sábias teses espíritas sobre esse mundo e o outro. Num primeiro momento, quero me divertir e ver como tal peça foi feita. É do que ela é feita que vem o que ela me diz e nisso está a grande diferença das artes em relação à literatura. Se tirarmos o dito da literatura, teremos um papel em branco (com exceção da poesia concreta). No teatro, poderemos ter mil ditos e até repetições dele (Ver Beckett) que é a situação que importa e diz mais do que o dito.

No futuro, talvez saberei perdoar. Agora não.

Que venham também para o Porto Verão Alegre 2010, o teatro empresa, os melodramas da Record (“Pergunte e responderemos”) e os presépios vivos ensaiados pelas catequistas cheias de boas intenções do mundo afora.

6 Comentários:

Helena Mello disse...

Mais uma vez não vi o espetáculo, por isso, não vou comentar a peça, mas, o que tu escreveste sobre ela. Sou espírita (ou melhor acredito na vida depois da morte e reencarnação), mas, justamente por achar que uma peça não tem o compromisso (e muito menos o dever) de catequizar ninguém, acho difícil levar este tema para o palco. No entanto, tive a impressão que tu te colocaste aqui em uma posição pouco flexível enquanto espectador de teatro, principalmente, de teatro contemporâneo.

Explico: falaste mais de uma vez em entretenimento. No entanto, há bastante tempo, o teatro não é mais este lugar em que a gente senta e assiste alguma coisa. A arte tem se permitido muitas "transgressões". Tem aquelas que nos incomodam, em um primeiro momento, para depois ficar marcadas para o resto da vida. Aquelas que a gente detesta e, depois percebe que ampliou a nossa compreensão de mundo. Aquelas que agridem nosso “gosto” e que com o passar do tempo percebemos que havia sido algo inovador. Ou seja, algumas não levam a nada, outras que são absolutamente geniais. Mas, já sabemos que muitos “clássicos” hoje foram rechaçados ontem pelo público e pela crítica porque estavam diante do seu tempo e porque não dizer, do seu público. Não estou dizendo que seja este o caso.

Entendo que tu queiras te preocupar com o público mais simples quando escreves, mas, não gosto de subestimar a platéia e tenho absoluta certeza de que não é essa tua intenção. É claro que a maioria das pessoas está viciada na narrativa televisiva e fica confusa quando a proposta foge desta estrutura ou estética, mas, mesmo entre estas, têm aqueles que são capazes de perceber coisas que a gente nem imagina (foi assim quando mediei as duas últimas Bienais do Mercosul).

Assim, acreditando que a arte deva ter este caráter transgressor, espero que não tragam para o Porto Verão Alegre 2010 tudo que sugeriste!

Rodrigo Monteiro disse...

Que venha para o Porto Verão Alegre tudo o que tiver que vir. Mas que venha bem feito, o que nem de longe é o caso de "Entrevista co Espíritos". O que tentei dizer no blog é que não me interessa a temática da peça, mas se ela é bem feita. Por feita, entendo preocupação na produção em afinar uma concepção, uma idéia que dê forma para o produto apresentado.

Com prazer se assiste algo bem feito.

Já espetáculos como esse prestam um deserviço ao teatro e não críticas como a minha, como já ouvi dizer.

A pessoa que não costuma ir à teatro, vai, vê algo como isso, e pensa que isso é teatro. E continua preferindo ficar em casa ou ir ao cinema.

Há pessoas que pensam que para fazer uma produção teatral é só saber se expressar de forma interessante. Existem boas escolas em Porto Alegre que mostram que não.

E vários grupos que, como escolas, ensinam que levantar um espetáculo não é só reunir elementos para, antes, pensar sobre!

Infelizmente esse não é só o caso de Entrevista com Espíritos. Mas sobre isso, pretendo falar num próximo momento.

Anônimo disse...

Aos Leitores...
Não venho aqui contestar a posição do titular deste blog
Eu não tenho problema nenhum em relação às críticas. Não as desdenho, tampouco faço uma crítica da crítica. Muito menos espero que elas sejam construtivas.
Mas espero que elas sejam honestas, fundamentadas e se possível, respeitosas.
Concordo com o Rodrigo que independente da temática, um espetáculo deve ser visto como teatro e assim analisado.
Nosso objetivo nunca foi fazer uma palestra ou uma sessão espírita no palco, até por que existem as casas espíritas para isso e que não cobram nada.
Infelizmente não conseguimos convencer o crítico do contrário. Porém, se não entendi errado, vejo que ele pela segunda vez subestima o público que vai nos assistir, associando ele a pessoas que nunca foram ao teatro.
O público espírita (80% do nosso publico segundo pesquisas) É composto por pessoas com alta capacidade crítica, que tem uma vida cultural e acadêmica muito rica e sabe muito bem distinguir as coisas. Ele não aceita qualquer abacaxi, e se está aceitando o meu esses anos todos, é por que ele deve ser ,no mínimo, docinho.
Vejo a preocupação de que essas pessoas tendo como referência as minhas peças, fujam do teatro bom. (Já que no meu não existe estudo, pesquisa, nada!)
Desserviço ao teatro?
Nesses anos de trabalho ouvi a mesma coisa a respeito de alguns espetáculos (que respeitam os séculos e séculos de história) Que são bem acabados, fundamentados, estudados, porém, que afugentam o público que também neles tem a referência e nunca mais querem saber de ir ao teatro.
Se o público está emburrecendo tendo como referência a tevê e peças de teatro com conteúdo raso, então imploro que se faça por intermédio da nossa Universidade de Artes Cênicas ou de iniciativa de artistas , que se faça um trabalho de formação de platéia, que o pessoal saia da sala de aula e pare de mostrar suas conclusões apenas para os colegas e oportunize ao público em geral essa arte.
Já a questão dele ser bem ou mal-feito é da opinião de cada um, e viva a democracia!
O artista não tem que ir aonde o povo está? Infelizmente ele não está na fila da Quorpo Santo, tampouco na Alziro Azevedo.
AINDA HÁ CHANCE DE SALVAÇÃO! (Desculpe, não resisti!).
Aproveitando a oportunidade quero mandar um grande abraço ao pessoal da mostra Universitária que foi realizado no Hebraica, que tive a oportunidade de assistir alguns.

Luis Carlos Pretto

Paulo Salvetti disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paulo Salvetti disse...
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Paulo Salvetti disse...

Oi Rodrigo, encontrei teu blog entre os recados da comunidade do DAD, e li alguns de teus textos. Achei legal principalmente tua disciplina em escrever pelo prazer em contribuir. Embora a crítica, de um modo geral, apareça enfraquecida frente ao que se configura como a pós-modernidade, entendo-a no sentido de Walter Benjamin, como um instrumento de ir além rumo ao desdobramento daquilo que a obra de arte possa oferecer e, nesse sentido, primordial para que a arte continue sendo entendida e produzida como um núcleo dinâmico de sentidos em potencial.
O desaparecimento da crítica em veículos de massa contribui para uma antipatia amortecida frente às manifestações artísticas contemporâneas: todo mundo gosta pelo menos um pouco de quase tudo mesmo que não consiga se sensibilizar, ou, todo mundo detesta quase tudo por não ser capaz de se sensibilizar. E, no entanto, o denso processo que oferece subsídios para o que agrada e o que não agrada fica esquecido, e a relação do sujeito com a arte se torna pacífica e estéril.
Claro que não acredito que a crítica poderia salvar o mundo, ou pelo menos o mundo das artes... nem tanto. Mas acho que a crítica é um instrumento fundamental para a mediação da arte, mesmo em tempos pós-modernos, pois pode lançar a sorte de um novo olhar sobre o objeto.
Por isso é que tive vontade de te escrever, para dizer que admiro iniciativas como a tua.

Abraço

(Tive que rever dois errinhos no texto, por isso excluí-o e reenviei!)

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