25 de fev. de 2009

Porto Verão Alegre


O Festival e o Evento


A 10ª edição do Porto Verão Alegre arregimentou um roll de 57 espetáculos de teatro (somando as peças do Nova Cena) além de sessões de cinema, encontros com escritores, atividades na Fundação Iberê Carmargo e shows musicais. Em termos de programação, a veiculação de todos esses acontecimentos artístico-culturais amarrados a uma mesma e conhecida marca despertou, nessa estação, uma intensa participação do público gaúcho que conhece a idéia e o propósito do evento. Assisti à 32 peças de teatro e sou testemunha da alegria que é ver platéias cheias, filas em bilheterias e comentários a respeito da programação. Em termos de evento, fica difícil imaginar no que pode crescer o 11º Porto Verão Alegre que se espera para 2010. Enquanto Festival de Teatro, no entanto, acho que algo pode ser feito pela produtora Bhik Produções Artísticas e Culturais.*

Abre aspas: “A mulher tem uma discussão com o homem (seja marido, namorado, noivo...). Chega em casa, abre uma gaveta, retira alguns bombons e enche a boca de chocolate.” Fecha aspas.

A seqüência acima, para exemplificar, foi vista por mim em, exatamente CINCO espetáculos. Grupos diferentes, diretores diferentes, atores diferentes. A mesma ação.

Enquanto evento, podemos ver esse quadro como um comportamento cristalizado expresso através da linguagem teatral pelos grupos gaúchos. Enquanto festival, podemos discutir o quanto os diferentes grupos estão (ou não) trabalhando em cima tanto da linguagem cênica como de outras (audiovisual, plástica, musical, sonora, performática, literária, alegórica, etc...) como desafio na construção de seus projetos. Falta ao Porto Verão Alegre, projeto privado sobre o qual só podemos sugerir atitudes, um espaço para a discussão do que é feito nos palcos daqui pelos artistas também daqui.

Não se trata de barrar a entrada desse ou daquele projeto, embora a eleição de uma curadoria não seria uma idéia a ser, de todo, descartada. Tampouco, a criação de um “Ponto de Encontro” que, na prática, funcionou melhor no passado do que no presente no Porto Alegre em Cena. Mas, mais que isso: viabilizar as bases para a troca de idéias entre os grupos irmãos, primos ou inimigos numa mesma cidade. Se o evento é bom para o público, o festival seria ótimo igualmente para os artistas.

Enquanto alguém que se propõe a analisar as peças, não me cabe sugerir coisas e, muito menos, me colocar no lugar do diretor ou do ator. Meu lugar é na platéia e desse eu não abro mão. Infelizmente, minha mente, disposta a agradecer a gentileza da Coordenação do Projeto em me possibilitar a credencial de imprensa, faz agora com que eu quebre o protocolo e sugira uma ação.

Na próxima edição, que tal seria se cada grupo de atores e diretores** recebesse uma credencial de participante do evento (11º PVA)? Nas bilheterias dos espetáculos, que serão muitos, a produção, após a entrada do público pagante, permitiria, por que não?, que os lugares que sobraram sejam utilizados pelos credenciados colegas presentes. Sem o constrangimento da cortesia, mas com o benefício da possibilidade de abertura de uma discussão dos trabalhos por seus pares, a platéia ficaria cheia se por uma desventura já não estiver pelo público descredenciado.

Foram muito poucos os atores que vi nas platéias que dividi. Sobre este blog, chovem comentários do tipo: “Gostei (ou não) do que escreveste sobre tal peça. Embora eu não tenha visto o trabalho, acho que...”. É incrível, e nada agradável, a idéia de que o valor da entrada seja muito alto para quem a cobra, o que retrata uma realidade onde professores de literatura não possam comprar livros, pintores não tenham quadros e cineastas não vejam filmes.

Ao sugerir isso, tenho certeza de que o lucro não iria diminuir na nova edição uma vez que, agora, não aumentou em função da ausência dos atores nas platéias. Ao contrário, penso que iria aumentar a qualidade dos trabalhos e o próprio lucro das bilheterias em outras épocas do ano, quando as produções poderiam deixar para o verão a existência dos convites à classe.

Cada temporada do PVA dura três dias. Sobram outros três dias na semana (segundas-feiras não há espetáculo) em que colegas poderiam assistir colegas: comentar, acrescentar, trocar informações, aprender, crescer. Credenciais aos atores e diretores, que lhes conceda o direito de ver o trabalho ao lado, seria um pequeníssimo gesto de uma produtora que, há dez anos, faz crescer o público e oferece oportunidades de ganhos financeiros na baixa estação que é o verão porto-alegrense no sentido de aumentar a qualidade de toda uma produção vasta como, felizmente, é a que ouso chamar de nossa.

Obrigado pelo privilégio e parabéns! Sucesso na edição de 2010!





* Sem dar início a, permanecer em ou concluir nenhuma discussão etimológica ou semântica sobre os termos.
** Excluo os técnicos porque, pelo que me consta, o cachê desses são pagos indiferente do resultado da bilheteria.

3 Comentários:

Marcelo Ádams disse...

Rodrigo, como sempre, muito equilibrada a tua sugestão. Seria uma boa oportunidade, principalmente para que aqueles que fazem teatro em nossa cidade, assistissem algo além do que eles próprios produzem. No entanto, sem querer jogar água fria, e afirmando com experiência de causa, não vejo a grande maioria de nossos artistas cênicos interessados em conhecer o que fazem seus pares. Vivo isso diariamente, em todos os espetáculos que faço. Mesmo oferecendo convites para os colegas, eles não se interessam em ver. A impressão que me dá é que nossos artistas são tão bons e auto-suficientes que assitir a uma peça em nada lhes acrescentará. Eu, por outro lado, sou um amante do teatro antes de tudo, e tenho genuíno prazer em me deixar levar pelos espetáculos a que assisto. E olhe que assisto quase tudo que se faz em Porto Alegre. Não para criticar, mas para, humildemente, aprender, pois em arte nunca estamos prontos.

Helena Mello disse...

Já havia concordado com a tua sugestão pessoalmente. Me senti citada, embora não nominalmente, quando tu disseste que "chovem comentários do tipo "gostei (ou não) do que escreveste...embora eu não tenha visto"", pois fui uma destas pessoas. Acho que não chegou a ser uma chuva, mas, uma garoa... De qualquer forma, devo dizer que sempre que sou convidada me sinto praticamente na obrigação (boa) de ir, pois, acho um privilégio que os "fazedores de teatro" me queiram na platéia. É certo que me faltou a iniciativa de solicitar uma credencial ao Porto Verão Alegre, o que acredito me seria concedida de bom grado. No entanto, posso quase garantir que não teria assistido a mais de 30 espetáculos como fizeste. Ou seja, se era para ir para a mão de uma única pessoa que fosse para a tua! Acho que o Marcelo Adams tem uma certa razão, pois, o que ele diz não é apenas um palpite, é vivência. Mas, acredito que não custe continuar insistindo porque como ele disse vendo se aprende o que fazer e eu ainda complementaria: ou o que não fazer. Ele é um exemplo vivo de que este método funciona!

JULIO CONTE disse...

Mais um comentário de primeira qualidade. Já estou lançando uma campanha: Rodrigo na Zero Hora!
A ideia oferecer um passe para os participantes do festival é ótima. No caso, seria legal que os gruos mesmo disponibilizassem os crachás ou autorizassem a organização para liberar crachás. Porque o PVA não é dono das produções. Eles viabiliazam espaços e mídia. Afinal, se examinarmos bem, o PVA é uma evento cooperativado. É feito pelo movimento teatral do RGS e não apenas pelo Zé Victor, Bicca e Bereta.

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