9 de fev. de 2009

O Urso


O Porto Verão de Alegre e de Odessa

Deborah Finocchiaro constrói “O Urso” de uma forma que poderia ser vista por qualquer povo (civilizado?) do Universo. Quisera eu ser japonês, australiano, sul-africano para comprovar isso. Teria sido mal educado, mas vontade me deu, de tampar meus ouvidos e apenas ver a peça. Sorte minha que, em alguns momentos, consegui me desvencilhar do sentido da audição e sair da Rússia de Tchekov e chegar ao lugar criado pelo premiado Grupo dos Cinco. Utilizando-se do que ficou na peneira por onde passou tudo quanto é estudo de técnica teatral de que o grupo dispunha, os Cinco disseram adeus pra literatura e olá para o teatro.

“Que bom que você veio!!”

As palavras ditas em cena apenas repetem o que diz os movimentos de cada ator e a coreografia do grupo. As expressões do corpo repetem, por sua vez, o que dizem as faces e vice-versa. Uma atriz repete o que faz a outra, e o ator repete o que ele mesmo diz. A repetição produz o alargamento do tempo no sentido eisensteiniano da palavra porque não é só de Tchekov que vive a Rússia. Não se trata apenas de tornar 50 minutos o que já foi 20 (O Urso se apresentou num Festival de Esquetes de Gravataí antes de estrear em Porto Alegre no formato atual), mas tornar três vezes os 20, cada uma com novas intensidades, diferentes pontos de vista e maior profundidade.

Há uma cena clássica em “Encouraçado Potemkin” (Sergei Einsenstein, Rússia, 1925) chamada de Escadaria de Odessa. Um grupo de marinheiros que tomou o comando do barco em que navegava chega à cidade para continuar e estabelecer a revolução também em terra firme. No porto de Odessa, há uma longa escadaria no alto da qual há militares prontos para lutar. Os revoltosos sobem a escadaria e os militares a descem. Uma ação que, no melhor do cinema hollywoodiano, duraria não mais de meio minuto. No clássico russo, a ação se aproxima de um quarto de hora. O que ocorre é uma visita à cada expressão, um olhar diferente por sobre a emoção já exalada a fim de senti-la novamente, mas de um jeito diferente. Acrescenta-se uma outra informação, atualiza-se o campo já construído. Alarga-se o tempo, amplia-se o olhar, desestrutura-se e se estrutura novamente as partes e o todo.

Quanto ao gênero, partimos do realismo e vamos ao melodrama, regressamos à farsa e à comédia e avançamos no teatro contemporâneo. Tudo banhado em preto numa estrutura coerente e que faz brilhar as interpretações de Elaine Regina, Simone Telechi e Elison Couto e torna inesquecível o Luká de Sandra Alencar. O “Verão” de Vivaldi coroa o Porto Verão de Alegre e de Odessa e faz com que saiamos no teatro sem ter dado gostosas gargalhadas ou nos emocionado as lágrimas, mas com a alma cheia de arte para driblar o suor da semana que começa.
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FICHA TÉCNICA
Texto - Anton Tchekhov
Direção - Deborah Finocchiaro
Elenco - Elaine Regina, Elison Couto, Sandra Alencar e Simone Telecchi
Iluminação e Operação de Luz - Fabrício Simões
Concepção e Montagem de Trilha Sonora - Edinho Espíndola e Marcelo Figueiredo
Operação de Som - Derli Rodrigues
Cenografia e Figurino - Grupo dos Cinco
Projeto Gráfico - Teresa Poester e Leandro Selister
Fotos - Cristiano Prim
Divulgação - Sandra Alencar
Produção - André Oliveira e Grupo dos Cinco
Realização - Grupo dos Cinco

3 Comentários:

Marcelo Ádams disse...

Assisti "O urso" no ano de sua estréia, em 2003, e fiquei muito bem impressionado com o trabalho simples e extremamente eficiente do elenco e da direção. Pena que a Deborah não continue dirigindo outras coisas, pois ela tem criatividade de sobra para nos dar algumas boas peças. Em relação á escadaria de Odessa, sou ainda mais fã da "Escadaria de Chicago", n'"Os intocáveis" (1987), de Brian de Palma. Poucas vezes a citação de uma cena clássica foi tão feliz em sua homenagem, tornando-a ainda melhor que a original, pois traz a aura hitchcockiana como adendo. De Palma faz um de seus filmes mais brilhantes (para mim, só perde para "Vestida para matar", de 1980)

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Lucas Strey disse...

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