24 de jun. de 2009

Cama de Casal e Cama de Casal & 1/4 de hóspedes

Foto: Sérgio Souza

B


Não havia escrito sobre “Cama de Casal” no verão porque a peça tinha sido mais uma entre tantas a que eu assisti com a pobre proposta de discutir relações (de heterossexuais casados e moradores da mesma casa, habitantes da mesma cama, sem filhos). A montagem se propunha a 3 e não fazia 1. O meio era conseguido por Karen Radde, esforçada no papel da terapeuta Naná, e Lucas Sampaio, esforçado no papel do bancário Guto. Todo o resto não fazia esforço. O cenário foi todo colhido de vitrines do DC Navegantes, numa estética falsamente realista. Os figurinos eram de gosto duvidoso e a trilha sem gosto de teatro nenhum. Num misto de novela da Record com filme B, ficaríamos nos comerciais. De tudo, o pior era o texto de Ellen D’Ávila. O tema relacionamento quase não acontecia: o tempo inteiro, a discussão, na cabeça do público, pairava sobre o porquê Naná, a esposa, ser tão neurótica. E em como Guto, o pobre marido mais novo, agüentava aquela mulher, 80% por cento do tempo insuportável de tão histérica. E, enquanto nos perguntávamos isso no conforto do assento da platéia, depoimentos vindos não sei de que concepção, surgiam num telão. Personalidades de Porto Alegre insistiam no tema: relacionamento (casamento heterossexual blá blá blá) não é coisa fácil, mas é bom. Vinham algumas gargalhadas e havia alguns momentos interessantes: repito que o casal de atores é bom. O problema mesmo era a pobreza de todo aquele acontecimento (teatro é evento!) que poderia ter ficado na telinha do sábado à noite.

Eis, então, que Ronald Radde aparece com “Cama de Casal & ¼ de hóspedes”, vulgo “Cama de Casal 2”. Texto ainda de Ellen D´”Avilla. Karen Radde ainda como a protagonista Naná. Mas com um realmente interessante (a esse tipo de produção) diferencial: um tema propício. A nova peça trata sobre SOGRAS!

Não. Sogras não é um tema moderno. Também não é profundo. Interessante muito menos (o fato de ser diferencial é que é). Mas é rico. Rico, repito, para esse tipo de montagem. E que tipo de montagem é essa?

Ronald Radde e a Cia Teatro Novo se propõem novamente a 3. Só três. Não há nada que diga que assistiremos a um grande espetáculo, com interpretações inesquecíveis, momentos mágicos e experiências inenarráveis. Um locutor, ao anunciar o início da peça, antes das luzes se apagarem, solicita que o público se desligue dos seus problemas e do seu mundo e se divirta. Essa solicitação já nos diz muito: 1) É teatro dramático: por alguns minutos, iremos nos desvencilhar de nós mesmos, conviveremos com personagens parecidos conosco e, ao fim, voltaremos e olharemos para a realidade com outros olhos; 2) Não se trata de um tipo de produção que se esforça em nos desligar de nós mesmos. Daí que o desligamento deve partir de nós mesmos antes do início para que nada se perca no investimento que começa já em casa ao partir para o DC Navegantes.

Ronald Radde não promete nada. Ou melhor, promete muito pouco. E, dessa vez, nos dá esse pouco, o três! O tema “sogras” oferece situações cômicas, piadas de jornal. Os depoimentos no telão se referem esteticamente a essa situação anedótica. Jair Kobe, o Guri de Uruguaiana, antes da peça começar, já dá esse tom. E essa experiência é oposta aos vídeos de “Cama de Casal 1” que nos lembra “Vida e Saúde” ou “Jornal Hoje”: pare, pense e reflita. O tema agora é para rir. O resto vem em acréscimo.

E rimos. O texto de Ellen D’Ávilla continua oferecendo bastante pouco aos atores. As situações são fracas: Naná cantando em frente ao espelho, o diálogo entre Eugênia e Bárbara (as duas sogras), os papos entre filhos e mães. Tão logo termina a sessão, você já não consegue reconstituir a história na cabeça, tão fraca ela se apresenta sem conflitos fortes, mudança de personagens, desenho narrativo, desafios e clímax. Salvam os bons atores, além do tema.

Naná continua histérica, mas agora sua mãe Bárbara equilibra seus rompantes: genealogicamente as personas estão invertidas – a mãe é leve e a filha é dura. Karen Radde e Lúcia Bendati repetem a boa dupla que já formam em outro espetáculo.

A substituição de Lucas Sampaio por Daniel Anillo foi um grande acerto da produção. Guto, o marido, está menos ingênuo e mais viril, dominando a cena não só pela simpatia, mas por sua função na narrativa.

Em termos de interpretação, o mérito maior é de Letícia Paranhos, que interpreta Eugênia, a sogra de Naná. Apesar de jovem, mas bem servida pela superficialidade que o texto e a produção lhe oferece, a atriz envelhece, mantendo a dignidade do teatro comercial, mesmo caminhando na espinhosa via da caricatura. Vence!

O cenário continua sendo tirado de vitrines do DC Navegantes. O figurino continua sendo de estética duvidosa. Mas a concepção comercial (sem qualquer sombra de valor negativo nisso), clara desde as primeiras piadas sobre sogras, passando pela permanência do merchandising e chegando na ligação (descontextualizada) com o clássico Dirty Dancing, sustenta isso tudo.

Quem pensa que o cinema só vive de grandes produções A desconhece que é do lucro obtido com os bons filmes B e C que o mercado se movimenta.

Viva Se eu fosse você e a Globo Filmes!

*


FICHA TÉCNICA
Texto de Ellen D´avila
Direção: Ronald Radde
Direção de Produção: Ellen D´avila
Assistente Administrativo: Bernardo Altenbernd
Seleção de Músicas: Ellen D´avila
Edição de Imagens e Som: Álvaro RosaCosta
Coreografia: Saionara Sosa
Figurinos: Titi Lopes e Di Armentano Shopping Total
Cenografia: Colflex Colchões e Dapertutto Móveis e Decoração
Iluminação e Operador de Luz: José Cavalheiro
Operador de Som: Osmar Montiel / Gabriel Severo
Equipe de Apoio: José H. Cavalheiro, Joaquim Fiúza, Osmar Montiel, Cristiane Cavalheiro e Hamilton Dias.
Programação Visual: Rogério Araújo
Fotos: Sérgio Souza
Web Designer: Rosana Almendares
Divulgação: Cia. Teatro Novo
Depoimentos em telão: Zé Victor Castiel, David Coimbra, Jair Kobe, Pedro Ernesto Denardin, Lurdes Eloy e Lucas Krug (Fernandão).

Elenco
Karen Radde – Naná
Daniel Anillo – GutoLúcia Bendati – Bárbara
Letícia Paranhos – Eugênia
Em off: Ellen D´avila - Vitória Malta e Pedro Ernesto Denardin - Narração do Gre-Nal

5 Comentários:

Anônimo disse...

Terrorista.

Ellen disse...

Rodrigo, Faço das palavras de Martha Medeiros em sua coluna na ZH que qualquer pessoa, com qualificação ou não, pode expressar o que quiser na internet e fazer com que isso vire a verdade única. Admiro a sua profundidade literária e crítica em relação a coisas que vc pouco vivenciou.
A arte também é entretenimento e nem sempre tem a pretensão de agradar intelectuais e pessoas de QI acima da média do público popoular que, diga-se de passagem, também merece ter seus momentos de distração sem grandes reflexões. Aliás, "Cama de Casal 1 e 2" são totalmente despretenciosas e, em tempo algum, quis chegar aos pés de Shakespeare.
Obrigada por sempre lembrar da gente!

Ellen D´avila

M@fer disse...

como assim?, eu gostei da peça, a peça nao esta feita para pessoas com QI superior à media? eu sou burra?

Ellen disse...

M@fer, Jamais quis dizer isso...
De maneira alguma estou julgando o "público" que foi e se divertiu com a peça. Seria até contraditório de minha parte. Apenas me referi ao Rodrigo (o QI é dele) pela maneira absolutamente rígida com que ele "critica" o espetáculo que teve uma única intenção: divertir. Que ele critique o texto, pouco me importa. Para mim o que vale mesmo é a reação do público. O resto não interessa.

Anônimo disse...

Prezado Rodrigo, ao que parece vc está vivendo e trabalhando no lugar errado, vai pra holliwood meu filho, criticar os filmes e espetáculos bilhonários. "estudante" de artes cênicas deveria saber que fazer teatro com pouca verba nem aqui nem na China. A peça diverte intelectuais e nem tanto, até porque se eu quero espetáculo para altos QIs vou assitir ópera.

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