14 de ago. de 2009

Parque de diversões

Foto: Pamela Ferrer


(In)Descoberta

O mundo é meu e não há nada nele que não seja meu. Falar do mundo, por isso, é falar de mim. Falar do que vejo é falar de mim. O que vejo, vejo e compreendo porque outrora me foi dado a ver algo semelhante. Analiso a relação entre o que vejo e o que tenho guardado em mim do que vi e apreendo.

A experiência perceptiva, fenomenal, nasce de correlações estabelecidas através de uma memória conceitual sobre um conjunto de categorizações perceptivas que estão em curso. Isso quer dizer que conceituamos a partir de experiências de percepção. (GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: AnnaBlume, 2005. p. 42)


E há coisas que eu não vejo?Tem uma passagem bíblica, acho que o Renato Russo usou também, que vai nessa direção:

Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas, então, veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas, então, conhecerei totalmente como sou conhecido. (1Cor, 13, 11-12)

Então, quando achávamos que o mundo terminava num abismo logo após o fim da Europa, a América já estava onde está, só que ninguém sabia. E se ninguém sabia, ela não existia. Ou existia apenas enquanto latente. Um universo de coisas existe enquanto latente. Enquanto crianças, não vemos, não fazemos esse universo existir. “Parque de diversões” é um espetáculo que me fala da inércia quanto à existência latente do mundo. Se eu não me mexer, o mundo não se mexe. Ou se mexe de forma latente, o que é o mesmo que ficar parado. Maldito Colombo.

Marcos Contreras praticamente não se mexe atrás do microfone. Usa terno e gravata preta e camisa branca. Sem cores além. Não há nada além dele e o microfone. A rotunda avança sobre a cena, num bloco tridimensional (na encenação a que eu assisti não havia mesinha e abajur ao lado do avanço). Uma cama latente, esperando alguém olhar para ela como cama. Projeções em vídeo, quase um clichê já em vá á á á á rias produções da capital. Essa ausência de criações cria, quase dialeticamente, a estagnação de um grupo de pessoas que se deu conta de que, ao ficar paradinho, under ground, quando vê, deixa-se de existir ou passa a existir em outra esfera, talvez, menos monótona.

O ator disponibiliza um tom de voz, uma pequena movimentação de braços e olhos, um cigarro atrás do outro, suas respectivas fumaças e apresenta-se tomando comprimidos. Um a um, nisso está a gramática desse tipo de de stand up comedy, interessante como tudo aquilo em que Diones Camargo tem metido a mão. (Eu) Ouço a conversa dos remédios bicolores com as luzes coloridas das rodas gigantes a girar e girar up and down como também é a voz de Contreras, às vezes, cheias de empolgação; às vezes, fruto de uma depressão sem fim. Uma roda que não sai do lugar, mas que te leva a lugares.

Narrações da compra do vídeo-game em formato de TV com polegadas sem contagem, o fim de um relacionamento garota e garotão, a Idéia de que pode haver uma reconciliação. Rimos de nós mesmos, vemos contar e, ao mesmo tempo, contamos nossas histórias. Os olhos fixam-se no ator, uma fonte incomensurável de sugestões para a nossa vida, todas elas com a mesma cara (budista?): não faça nada. Deixe de existir.

Ele, o personagem, não liga se o mundo está assim ou assado ou se ele mesmo é assim ou assado. Somente se ligarmos é que é o que é, e é o que está. Então, olhar para a TV desligada, ou deixá-la ligada até que o som se torne comum aos ouvidos é gostar e servir-se da inércia não criativa, não produtora. E conflitos são muito mais fáceis de se produzir, não?

O dado da TV se perde. Não sabemos se houve ou haverá a reconciliação. A mudança rítmica se torna comum aos nossos sentidos e a peça termina. E é aqui que, para mim, se encontra a melhor parte desse trabalho: o respeito ao fim. Contreras sai de cena e a cena se escurece sem alguém que lhes faça ser cena. No ar, ficam os nossos pensamentos, sem aplausos, sem murmúrios, sem intenções, direções. Inertes estamos, apenas fruindo o que já produzimos. E vem uma imagem de roda gigante que nos faz ver o alto e o baixo de tudo, sem que nos tornemos responsáveis pelo giro. Apenas pelo olhar.

O olhar que faz o mundo ser.

*

FICHA TÉCNICA:

Texto e Direção: Diones Camargo e Marcos Contreras

Atuação: Marcos Contreras

Produção: Rafael Ortiz e Poof

Iluminação: Carina Sehn

Trilha: Pablo Sotomayor

Cenário: Idéia dos autores, executado por Gabriela Silva

Vídeos: Daniel Laimer

Participação Especial: Elisa Volpato

Divulgação: Poof, Pati Savaris e Codorninha

Material Gráfico: Eder Gusatto e Poof

Ilustrações: Gabriela Silva

1 Comentário:

Unknown disse...

Ouvi falar da peça. Até mesmo fui convidado por um amigo para vê-la.

Como é difícil meu Deus, falar sobre o que não se vê, apenas se escuta e se lê.

Ainda assim, fico com a escrita do que com os ouvidos.

Por quê?

Porque eu, como um ser resultante de tudo que vi e ouvi, estou convicto por experiência própria que a escrita, vinda de quem se tem conhecimento, é melodia conhecida e respeitada pelos meus ouvidos e filme agradável à visão.

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