25 de ago. de 2009

Fragile

Foto: Fernanda Souza

O vovô Roberto*

Acabei de ler um post no twitter sobre a importância de “quebrar a cara” para aprender. É horrível isso, não? Mas, por experiência própria, acho que é bom, eficiente e digno. Às vezes, pode até ser divertido... Coragem pode até ser sintoma de juventude. É a sabedoria, no entanto, que caracteriza a maturidade.

(E porque tou batendo na porta dos trinta, não uso mais a palavra velhice...)

Em sabedoria, Roberto Oliveira me fez ver, está o que nos encanta enquanto netos nos nossos avós. Não esse ou aquele neto. Não nesse ou naquele avô, mas, de um modo geral, vale até a senhora alegre que canta todos os dias mais alto que seus fones de ouvido sempre a mesma música nas caminhadas da Redenção. O avô sabe que, se você planta, você há de colher se tudo correr bem. As coisas só pioram se você ficar, em todos os amanheceres, abrindo o buraco na terra pra ver se a semente já deu sinal de vida. Pausa para Esperar.

Pais e mãe nem sempre têm paciência para esperar. Pais e mães, ainda longe de seus pais e de suas mães, querem estar próximos de seus filhos, realizar-se neles, ser importantes existencialmente vivendo. Os avós já sabem que são importantes. E sabem o que fazem.

Roberto Oliveira, que é um vovô na vida real, como também é em "Fragile", é certamente um vovô nas artes cênicas de Porto Alegre. Explico: tão logo você entra na sala da Usina do Gasômetro, sente-se esteticamente seguro, confiante de que nada ali foi posto sem considerações bastante sérias. Sua vovozisse não vem da idade, mas da experiência.

O chão está decorado com algumas gravuras de revistas e muitas, muitas, uma quantidade imensa de fotografias. Fotografias! Acho que só quem tem mais de 25 anos sabe o que é fazer aniversário e esperar mais de uma semana talvez para ver se as fotos ficaram boas ou não. E, depois, mandar fazer cópias para dar para os parentes. Lembro de sair para férias com um rolo de 24 poses bravo porque o de 36 era quase do mesmo valor e ouvir ainda minha mãe alertar: pra revelar é muito caro! Então, eu tinha que ficar economizando as imagens. Essas em que agora pisamos. Fotografia é um signo icônico. Ela está para quem nela é representado. A imagem de uma pessoa pode ocupar, no coração e na mente, o lugar da pessoa. Será que se percebe o clima frágil em que entramos? Troca isso tudo e coloca um piso de cimento ou um tapete preto pra ver... Tapete preto não é desperdício? Roberto Oliveira não desperdiça nada.

Um elenco imenso de pessoas oriundas de sua oficina. Um texto, que além de ter sido tornado peça, funciona como conto, fonte de frases e mais frases sobre as quais vale a pena ficar bastante tempo pensando. Luz, figurino, projeção: nichos tão ricos em significado que, a exemplo do que eu fiz com as fotografias no chão, poderíamos ficar parágrafos e mais parágrafos refletindo, tão interessantes são os usos feitos por quem entende de significantes e de significados.

Mas Roberto Oliveira entende de direção de atores também. Alguns truques (?) nele são reconhecidos.

Se aproveitando de uma dramaturgia onírica, que coteja com a quebra de eixo justamente por não ser linear, o diretor divide o grande elenco em três núcleos deslizantes, acrescentando o fato de organizar o espaço cênico não na forma italiana (todo o público de frente para um só lugar no palco), mas em um corredor que desfila da extrema direita à extrema esquerda, através do qual vemos a platéia do lado de lá. Assim, o espectador também é espetáculo, não bastasse tudo o que está acontecendo em cena. A cena exige, ao se movimentar nesse corredor, fazendo com que o espectador, ávido por acompanhar tudo o que lhe é oferecido, viradas constantes do rosto de um lado para outro. Sentimos os atores passar pelos nossos joelhos, interagindo conosco. E ficamos chateados quando nos sentimos na obrigação de virar a cabeça para baixo e fruir o absolutamente indispensável: um pouco do que está dito, abdicando, assim, de novas sensações visuais, não menos importantes. Niveladas no uso de máscaras, as interpretações oferecem mais e mais dados. E tenho a impressão de que são duas horas de espetáculo, talvez um pouco menos.

De tão bom, Fragile se torna cansativo.

As três protagonistas (Andressa Corrêa, Fernanda Majorczyk e Cristiane Scomazzon), entre as coisas que merecem mais destaque, incluem-se no que há de melhor nesse espetáculo tão rico. Seguras, vivas, eficientes em esconder as marcas, não deixam que suas máscaras corporais sejam um muro que lhe distanciem dos espectadores, esses tão próximos. Protagonizam a cena não pelos personagens, mas por tudo aquilo que emanam de seus talentos e técnicas aprendidas, talvez com outros, mas certamente com esse bom professor. Não menos concentrado ou envolvido, o elenco, de um modo geral, é coerente com todos os elementos que fazem nascer essa produção do Depósito de Teatro, um dos grupos mais importantes de nossa cidade.

Roberto Oliveira, ou Modesto Fortuna, sem esquecer da coragem, é sábio o suficiente para regar a semente, esperar o sol aquecer a terra e, só então regar de novo. Não tem como ela não brotar.

O cansaço de Fragile vem da quantidade enorme de plantas diferentes a cuidar. Até porque plantas nao se cuidam de qualquer jeito.

Sem querer ficar cavocando na terra para ver se a semente nasceu, eu paro e reparo a planta que vejo. Estou longe do meu avó, e longe de ser avô. Mas por que não amar a espera desde já?


* Crítica também publicada no site Artistas Gaúchos.

*

Espetáculo baseado na peça "Frágil" do dramaturgo argentino Cesar Brie e no livro "Fragilidadade" do roteirista Jean-Claude Carriere.

ELENCO:
Alessandro Rivelino
Andressa Corrêa
Catharina Cecato Conte
Cristiane Scomazzon
Daisy de Souza Reis
ernanda Majorczyk
Fernando Braz
Janaína Lima
Pablo Damian
Samuel Reginatto
Sílvia Ferrari

Direção: Roberto Oliveira
Assistente de Direção: Kalisy Cabeda e Elisa Heidrich
Música: Julian Eilert
Cenário e Iluminação: Modesto Fortuna
Figurino: Francisco de Los Santos
Produção Executiva: Janaína Lima
Produção: Depósito de Teatro

2 Comentários:

Anônimo disse...

meu nome é Alessandro Rivelino.
gostei da crítica

Catharina Conte disse...

Gostei da crítica.

Se der pra corrigir aí, é Cecato! hehe.

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