10 de fev. de 2011

O segredo íntimo dos homens

Foto: divulgação

A importância das relações na construção do sentido

Interessante que, em espetáculos como O segredo dos íntimos dos homens, é possível se identificar, de forma muito clara, a força que as relações estabelecem na construção de sentido de um texto cênico. Tantas vezes eu repito do lamentável uso de piadas escatológicas, de referências a sexo como recurso para a comédia, da exploração de clichês do universo masculino e feminino como limite para o sucesso numa produção fracassada. Nada disso é caso aqui. Estarei eu me contradizendo? Não. Aqui chamo a atenção para o fato de que um sentido só se dá pela relação entre os signos, pela mobilização dos sistemas. O segredo íntimo dos homens, cuja abertura se dá num consultório de urologia, cujo nome contempla a palavra Pinto, não se propõe a outra coisa se não tratar justamente, de forma cômica, da questão sexual masculina. Quem espera outra coisa está enganado. O espetáculo vai dizendo, assim, onde quer chegar, isto é, a que veio: estabelecer um universo em que o pênis é o protagonista e suas dores são o desafio que ele tem que vencer.E, ainda com certos percalços, há que se dizer que ele chega onde quer chegar, o que resulta num resultado positivo.

Com texto e direção de Pedro Delgado, vemos dois pênis indo visitar um especialista neles. O problema de um, o personagem Robin (Émerson Maicá), é timidez. Ele não consegue sentir-se corajoso o suficiente para fazer aquilo que o seu dono gostaria que ele fizesse. O problema de outro, o personagem Garrincha (Pedro Delgado), é o fato de ser torto. É interessante como a identificação desses dois personagens se dá aos poucos: no início, pensamos que se tratam de dois homens e, mais para o fim, é que entendemos que são dois órgãos sexuais e não os seus donos que estabelecem o conflito dramático. A figura do doutor (Henri Nunes) é híbrida. Veste-se de mulher, pinta a unha, usa maquiagem, mas expõe uma relação sexual com sua secretária (Márcia Mello). Embora cause alguns problemas, a dificuldade criada na identificação dos personagens tem o benefício de estimular um certo interesse da assistência em saber quem está contando essa história.

Também são positivos os aspectos visuais do espetáculo que mostram um certo cuidado com aquilo que é mostrado ao público. Tanto a sala de espera do consultório como o próprio consultório é decorado com luminárias, móveis, e detalhes que, às vezes, infelizmente, faltam em várias produções. O figurino igualmente: percebe-se que houve uma certa reflexão em sua definição que resultou no que o público vê na produção.

Mas, voltando à dramaturgia, o seu problema está na sua evolução. Os dois motivos que fizeram com que os pênis procurassem um especialista não se desenvolvem. Vemos os personagens falarem sobre as causas e as conseqüências. No caso de Robin, presenciamos uma tentativa de tratamento. Mas, ao fim, ambos vão embora ainda na mesma situação inicial. E por que vão embora? Porque o expediente acaba, a mãe da secretária está com a janta pronta, posta à mesa, esperando a filha e o doutor para jantar. Assim, a solução final é fraca, simplória, não justificada. Os dois “heróis” encerram a peça lendo uma série de definições de “corno” que, de forma muito superficial, se relaciona com o tema do espetáculo (ser corno pode ser uma das conseqüências de um dos problemas apresentados, mas não dos dois), o que é uma pena.

Com exceção de Pedro Delgado, nada há para destacar na construção dos demais personagens, todos suficientemente expostos sem grandes momentos nem positivos, nem negativos. Quanto ao dramaturgo, diretor e ator, deve-se chamar a atenção para uma evidência: mais uma vez, com uma superficial construção estética, o ator concebe seu personagem com um cerne já repetido em outros espetáculos. Assim como em As favas com os homens que as mulheres vão à luta, Q os homens pensam q as mulheres pensam e Como enlouquecer sua alma gêmea, o personagem de Delgado toma para si um discurso que representa um grupo contra o outro de forma generalizada. Algumas vezes como homem, algumas vezes como mulher, a voz, a força e a função narrativa é sempre a mesma: um discurso monocorde, rabugento e cansativo sobre o que idealizadamente um determinado grupo faz. Essa chamada é uma reflexão sobre o trabalho desse ator que, também diretor e dramaturgo desses espetáculos, parece deixar de explorar em suas construções sua potencialidade ou repeti-la nos mesmos contornos.

É necessário ainda tratar de duas questões referentes a esse espetáculo antes de encerrar essa pequena análise. De um lado, a luz e a trilha sonora, na apresentação a que eu assisti, teve boa parte das entradas e saídas expostas cheias de equívocos, exibindo a falta de ensaios que, penso eu, garantem um melhor resultado. De outro, o sucesso que a produção faz entre seu público. Não lembro de ter presenciado uma fila tão grande no Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana. E esse fato só faz aumentar ainda mais a responsabilidade dessa produção frente ao teatro gaúcho. Nunca podemos nos esquecer de que uma má peça faz com que o público não se afaste dessa produção, mas do teatro de um modo geral. Felizmente, de todo, esse não é o caso felizmente.

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Ficha Técnica
O texto: Pedro Delgado

Elenco:
Márcia Mello
Jorge Gil
Pedro Delgado
Henri Iunes

Iluminação:
Eder Santos

Trilha Sonora:
Eduardo Britto
Operação: Daniela Carvalho
Direção: Pedro Delgado
Cenário e figurinos: Grupo de Teatro cacimba
Produção: Reluz – Produção & Marketing Cultural
Realização: Grupo de teatro Cacimba

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