5 tempos para a morte
Foto: Lutti Pereira
Natural
O espetáculo 5 tempos para a morte fala de morte de um jeito bastante simples. O maior valor da produção, sem dúvida, é a forma sensível e delicada com que a Usina do Trabalho do Ator apresenta o tema. Interessa aqui aquilo que está um passo após a definição do assunto a ser tratado num espetáculo criado coletivamente: o jeito como o tema será apresentado, exposto aos espectadores. Na plateia dessa peça, sente-se a sutileza bem empregada, necessária, vital na oxigenação do teatro gaúcho.
Como o grupo faz um espectador sentir isso?
Na forma lenta como a sucessão das cenas acontece. O ritmo não é parado, nem irregular: é lento mesmo. Isso faz com que muitas questões fiquem imanentes à espera pacientemente de trato. Uma vez que muitas ações não são contextualizadas, nem tem justificativa, o público fica na espera, mas não é convidado a desenvolver a ansiedade.
Como o grupo não convida o espectador para a ansiedade?
Nesse espetáculo, os atores olham para o público de rosto aberto, de cara limpa, mantendo um tom acolhedor. Nesse ponto de vista, a morte não faz mal, nem talvez faça bem, mas acontece e é natural. Não se corre a ela, nem se foge dela: mas sabe-se que ela virá um dia. “Numa cena, tudo será explicado!”
A produção não explica todas as formas de que se utiliza para existir no espaço/tempo cênico em que existe. Com isso, cria uma atmosfera gris, em que não sabemos ao certo onde estamos pisando, em que sentimos um certo desconforto, mas avançamos cheios de curiosidade. Celina Alcântara, Ciça Reckziegel, Dedy Ricardo, Gisela Habeyche e Thiago Pirajira contam suas histórias e nos acalentam nessa insegurança. Há uma canção, Marcha Rancho (Flávio Oliveira), que se repete, que marca os tempos para a morte, que define ou organiza o tempo da narrativa. Não há corre-corre, não há movimentos bruscos, nem desorganização. A direção de Gilberto Icle é limpa. Sua limpeza constrói um universo seguro.
Preparados pela célebre e competente Marlene Goidanich, o grupo de atores apresenta um excelente preparo vocal. Dime robadora que mereci é lindamente interpretada e aparece nos momentos mais sublimes da produção. São espaços de tempo que fogem do palco e fazem avançar o tema. É quando o palco pergunta pra plateia a sua opinião: os nossos pensamentos parecem responder.
Gisela Habeyche, provavelmente porque interpreta uma atriz e, por isso, tem uma identificação maior com o público e consigo mesma, apresenta uma construção que se destaca no todo da produção. Seu espanhol falado traz uma cor diferenciada para a personagem, um misto de graça e melancolia que enternece, principalmente quando ela conta histórias e confunde sua vida com elas. Há uma cena em que ela sola uma canção: é um momento imperdível! No jeito como olha, como canta, como se movimenta, a atriz sustenta uma figura cheia de força e energia que prende a atenção do espectador.
O cenário não acompanha os mesmos bons valores da produção. As caixas são pesadas e o esforço empregado para que se movimentem não compensam os resultados estéticos delas em cena. Acabam por ser lugares onde os personagens se escondem para, depois, reaparecer, representam a igreja e também ajudam a modificar o nível do lugar cênico, mas, mesmo assim, o transtorno que é seu movimento não supera o pouco interesse que elas despertam sobre si próprias.
Há outro espetáculo em Porto Alegre que versa sobre variações do mesmo tema. Ele também tem uma dramaturgia que é construída com a participação de histórias reais e inserções literárias. O interessante é ver esse tipo de teatro dissertativo acontecendo na capital de forma tão valorosa, competente e exemplar. O UTA, fundado em 1992, é um dos grupos mais importantes do Estado e é ótimo vê-lo respirando e fazendo sonhar com tão bons ares.
*
FICHA TÉCNICA
Elenco: Celina Alcântara, Ciça Reckziegel, Dedy Ricardo, Gisela Habeyche e Thiago Pirajira.
Direção: Gilberto Icle
Assistência de Direção: Shirley Rosário
Iluminação: Bathista Freire
Figurinos e Cenografia: Chico Machado
Acessórios Cênicos: Marco Fronckowiak e Maura Sobrosa
Músicas: Flavio Oliveira
Produção: Anna Fuão
Fotos: Claudio Etges
Natural
O espetáculo 5 tempos para a morte fala de morte de um jeito bastante simples. O maior valor da produção, sem dúvida, é a forma sensível e delicada com que a Usina do Trabalho do Ator apresenta o tema. Interessa aqui aquilo que está um passo após a definição do assunto a ser tratado num espetáculo criado coletivamente: o jeito como o tema será apresentado, exposto aos espectadores. Na plateia dessa peça, sente-se a sutileza bem empregada, necessária, vital na oxigenação do teatro gaúcho.
Como o grupo faz um espectador sentir isso?
Na forma lenta como a sucessão das cenas acontece. O ritmo não é parado, nem irregular: é lento mesmo. Isso faz com que muitas questões fiquem imanentes à espera pacientemente de trato. Uma vez que muitas ações não são contextualizadas, nem tem justificativa, o público fica na espera, mas não é convidado a desenvolver a ansiedade.
Como o grupo não convida o espectador para a ansiedade?
Nesse espetáculo, os atores olham para o público de rosto aberto, de cara limpa, mantendo um tom acolhedor. Nesse ponto de vista, a morte não faz mal, nem talvez faça bem, mas acontece e é natural. Não se corre a ela, nem se foge dela: mas sabe-se que ela virá um dia. “Numa cena, tudo será explicado!”
A produção não explica todas as formas de que se utiliza para existir no espaço/tempo cênico em que existe. Com isso, cria uma atmosfera gris, em que não sabemos ao certo onde estamos pisando, em que sentimos um certo desconforto, mas avançamos cheios de curiosidade. Celina Alcântara, Ciça Reckziegel, Dedy Ricardo, Gisela Habeyche e Thiago Pirajira contam suas histórias e nos acalentam nessa insegurança. Há uma canção, Marcha Rancho (Flávio Oliveira), que se repete, que marca os tempos para a morte, que define ou organiza o tempo da narrativa. Não há corre-corre, não há movimentos bruscos, nem desorganização. A direção de Gilberto Icle é limpa. Sua limpeza constrói um universo seguro.
Preparados pela célebre e competente Marlene Goidanich, o grupo de atores apresenta um excelente preparo vocal. Dime robadora que mereci é lindamente interpretada e aparece nos momentos mais sublimes da produção. São espaços de tempo que fogem do palco e fazem avançar o tema. É quando o palco pergunta pra plateia a sua opinião: os nossos pensamentos parecem responder.
Gisela Habeyche, provavelmente porque interpreta uma atriz e, por isso, tem uma identificação maior com o público e consigo mesma, apresenta uma construção que se destaca no todo da produção. Seu espanhol falado traz uma cor diferenciada para a personagem, um misto de graça e melancolia que enternece, principalmente quando ela conta histórias e confunde sua vida com elas. Há uma cena em que ela sola uma canção: é um momento imperdível! No jeito como olha, como canta, como se movimenta, a atriz sustenta uma figura cheia de força e energia que prende a atenção do espectador.
O cenário não acompanha os mesmos bons valores da produção. As caixas são pesadas e o esforço empregado para que se movimentem não compensam os resultados estéticos delas em cena. Acabam por ser lugares onde os personagens se escondem para, depois, reaparecer, representam a igreja e também ajudam a modificar o nível do lugar cênico, mas, mesmo assim, o transtorno que é seu movimento não supera o pouco interesse que elas despertam sobre si próprias.
Há outro espetáculo em Porto Alegre que versa sobre variações do mesmo tema. Ele também tem uma dramaturgia que é construída com a participação de histórias reais e inserções literárias. O interessante é ver esse tipo de teatro dissertativo acontecendo na capital de forma tão valorosa, competente e exemplar. O UTA, fundado em 1992, é um dos grupos mais importantes do Estado e é ótimo vê-lo respirando e fazendo sonhar com tão bons ares.
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FICHA TÉCNICA
Elenco: Celina Alcântara, Ciça Reckziegel, Dedy Ricardo, Gisela Habeyche e Thiago Pirajira.
Direção: Gilberto Icle
Assistência de Direção: Shirley Rosário
Iluminação: Bathista Freire
Figurinos e Cenografia: Chico Machado
Acessórios Cênicos: Marco Fronckowiak e Maura Sobrosa
Músicas: Flavio Oliveira
Produção: Anna Fuão
Fotos: Claudio Etges
3 Comentários:
Teatro para quem faz teatro, ou entende muito. Quem vai pela primeira vez ou frequenta pouco acha um saco. Muito lento, sem grandes emoções. Não estou dizendo que é ruim, por outra lado... é um grande trabalho de pesquisa, muito técnico e com atuações belissimas.
abração
Engraçado, uma das únicas coisas que te incomodaste, o cenário, foi para mim o melhor elemento de 5 Tempos Para A Morte. A ideia dos cinco armários móveis foi engenhosa e de muita criatividade. Por mais que as movimentações sejam trabalhosas, alcançam bons resultados. Chacoalham a atmosfera contemplativa, não verbal. Alavancam o espetáculo.
Sobre a técnica vocal, fiquei surpreendido ao elogiá-la. Concordo que na maior parte ela se apresenta adequada (principalmente com Gisela e Celina), porém no início as vozes eram quase inaudíveis ! Eu estava na terceira fileira e não se escutava nada.
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