28 de jan. de 2011

Essa noite se improvisa Tennessee Williams

Foto: divulgação

Desperdício bobo

Antes, preciso dizer que, como aconteceu no ano passado, não consegui ficar até o final de Essa noite se improvisa Tennessee Williams. Embora a divulgação constante no material do Porto Verão Alegre, informe que a duração era de aproximadamente 90 minutos, aos 120, eu já não agüentava mais e parti. Exatamente o mesmo aconteceu com Essa noite se improvisa, em 2010. Ontem, a produção foi até às 23h40min, tendo começado às 21h.

Júlio Conte, que há trinta anos (Vamos brincar de apagar a luz, 1980) escreve e dirige suas próprias peças e, há alguns anos, vem investindo em jogos dramáticos numa formatação comercial (motivada pelo boom das Stand Up Comedies, liderando uma outra forma de fruição teatral diferente da convencional), é quem assina os clássicos Bailei na Curva e Se meu ponto G falasse. Todos os que são fãs desses dois excelentes espetáculos, como eu, sempre daremos um voto de confiança para Conte e, com prazer, buscaremos espontaneamente valorizar o seu trabalho. Essa noite se improvisa Tennessee Williams tem em seu elenco um número aberto de atores-jogadores (cujos nomes não se encontram no material de divulgação), um cenário despojado como também os figurinos e champagne entregue em taças ao público à vontade. É uma festa em que dançamos, conversamos, participamos. E é preciso ser muito mal humorado para, diante desse início, não se abrir alegremente para os jovens atores e seu diretor jovial.

A primeira parte do espetáculo é composta por jogos dramáticos, todos eles já explorados em Tá, e aí?! , outra produção de Júlio Conte, anterior a essa. O resultado é frustrante infelizmente. Por quê? Porque, em Tá, e aí?!, todos sabíamos que isso era o corpo da programação que havíamos escolhido. No caso aqui em questão, ao final de 50min, eu disse cinqüenta minutos, ainda não ouvimos falar de Tennessee Williams e essa é a nossa frustração primeira. Ao olhar para o relógio, nos sentimos enganados, embora um tanto quanto animados pelos jogos e suas realizações das quais pessoas do público, gentilmente oferecidas, participam.

Eis, então, que começa a segunda e terceira parte de Essa noite se improvisa Tennessee Williams. E, durante todo o tempo em que permaneci assistindo, lembrei da crítica de Bárbara Heliodora ao espetáculo gaúcho Clownssicos. Ainda não concordando com o jeito como o texto foi publicado, acho que consegui entender o que ela sentiu ao ver aquele espetáculo. Seu texto foi uma reação de defesa os clássicos, pois, diferente de mim, ela entendeu a produção da Cia do Giro uma afronta às tragédias. (Um grupo de palhaços se cansa de sempre fazer comédias e resolve mostrar que também conseguem fazer tragédias e dramas.) Aqui, em que não há personagens bem definidos (os "palhaços" de Clownssicos foram todos criados a partir da técnica clown) e nem uma dramaturgia estruturada, só o que sinto é a vontade de fazer o mesmo.

O dramaturgo Júlio Conte desrespeita o dramaturgo Tennessee Williams quando pasteuriza a sua obra e, não menos pior, a sua vida. Em rápidas palavras, apresenta uma biografia do autor e algumas características da sua dramaturgia. A questão é: como falar seriamente de Tennessee Williams diante de pessoas que compraram o ingresso para estar ali, ocupando um espaço público (Centro Municipal de Cultura) e algumas noites na grade um festival como o Porto Verão Alegre  em poucas palavras? Impossível. O resultado é a superficialidade, a pobreza e a inverdade.

Júlio Conte lê as rubricas iniciais de algumas cenas. Seus atores-jogadores, que decoraram o texto dos diálogos, se vestem rápida e pobremente com algumas roupas e alguns objetos postos sobre a roupa do próprio corpo e, em cenários improvisados após a sessão de jogos que abriu a noite, estabelecem a encenação de Um bonde chamado desejo. A seguir, pessoas do público ocupam o lugar dos atores e a cena se repete, já sem os diálogos decorados, mas em mente o que acabaram de ouvir e de ver. (Na terceira parte, o mesmo acontece com a exibição de cenas do filme dirigido por Elia Kazan (1951)). Assim, Blanche se torna uma bêbada desequilibrada, Kowalski se torna um ogro brutamontes e Stella uma ingênua esposa. Isso sem falar nos personagens menores ainda mais superficializados e empobrecidos sob a direção de Conte. Se estivéssemos falando de Melodrama, talvez o resultado não seria tão ruim. Mas Tennessee Williams (EUA, 1911-1983), um pós-realista que, entre dezenas (32 peças curtas, 7 peças médias e 24 peças longas) de textos, escreveu À margem da vida (1944), Gata em teto de zinco quente (1955) e Doce pássaro da juventude (1959), não construiu seus textos sobre personagens tão rasos, não desenhou suas ações sem cuidado e não deixou espaço para nenhuma versão cênica de seus textos em que se utilize apenas cadeiras, parcas peças de figurino e iluminação. De repente, o espectador vê o público rindo de Um bonde chamado desejo (1947), não pelas situações criadas pelo dramaturgo, mas pela ingenuidade dos atores-jogadores e das pessoas do público que foram “brincar” de fazer teatro.

A defesa aqui exposta não parte do pressuposto do culto ao clássicos como se um texto clássico fosse um texto intocável. Teatro é para ser tocado e Júlio Conte está certo quando, no início, lembra que essa arte nasceu em clima de festa dionisíaca. Mas por que utilizar o nosso depósito de confiança em uma brincadeira boba como essa? Por que não se utilizar dos atores, do espaço, do nome na mídia, do conhecimento acumulado e do talento nato e desenvolvido para, de fato, produzir a encenação de Um bonde chamado desejo?

Teatro acontece também em salas de ensaios. Então, o que vemos é um ensaio aberto?

Por que improvisações em cima de Tennessee Williams não estão baseadas em Tennessee Williams, mas numa versão wikipediana de um único de seus textos?

Nas seguidas levas de pessoas que saiam antes, comigo e após mim da Sala Álvaro Moreyra, o clima de desperdício pairava: tempo, dinheiro e conhecimento foram jogados fora.



*

Ficha Técnica:
Concepção e realização: Júlio Conte.
Facilitadores: Milimétricos e Larissianos.
Som & Luz: Gabriel Lagoas.
Produção: Luz de Vela.

3 Comentários:

Anônimo disse...

que absurdo.

Catharina Conte disse...

Rodrigo, o nome dos facilitadores são:

Alessandro Peres, Catharina Cecato Conte, Eder Santos, Emilio Farias, Fabrizio Gorziza, Gisela Sparremberger, Guega Peixoto, Pingo Alabarce, Saulo Aquino, Thiago Tavares, Vanessa Cassalli.

teatro + Lisi = vida de lisi disse...

Te espero na " A Encalhada" dias, 4, 5 e 6 de fevereiro na CCMQ.abs

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