23 de jan. de 2011

Inimigas íntimas

Foto: Néstor Monastério


Bem cuidado e bem vindo!

Inimigas íntimas é um dos melhores e mais interessantes textos escritos por Artur José Pinto, sem dúvida, o dramaturgo gaúcho mais encenado, mais assistido e, ingratamente, nem sempre reconhecido. Em cena, estão Ingra Liberato e Fernanda Carvalho Leite, dirigidas por Néstor Monastério. Ilustram o palco, dois grandes painéis com as fotos das atrizes quando crianças e duas cadeiras. André Oliveira auxilia na troca de figurino, fazendo a contra-regragem de um jeito discreto, mas sem esquecer que está sendo visto. Nada além. O espetáculo é bastante simples e despretensioso. Assim, não se propõe a muito e, por isso, não muito pode ser esperado, nem cobrado. O feliz resultado de uma avaliação é lucro total para quem assiste.

Já entrando no seu quarto ano de temporadas (de sucesso), os dois valores da produção são as atrizes e, através delas, a direção, e o texto. Começando pelo segundo, é preciso destacar a leveza com que a sucessão das cenas se dá. Rapidamente reconhecemos as personagens e, embora haja o comercial (e não ruim) trato com temas como universo feminino e a relação entre homens e mulheres, é possível identificar questões um pouco mais profundas, como o relacionamento das mulheres consigo mesmas e seus sonhos e a manutenção de uma amizade, a criação e a sustentabilidade de laços.

Mariana e Lúcia foram melhores amigas quando adolescentes. A primeira queria ser atriz e a segunda queria ser bióloga e ter filhos. Mariana dera seu primeiro beijo em um garoto chamado Osmar, por quem, tempos depois, Lúcia se apaixonou. O momento crucial da amizade (e da peça) se dá num teste para um espetáculo de teatro. Lúcia acompanha a amiga, torcendo por ela. Convocada pelo diretor a participar, Lúcia ganha o personagem no lugar da amiga. Talvez como vingança, Lúcia ganha o coração de Osmar, com quem se casa e tem três filhos. Lúcia se torna uma atriz de sucesso não só no teatro, mas também no cinema e na televisão. Os anos passam e, ao longo do tempo, é raro haver um encontro entre as duas. Ao fim de cada um, sempre fica a promessa de que se reencontrem um dia.

Eis que o dia do ajuste de contas chega e é quando nós, o público, começamos a participar disso, ouvindo essas histórias em suas intensidades e cores. Mariana tem como interlocutor a sua empregada Ivette. Lucia, por sua vez, conversa com Jussara, uma jornalista que a procura para uma entrevista. Entre nós e as protagonistas, as personagens coadjuvantes, felizmente, enriquecem a cena trazendo cada uma um roll de características que deixa as situações mais engraçadas.

Ainda sobre o texto, Artur José Pinto acostuma o seu leitor a acompanhar as histórias com calma. As cenas são longas e as historias são contadas com detalhes. Não há, como perigosamente poderia haver, uma avalanche de piadas ou situações escatológicas que as comédias rasteiras frequentemente trazem. O humor é de extremo bom gosto. No entanto, o final parece ser brusco e isso só tem um motivo: todas as passagens são calmas. Então, quando as luzes se apagam ao fim do espetáculo, elas nos pegam de surpresa. Em Inimigas íntimas, o ritmo nunca é acelerado e, o que é bom, também não diminui. Sua constância, assim, nos faz esperar por um final expresso de forma mais leve.

Liberato e Carvalho estão excelentes em cena, atingindo todos os objetivos esperados. O texto é dito de forma viva e honesta. Há franqueza e uma certa ingenuidade na exposição do corpo, nas brincadeiras cênicas, na movimentação. Oliveira participa na construção desse clima que cativa o espectador disposto a se divertir em uma peça de quase puro entretenimento sadio. Mais uma vez, Néstor Monastério aposta no simples, sem descuidá-lo em nenhum detalhe. Ele ganha porque é responsável e cuidadoso com aquilo que burramente poderia ser feito “de qualquer jeito” como, infelizmente, não é incomum se ver na capital gaúcha. Nós ganhamos porque somos respeitados, o teatro ganha porque, enfim, é valorizado.

Com uma programação quase que inteiramente dominada por comédias, o Porto Verão Alegre só tem a crescer por incluir essa em sua grade.

*

FICHA TÉCNICA:

Autor: Artur José Pinto
Direção: Néstor Monasterio
Elenco: Fernanda Carvalho Leite e Ingra Liberato
Contra-regra e mordomo: André Oliveira
Figurino: Sérgio Lopes
Cenografia: Rodrigo Lopes
Música: Duca Leindecker, Néstor Monasterio
Coreografia: Jussara Miranda
Iluminação: Néstor Monasterio
Programação Visual: Nicolas Monastério
Fotos: Nestor Monastério
Website:Anderson Dorneles
www.inimigasintimas.com.br

1 Comentário:

Anônimo disse...

Rodrigo, te recomendo apenas um cuidado. Como as duas atrizes são mulheres soa estranho usares os sobrenomes para se referir a elas. Ficaria melhor se usasse o primeiro nome. Excelentes críticas!

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