21 de jan. de 2011

Namorado? Eu tinha um...


Foto: divulgação

Novo resultado negativo

Uma parte discordante torna o todo disforme. Em peça que se apresenta como dramática, ou seja, um único foco, uma história contada do início ao fim com peripécias, reconhecimentos e catarse, a parte é só uma amostra do todo. (Crítica de Há um incêndio sob a chuva rala, publicada nesse blog em 18/01/2010)

Namorado? Eu tinha um... É o título comercial de um espetáculo que parte da produção de Há um incêndio sob a chuva rala, trazida ao Porto Verão Alegre no ano passado. Não é a mesma produção, mas um novo trabalho. Entender as distâncias e as proximidades entre aquele e esse é um desafio que um pesquisador compra com prazer. Como aqui não há espaço para a publicação de ensaios, mas de críticas especificas de espetáculos específicos, me proponho a olhar para esse novo espetáculo, embora admita ser difícil me distanciar do que o originou.

Acho que é Barthes quem diz que o teatro é um mar de redundâncias. Se observarmos o teatro dramático, vamos ter que concordar com isso. E avançar nesse semioticista: visto como um sistema, o teatro é um todo cujas unidades menores são heterogêneas. A relação que as une, a liga que torna todo o todo, faz com que cada unidade se mostre parcialmente, de jeito que a parte mostrada pareça homóloga ao seu par, redundante. Para ser mais acessível, alguns exemplos: o modo como um personagem anda não é próprio do teatro. A cor de um figurino não é própria do teatro. O texto dito não é próprio do teatro. Essas três unidades são de outros sistemas, mas são recolhidas pelo teatro, reunidas por ele de forma que, encadeadas juntamente com várias outras, parecem inseparáveis. No caso de Namorado? Eu tinha um... deveria parecer.

A distância entre os dois espetáculos está na concepção. A direção de Daniela Lima é diferente da de Juliana Thomaz. No entanto, novamente, alguns princípios básicos foram desconsiderados. O mesmo princípio, em resumo: a verossimilhança. A não compreensão de que o espetáculo é um sistema e que cada parte se relaciona de forma análoga ou não-análoga com seus pares se repete um ano depois. Vejamos:

A Vizinha bate à porta do Vizinho de cima para verificar a área de serviço para... (reticências de Vera Karan) Esse Vizinho é um senhor, mora sozinho e, ao acordar, liga o rádio num volume bastante alto, o que não concorda com sua cara de sono e sua resistência em levantar da cama. A Vizinha, construção interpretada pela própria diretora Daniela Lima, é extremamente caricata e bastante longe do realismo (tão interessante à Vera Karan, na construção de seus textos tragicômicos). Ri de um jeito exagerado, mantém os olhos arregalados, muda de intensidade, tem os joelhos flexionados e os pés voltados para dentro. O Vizinho resmunga várias palavras, mas nunca as verbaliza em volume audível, com exceções de dois momentos (quando pergunta se ela tem namorado, quando então, ficamos sabendo o nome da peça; e num outro momento nada significativo.). Não se encontra a justificativa desse resultado da concepção: por que ele não fala? Por que ele não a manda embora? Por que ele resmunga e não fica, então, em silêncio?

As incongruências continuam: datilografa-se no escuro e continua-se datilografando quando a energia elétrica se reestabelece; o programa de rádio toca duas vezes a mesma música, sem a presença de um locutor; lava-se as mãos após usar a privada, mas não se puxa a descarga... Há uma espécie de carrinho na porta de entrada com rodinhas para o lado de dentro e para o lado de fora do apartamento. Quando a Vizinha toca um rock no rádio, o Vizinho se irrita. Depois, parece gostar... A Vizinha é tão íntima que faz cocô no banheiro do desconhecido Vizinho de porta aberta, mas, momentos depois, fica com vergonha de entrar no banheiro novamente quando ele está tomando banho no seu boxe. Rock com figurino de Great Gratsby, depois Carmen Miranda... O Vizinho a odeia e não entende porque ela está ali. Cogita sair de casa e deixá-la lá levando apenas um casaco vários números menor do que eu seu em uma sacola. Depois, está a ponto de deixá-la amarrar-se na própria cama com meias de nylon. E por aí vai...

Em suma, o que falta em Namorado? Eu tinha um... ? Reflexão. Não basta ter boas intenções para fazer teatro profissional. Para as pessoas que apenas as tem existe o teatro amador, sempre analisado do ponto de vista de quem entende que, em cena, estão pessoas de boa vontade mostrando o seu melhor. No teatro profissional, há que se cobrar preparo, estudo, competência, afinação.

O resultado, mais uma vez, disforme do projeto de versão cênica para o conto de Vera Karan leva a produção para um lugar sem boas avaliações. O público não sabe se ri, se chora, se vivencia a peça ou se permanece em seus próprios pensamentos. Aos leitores foi dado muito trabalho: tentar unir uma grande quantidade de signos dispostos sem responsabilidade. Ao fim, volta-se à mesma conclusão, agora, aniversariante:

Aristóteles precisa ser lido mais vezes.

*
FICHA TÉCNICA:
Texto: Vera Karan
Atuação: Daniela Lima
Partição Especial: Antonio Carlos Preussler
Trilha Sonora: Rafael Siqueira e Thiago Soares
Cenário e Figurino: Cláudio Benevenga
Iluminação: Taylor Araújo
Fotografia: Claudia Ryff Moreira
Direção: Daniela Lima

1 Comentário:

Anônimo disse...

Oi Rodrigo!
Tudo bem?
Acabei de ler tua crítica sobre o espetáculo "Namorado? Eu tinha um..." e gostaria de deixar claro aqui para teus leitores que as adaptações feitas pela diretora Daniela Lima na cenografia e figurino desta nova montagem não tem a minha assinatura. Eu não fui nenhuma vez consultado sobre o que iria ser apresentado, inclusive pelo que assisti, houve uma distorção da minha concepção original nesta nova versão.
Obrigado!
Claudio Benevenga

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