1 de dez. de 2009

Vermelhos - história e paixão

Foto: Alexandre Lops


Bolas na rede. Mas em qual rede?


“Vermelhos – história e paixão” tem três momentos que não se pode perder:


1) “Sport Club Internacional”: quando, reunidos, pertencentes ao Bloco Venezianos dão nome ao time de futebol que se inaugura. A força da expressão, que conhecemos como aquela que nomeia um time esportivo com uma história, hoje centenária, tão bonita e cheia de glórias, faz com que qualquer um se arrepie. Principalmente por ser pronunciada num teatro cheio de colorados fervorosos.

2) “Glória do desporto nacional, oh internacional que eu vivo a exaltar”: quando cantam o hino, trazem ao palco a expressão mais pura do que havia sido dialogado minutos antes. Havia sido dito, de uma forma tão bela quanto real, que o que move uma torcida tão grande e digna como a do Internacional é uma paixão inexplicável por algo cuja forma é fluida, mas que congrega, une desconhecidos, aproxima o tempo, o espaço , multidões. A platéia cantando em uníssono me fez lembrar, com muita emoção, da primeira vez que entrei no Theatro São Pedro e ouvi a audiência emocionada cantando "Horizontes" no final de "Bailei na Curva". Ou os ingleses cantando “Do you hear the people sing” no final do primeiro ato de “Les Miserables”. São músicas que nos lembram das raízes, da humanidade que temos apesar de senhas e códigos que decoramos, apesar de profiles e tweets que damos, com todos os instintos que colocamos pra fora indevidamente.

3) “Diante do fim da vida, eu não abro mão. Levo a bandeira do Inter no meu caixão.” Essa é uma frase dita pelos torcedores em meios à gritos e ordens característicos do ritual esportivo. Simone Rasslan transformou o refrão numa linda melodia, cujo fim é o vibrante “Vamo, vamo, Inter” que, diferente da peça, não remete ao passado do time, mas ao futuro. Aponta para o que vem após a saída do teatro. É a apoteose final.

Neste texto de Arthur José Pinto, não sobra mais nada. O que é entristecedor, considerando que qualquer time com dez anos de história tem muito para contar, que dirá um que foi fundado em 1909. Vários pares de minutos gastos em falas inúteis: pastel com ovo é melhor, camisetas bem passadas, vou ou não vou ao Japão, pirralho pra cá e acolá, moça direita não é moça torta, cerveja no bar e na redação de um jornal, e por aí vai... Assuntos e mais assuntos que dominam (e demandam) minutos mas que não levam a história adiante e só arrastam o ritmo, tornando-o lento, sonolento, cansativo. Será o Inter lento, sonolento, cansativo? Não seria o momento de construir algo vibrante, engrandecedor, majestoso até?

É possível entender que houve a intenção de falar sobre a paixão pelo esporte futebol, seja ele jogado por que time for. Mas vamos ver como Pinto resolveu isso sob a direção de Nestor Monastério: Henrique Poppe nega-se a cobrir a instalação da rede elétrica em seu bairro porque quer ir acompanhar um jogo de futebol que contará com a presença de Charles Miller. Pede demissão de “O Estado de São Paulo”. Sem dinheiro, vem com sua família para Porto Alegre. Aqui, após conseguir emprego por conta de sua filiação ao Partido Republicano e seu vínculo aos positivistas, conhece Maria com flerta em baile de carnaval e lhe faz serenata. Prestes a casar, descobre que seu irmão sofreu preconceito no time Grêmio e, então, propõe que haja uma reação: funda-se o Internacional, que irá ganhar do Grêmio por 4 x 1, alguns anos depois, pouco antes da morte de Poppe. Em paralelo, um engraxate pede ajuda a um senhor para fazer um teste no Inter. Não consegue porque sofre de “sopro”. Esse senhor, que é conselheiro no Inter, o leva para trabalhar num jornal de um amigo seu. O mesmo senhor aparece narrando a final de um jogo histórico para o menino. Em paralelo ainda, um jornalista quer cobrir o Mundial de 2006. Sua chefe não permite que ele vá porque ela irá e não confia em ninguém para deixar no seu lugar. Por algum motivo estranho, a chefe aparecendo ouvindo o jogo final com o funcionário que queria ir, outro colega e Seu Vito, o vendedor de pastéis que, quando garoto, quis jogar no Inter, mas não pode porque sofria de sopro. Os três jogos: contra o Grêmio, narrado pelo Conselheiro e a final ouvida pelo radinho de pilha, se encontrem e unem a história. E a peça produzida para celebrar os 100 anos do Sport Clube Internacional acaba.

Com um figurino de época produzido a altura de grandes espetáculos, “Vermelhos – história e paixão” conta ainda com um cenário grandioso, mas usado de forma muito modesta. A parte do fundo, emoldurada, não é delimitada diegeticamente e a parte frontal é pobremente preenchida: cadeiras e uma mesa, entradas e saídas em marcas nada pontuais, o símbolo do Inter visível, mas não como o esperado. As interpretações não se destacam, apesar de Gustavo Razzera merecer elogios pela caracterização. Quanto às músicas, Simone Rasslan nunca decepciona, embora o contexto em que elas aparecem, sim: “Abre Alas”, “Lua Branca” e “Papai é o maior” são canções que marcam uma época. Na peça, há três em paralelo, ou seja, as outras duas são esquecidas (“Hino do Inter” faz parte da primeira época e “Diante do fim da vida” é o encerramento do espetáculo).

Dessa forma, concentrados os três pontos positivos no final (gols a favor), da platéia (e não do campo), ouço o apito de encerramento do jogo. Prefiro não olhar pro placar e guardo na lembrança as três vezes em que vibrei.

Saio do teatro pensando que, se eu torcesse para algum time de verdade, escolheria o Internacional por ter valorizado a produção teatral. Coisa que o Grêmio não fez em 2003, nem nunca.


*

Ficha Técnica

Elenco:
Alvaro RosaCosta,
Gustavo Razzera,
Oscar Simch,
Rogério Beretta,
Simone Rasslan,
Sofia Schul,
Suzete Castro Martinez,
Williams Martins
Zé Victor Castiel.

Direção: Néstor Monastério
Autor: Artur José Pinto
Figurinos: Daniel Lion
Preparação musical e arranjos: Simone Rasslan

8 Comentários:

Alvaro RosaCosta disse...

Blz, Rodrigo!!!
Só uma correção: a melodia do "Diante do fim da vida..."foi recriada pelo Néstor.
Ele e a Simone fizeram a pesquisa musical e a Simone os arranjos!!!
A produção não teve apoio finaceiro do Inter, foi uma iniciativa dos atores!!
Abs e obrigado!!

Cristian Lopes disse...

muitos minutos inúteis, um pouco de sono em alguns momentos, mas um final glorioso gritando "vamo, vamo inter!"

Ah! E com certeza tens que virar colorado! É vermelho, é paixão, é valorização da cultura!

Rodrigo Monteiro disse...

Como assim não teve apoio do Inter?! Não vou virar colorado, então!

hauhauah

Valeu, Álvaro pelas correções. Não modifiquei lá até pras pessoas verem como é "puxada a minha orelha"... É isso ae!

Beijos!

Zé Victor Castiel disse...

Caro Rodrigo,
Escrevo para agradecer sua crítica sempre tão elaborada e criteriosa. Tens razão na questão das cenas de ligação. A nosso favor, talvez, o fato de que queríamos e acho que consguimos, fugir das rivalidades clubísticas. Para isto, lançamos mão de recursos dramatúrgicos de costuras de cena. Não tínhamos como retratar a emoção provocada pelo futebol no teatro. A emoção de um gol ou de uma conquista futebolística só existe mesmo num estádio. Sua reprodução, ao menos no teatro, sempre nos pareceu impossível.
De qualquer maneira, ficamos satisfeitos por colocar no ar um produto teatral genuíno, sem utilização de recursos piegas.
Obrigado por sua crítica (talvez a única que merecemos até agora).
Grande abraço
Grande 2010
Zé Victor Castiel

JULIO CONTE disse...

Rodrigo, pode virar gremista que a peça do Grêmio vem aí.

Anônimo disse...

Rodrigo, muito boa sua crítica, assisti a peça e assistirei novamente nessa breve temporada que comemora os 101 do Clube do Povo do Rio Grande do Sul.

Respeito a todas as artes e os artitas que fazem delas sua razão de viver.

Com ou sem peça do rival, não há motivos para virar gremista como sugere nosso amigo Julio Conte.

Lembre-se que a campanha contra o crack iniciou sua segunda fase a poucos dias.

Fique longe das drogas.

Grande abraço.

Anônimo disse...

Não sou crítico teatral, simplesmente um leigo, mas segue o que senti.
João Carlos Carvalho
A peça: Vermelho História e Paixão.

Simplesmente emocionante o que vivi em aproximadamente 1 hora e 30 minutos do que considero um dos momentos mais marcantes da minha paixão colorada.
Considero assistir a peça teatral como assistir e vencer um grande jogo, ou melhor, uma decisão, sem exagerar ou exagerando ainda estarrecido de emoção, que equiparo com uma final de Libertadores e Mundial.
Entre as risadas que contagiavam o teatro e fazia não sair da fisionomia das pessoas à alegria contagiante; chorei duas vezes ou um choro bem demorado, imagina a emoção de um colorado ver Henrique Pope (interpretado brilhantemente por Gustavo Razzera) na sua frente cheio de seu idealismo e paixão pelo futebol idealizar e fundar o Internacional, nesta hora até um colorado morto emociona-se. A criatividade o autor mistura a história num vai e vem do tempo brincando com nossas emoções. E na hora que ele sugere a criação do hino do Nelson Silva (o Zé Victor outro show de interpretação), quem tem problema cardíaco como Seu Vito (Álvaro Rosacosta) antes de ir ver a peça deve pedir permissão ao seu médico, acho que o próprio teatro deveria colocar uma ambulância para qualquer emergência.
Como colorado, peço desculpa a Maria Ortiz (Sofia Schul) a esposa do Henrique Pope pelas maluquices do seu marido, mas olha o que virou o seu sonho.
E o momento que no palco e nas cadeiras do teatro todos cantam:
“Diante do fim da vida eu não abro mão, quero a bandeira do Inter no meu caixão...” Até de lembrar fico emocionado.
Obrigado também a todos que fizeram este espetáculo Chico Bola (Rogério Beretta) fica tranqüilo você ainda vai poder viajar para ver o bi mundial, William Martins, Suzi Martinez, Oscar Schim, Simone Rasslan, Zé Vitor, Álvaro Rosacosta, Gustavo Razzera, Sofia Schul.
Aos meus amigos colorados este espetáculo vale qualquer sacrifício para assistir, vale montar excursões como para um grande jogo. Não estou brincando nem exagerando acho que minha pouca experiência com as palavras me negam adjetivos e palavras para descrever o que vi.
Quero e vou assistir novamente, mas desta vez não quero sentar na primeira fila, mas ficar um pouco atrás e ver a emoção de mais colorados, não só aqueles que como eu, encheram os olhos de lagrimas ao meu lado. Foi pura emoção.
Obrigado.

Rodrigo Monteiro disse...

Caro João, você é tão crítico de teatro quanto eu. Todos somos! E está linda a tua leitura. Parabéns!!

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