7 de dez. de 2009

Ditos e Malditos

Foto: Cláudio Etges


O prazer de sentir

É preciso de uma vez por todas que se saiba que nem todo teatro é um sistema que usa da razão para comunicar. Considerando o fato de que não se pode excluir a razão de nenhum processo, há peças de teatro que usam mais o aspecto sensorial do que a razão. Faz sentir primeiro, depois pensar sobre a sensação, identificá-la, reconhecê-la, entendê-la. Talvez nunca dominá-la.

Não entendi nada sobre “Ditos e Malditos – Desejos da clausura”, nova produção da Companhia Terpsí Teatro de Dança.

Mas senti o arame farpado que separa o palco do público. Tudo que é dado a ver é filtrado pelo arame que afasta, que amedronta, que se impõe, que esfria. Fiquei com medo, respeitei, contemplei. E me senti protegido. Friamente protegido.

Sente-se o branco. A limpeza de um palco sem esconderijos, à mostra, inteiro. Um espaço amplo. Aberto. Vazio. Um vazio que pode ser preenchido com desejos, todos esses postos numa fonte.

Vê-se uma escadaria ao fundo. Um convite para subir, para fugir, para escapar. Do lado de cá do arame, invejei. Inveja-se.

Portas de Metal movimenta-se em cena. A dureza intencional dos bailarinos, dançarinos, atores, artistas, coreografados, exibidores. Faces sem feições. O que está dito está dito por baixo, atrás da porta, além da escada, escrito com tinta branca no branco do chão e das paredes. Os atores vestem preto. Sempre uso canetas pretas ao invés de azuis. Eles são canetas? Meus desejos serão atendidos ou vale apenas o desejar?

Várias fotografias de autores famosos: Caio Fernando Abreu, Augusto dos Anjos, Edgar Allan Poe, Van Gogh... Mas aí já é minha mente identificando eles. A razão agindo, se intrometendo. Volto para as fotos e sinto o seu preto e branco amassado no arame farpado e quase pega o figurino de quem passa próximo, no limite. Penso nas influências. Penso em estar livre do olhar do outro.

Tudo me fez pensar em livrar-se de velhos conceitos, barreiras e da alegria dessa liberdade. Claro que “Ditos e Malditos” me fez pensar nisso porque é esse o momento em que eu vivo agora. Outras pessoas vivenciaram outras coisas. Não estou aqui escrevendo a crítica para dizer o que se deve sentir. Mas quero dizer o que eu senti com o que está lá. O que está lá lá está independente de mim, do leitor, do futuro leitor, do não leitor, do nunca leitor. Mesmo que eu não tenha visto, mesmo que nunca seja visto está lá. Vamos trocar sensações? Terpsí quer apenas que o sintamos.

Não encontrei lógica no espetáculo dirigido por Carlota Alburquerque, cuja ficha técnica exibe a qualidade de profissionais que trabalham para o meu (de público) sentir. Para mim, essa ausência de controle intelectual é prova de que são os sentidos os primeiros que querem ser fisgados. Então, conseguiram. A ficha técnica conseguiu. Terpsí conseguiu. Uma hora e tanto de espetáculo sobre o qual só posso dizer o que senti e sou grato por isso.

Fazer sentir não é tão fácil como fazer pensar, embora ache mais natural que sentir seja mais natural do que pensar.

Não encontrei Malditos, não encontrei Clausuras em cena. Também quase nenhum dito. Encontrei-os em mim, após as sensações despertas, os desejos escritos, o peito aberto. Vá lá saber se quem viu no mesmo dia que eu encontrou isso tudo ou não. Ouso dizer apenas que todos sentiram (algo). Só espero que ninguém tenha sentido cansaço, como eu também não senti. Mas se foi isso que despertou, então, que seja bem-vinda também essa sensação!

*


Ficha Técnica



- Intérpretes Colaboradores:
Angela Spiazzi
Gabriela Peixoto
Raul Voges
Débora Wegner
Gelson Farias (estagiário)

- Participação Especial:
Simonne Rorato

- Direção e Concepção:
Carlota Albuquerque

- Orientação de Ensaios
e professora convidada:
Simonne Rorato

-Preparação Física:
Anjos do Corpo

- Iluminação:
Guto Grecca

- Trilha Incidental:
Alvaro Rosacosta

- Trilha Pesquisada:
Terpsí Teatro de Dança

- Figurinos:
Curso Técnico em Produção de Moda - SENAC/Canoas - Moda e Beleza
Coordenação e Criação: Anderson de Souza
Criação/aluna: Luciana Bernardes
Criação/colaboração: Carla Meyer

- Cenário:
Terpsí Teatro de Dança
Proposta de criação inicial - Curso de Design de Interiores/ULBRA
Alunos: Ismael Bertamoni e Gabriela Souza/Designer: Marco Chiela
Profª: Mônica Heydrich (Artista Plástica) Rosane Dariva Machado (Arquiteta)

- Cenotécnico:
Paulinho Pereira, Tio Paulinho

- Assistentes de Montagem e Palco:
S.O.S Daughters
Alana Haase

- Montagem e Edição de Áudio:
Murilo Assenato

- Operação de luz:
Gilmar Rosa

- Descrição do Processo de Criação (Caderno Registro):
Wagner Ferraz – Processo C3 Grupo de Pesquisa

- Fotógrafo:
Cláudio Etges

- Assessoria de Pesquisa:
Processo C3 Grupo de Pesquisa, Anderson de Souza, Francine Pressi, Wagner Ferraz


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