5 de dez. de 2009

Adolescer

Foto: Vanja Ca Michel

Perto dos 30

É bastante difícil pra mim falar sobre a adolescência uma vez que a minha foi muito diferente da maioria das pessoas que, hoje, são minhas amigas... Sim, eu tive amigos. Sim, eu fiz festas. Sim, eu vi meu corpo mudar e descobri minha sexualidade. Mas meus amigos e eu só sabíamos falar de assuntos relacionados à igreja. Minhas festas eram animadas por bandas católicas. E minha sexualidade foi ordenada por uma série interminável de normas sendo a principal delas a postergação do sexo para após o matrimônio. Parece mentira que eu fui adolescente nos anos 90,quando todos da minha idade ou mais jovens que eu viveram sua adolescência como é recomendado que ela seja vivida em “Adolescer”, espetáculo roteirizado e dirigido por Vanja Ca Michel. Talvez, ao falar do espetáculo, eu fale também de mim, uma fração de público apenas, autor dessa crítica que interessa pouco se não for sobre o espetáculo em questão. Vamos a ela, então.

“Adolescer” é uma peça fácil. Não há nela nenhum aprofundamento entre as duas mil questões que foram colocadas no roteiro. Tudo gira em torno de discursos prontos sobre a questão da adolescência, suas crises, suas belezas, seus desafios. Tem dez atores, nenhum cenário, uma trilha sonora que consiste na organização de músicas bem conhecidas do grande público, e figurinos tirados do guarda-roupa dos atores. “Adolescer” teve a maior platéia que eu já vi na Sala Álvaro Moreyra, com pessoas sentadas no chão, cadeiras extras esgotadas, gente indo embora porque realmente não havia mais espaço. Um espetáculo que está há seis anos em cartaz e que, dadas as devidas atualizações do texto, ficará anos ainda com platéias a lotar, por favor, salas maiores e com mais conforto.

Discorda totalmente de mim quem diz que “Adolescer” é uma peça ruim. A superficialidade assumida em todos os aspectos estéticos da produção dizem respeito ao conteúdo, à imensa quantidade de assuntos a discutir em pouco tempo e de um jeito tão cativante. A linguagem é rápida, extremamente acessível e disposta a atingir a identificação de todos a que ela assistem. Adolescentes e suas famílias são, sim, privilegiados. Mas idosos e crianças não deixam de receber um convite para a identificação, tanto com seu próprio passado como com alguém que conhece ou com um desejo que ainda querem realizar. O ponto de vista de quem tem por volta de quinze anos sobre seus pais, professores, amigos e interesses é exibido através de cenas bastante rápidas, livres e leves. As interpretações são rasas, coerentes com o todo, garantindo uma coesão espetacular digna dos aplausos que tem. Podemos perder nosso tempo procurando falhas que não encontraremos nada que não seja fora da proposta muito bem-vinda e otimamente bem recebida. Disposta a um prazer rápido, “Adolescer” faz pensar, promove discussão, promete mudanças. É um espetáculo assumidamente comercial,mas extremamente social. Cumpre o que promete, agrada e faz sucesso.

É certo que o ritmo cai no final quando os discursos começam a ficar mais diretos e com pouco envolvimento narrativo. Numa cena em que os amigos estão juntos sabe-se lá onde e porquê, acontece uma sequência de frases-chave sobre “não beber antes de dirigir”, “aborto”, “relação com os pais”, “não-discriminação/não-preconceito”, etc. Diferente do que acontece até a metade da peça, nesse momento as questões não são colocadas sob o pano de fundo de uma cena, mas enviadas de forma direta e sem rodeios. É quando “Adolescer” cansa, prepara o seu final, que acontece de forma muito rápida, e se despede. Diz adeus a um público que riu muito com as figuras engraçadíssimas construídas em cena (o casal de emos, o professor de inglês, o nerd, a gordinha que quer ser modelo,o professor gostosão, o pegador de aparelho, a ascensorista...), se emocionou com os momentos mais dramáticos (a mãe recolhendo o suéter, a gravidez em má hora...)e refletiu com as teses expostas, quase sempre, de forma muito viva e jovial.

Despede-se do público, também, a própria Vanja, a grande responsável por esse projeto tão bem quisto e tão cheio de valores. Chama a platéia de linda, concordando com a forma tão gentil com que recebeu seu imenso público na entrada, e ressalta o convite para que seja mais procurado o teatro gaúcho, do qual ela faz parte e luta por. Nos despedimos também de João Carlos Castanha, ator que engrandece o elenco jovial com a construção de personagens que deixam a história muito mais rica do que já é. E, sobretudo, de um elenco tão carismático quanto a história que conta, essa que todos, de um jeito ou de outro, temos ou teremos.

Inclusive, perto dos 30, eu.


*

Texto e Direção: Vanja Ca Michel

Elenco:
Bibi Rositto
Willian Molina
Rafael Pimenta
Lucas Ortiz
Luana Valada
Fernanda Marques
Wagner Padilha
Jeferson Cabral
Débora Spadotto
e
João Carlos Castanha

Orientação: José Outeiral
Coreografia: Malu Kroeff
Iluminação e Produção: Moa Júnior

3 Comentários:

Unknown disse...

Nossa, adolescer!!! Lembro ter assistido a peça uma vez em Lajeado e outra em Teutonia. A peça foi adorada por todos, obvio, eramos adolescentes e caia super bem no nosso contexto. Nao sei como anda a peça hoje, mas super recomendo.

Unknown disse...

Complementando a observação sobre os figurinos da peça.Os figurinos do Adolescer são das Lojas: Thithãs, Maria da Praia, Gang e Short Fuse, além de camisetas do Kzuka e Universitário que são algumas das empresas que dão Apoio Cultural a peça.

Helena Mello disse...

Só fui ver ontem. Postei no meu blog. Mas vim aqui te ler pois sabia que encontraria comentários que me interessariam, como sempre.

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