21 de jul. de 2009

Primeiro as Damas


Foto: Isa Reichert

Faixa Amarela

“Eu quero presentear
A minha linda donzela
Não é prata nem é ouro
É uma coisa bem singela
Vou comprar uma faixa amarela
Bordada com o nome dela
E vou mandar pendurar
Na entrada da favela”


Sempre que toca essa música na minha casa eu e minha amiga, que é mestranda em Administração, rimos por algum motivo qualquer da letra. Resultado: ontem, na comemoração do “Dia do Amigo” pendurei na porta da nossa casa uma faixa amarela com o nome dela escrito. Não preciso dizer que o riso tomou conta da tarde até o momento em que a tal faixa enrolada foi parar dentro do armário dela. O presente estava dado.

Mas qual era o presente? Uma faixa simples, dois metros e um pouco mais, talvez? Não. Meu presente foi a lembrança.

(Uma vez um personagem em um filme, peça, programa de tv, livro, não-sei, me disse: “Se você não quer construir uma relação, não construa história. Não há história sem relação.”)

A simplicidade do objeto dinâmico (num vocábulário de C. S. Peirce) não está na mesma medida relacionado à riqueza do objeto imediato. O primeiro é a existência concreta e real da faixa. O segundo é o signo e todo o sistema que ele propõe. O pedaço amarelo de tecido custou muito pouco. A lembrança é de grande valia. “Primeiro as Damas” custa quase nada. As risadas dadas têm um valor que não é possível medir.

Um microfone no proscênio e um banner atrás. No meio, algo como quatro e sete minutos para preencher. Já lembrava Bahktin que a relação cronotópica (tempo e espaço) é justamente característica da arte dramática (ele estudou literatura) justamente porque abre uma fenda vertical no espaço e no tempo em que historicamente habitamos, além de produzir um meio de relacionarmos horizontalmente esse momento histórico-dramático com outros similares ou díspares. Para Cris Pereira e Lucas Krug, o tempo é o espaço a preencher. E o espaço leva tempo ou tempo lhes falta para ocupá-lo todo. O conflito do stand-up comedy ou espetáculo-do-tipo-terça-insana (“terça insana” – com minúsculas – virou bombril ou maiz(s)ena) é justamente esse: vencer a ocupação do espaço-tempo, diminuindo as tensões entre os dois.

De uma forma geral e superficial poderíamos identificar uma relação entre os seis personagens: O primeiro, Rodson dos Anjos, se anuncia como o mestre de cerimônias do “Primeiro as Damas”. O último, Fagundes, é um artista. Sucede o primeiro já citado, cuja história se estabelece apartir da feiúra, um segundo, Frederico Alberto, bastante feio também e que não se importa com as piadas que os colegas fazem dele, não se considerando, assim, vítima de preconceito. Nesse caminho, sucede-lhe Jorge, um homossexual dono de borracharia. Embora tenha tentado, não consegui forçar, como fiz até aqui, uma relação entre Jorge e o Seu Cucar, um vovô de 98 anos que tem uma ereção anual e sua fraldas geriátricas. Tampouco desse com Claudiovaldo, gerente de flanelinhas e vendedores de bala de goma. O modo desse último encarar seu ofício, uma arte, pode ser relacionado com Fagundes, se quisermos finalizar um processo inútil de união entre os personagens que compõem o quadro. “Primeiro as Damas”, cujo título não se explica, não é um espetáculo temático. Entre os mil quadros do Zorra Total, que completa dez anos esse semana, não há uma ligação objetiva.

“Primeiro as Damas”, direção de Eduardo Holmes, é um espetáculo de humor rasteiro. Embora nem todas, a maior parte das piadas gira em torno de sexo (feiúra, homossexualidade, impotência, ereção, zonas erógenas,...) e escatologias (merda, diarréia, mijo, vômito, ranho,...). Para mim, considerando o talento dos dois atores, a opção por utilizar esses temas me leva a refletir sobre dois aspectos:

1) Humor rasteiro e mal humor são coisas diferentes. O espetáculo é muito engraçado e dizer algo diferente disso é sustentar uma hipocrisia que não leva a lugar algum. Em agosto, com Lucas Krug no elenco, está para estrear uma comédia de Moliére. Há alguns anos, com Jorge Dória no papel principal, eu vi o mesmo texto clássico ser apresentado. Escatologias e sexualidade, assim como piadas políticas, fizeram muito bem ao texto francês de 1668 na montagem do início do novo milênio;

2) Lucas Krug e Cris Pereira, os dois atores, tenho certeza, aprendem algo novo sobre o gênero a cada nova apresentação. No youtube, é possível conferir as diferentes versões do mesmo quadro. A aposta no certo deixa claro a inexperiência, essa, aos poucos, passível de ser abandonada.

Vencer o tempo não é, contudo, desafio de todo ultrapassado pela dupla. Quadro após quadro, a sensação é a mesma: começamos bem e, daí para diante, o ritmo cai. Nessa caída, chegam até nós as raseirices já citadas. Num dos quadros, por exemplo, Krug interpõe, sem motivo algum, um comentário sobre seus testículos estarem divididos como os gomos de uma bergamota. A imagem é engraçada, mas, por estar sem contexto, exibe nitidamente a força que está sendo feita para agradar. Força essa desnecessária porque, como um todo, “Primeiro as Damas” agrada muito. Outro quadro sucede o anterior, e o ritmo volta a crescer num preenchimento de uma hora e meia. Tanto um ator como o outro, exibem personagens incrivelmente diferentes. Não só o figurino, mas a voz e a postura se modificam num uso de máscaras bem próprio do que se construiu como comédia ao longo dos séculos. A direção é limpa e o tempo, que poderia ser um pouco menor, é preenchido de forma variada. É na pobreza de “Primeiro as Damas”, sem passos de dança, grandes cenários, figurinos rebuscados e luzes coloridas que se concentra o valor da relação dos atores e sua platéia. E é nessa relação que se baseia o nosso riso despretensioso e saudável.

Despretensioso e saudável como a comida equatoriana que minha amiga fez para mim, ela que nunca cozinha nem pra ela. Ou como a música de Zeca Pagodinho.


*
ELENCO:
Cris Pereira
Lucas Krug

Direção: Eduardo Holmes
Branco Produções

7 Comentários:

Nicole Soares disse...

" A aposta no certo deixa claro a inexperiência..."
Inexperiência? Eu tenho é que rir!!
aaiushaiush Meu Deus!
Creio eu que o autor dessa postagem realmente não conhece 'Cris Pereira' e nem o trabalho dele. Lucas Krug também é genial e não posso falar nada porque não conheço sua estrada de carreira, mas aposto que tem uma linda história de belos trabalhos, por sua presença no palco! Poxa! Mas Cris Pereira é renomado, premiado internacionalmente e filho de Lourival Pereira, diretor dos filmes do Teixeirinha. Usar o termo "inexperiência" realmente é inaceitável. Melhor pesquisar bem antes de postar comentários sem o menor sentido. E quanto a "humor rasteiro", me soa como uma certa inveja ou até mesmo falta de humor desse autor. Parabéns Cris e Lucas, tive o prazer de conhecê-los e hoje sei as pessoas maravilhosas que são, donas de talentos invejáveis.

Atenciosamente

Nicole Soares

Anônimo disse...

vc é daqueles "invejosos" que chega arde !

Anônimo disse...

Que critica besta, puta merda!

Pedro Santos Silva disse...

O Primeiro as Damas era mais engraçado qdo tinha o Alex Riegel no elenco e principalmente antes de ter este formato formato atual.

Uma verdadeira pena eu diria pois não se vê mais a dupla fazendo o espetáculo por que gosta ou para se divertir mas sim para arrecadar.

Maria Ramos da Rosa disse...

Nicole, não vejo genialidade nenhuma em nortear um espetáculo falando de ânus e pênis, fezes e secreção do nariz ou, na linguagem chula, cu e pica, merda e ranho.
Achei rasteiro também este tipo de humor deles quando vi na Amrigs.

Outra coisa, conheço a filmografia do Teixeirinha e se me permite uma pequena correção, de DOZE filmes lançados, o sr. Lourival Pereira foi Assistente de direção do "Na Trilha da Justiça" de 1976e "Gaucho de Passo Fundo" de 1978.

Portanto, cara Nicole, antes de falar ASNEIRAS, pesquise e se informe direitinho.

Renato disse...

Gostei da crítica, pois a genialidade dos atores não está simplesmente no uso de termos ditos chulos, mas sim na naturalidade como encaram tais situações, dá um aspecto mais próximo e intimista, tornando-os "amigos" da platéia. Nicole, acho que você não compreendeu muito bem a expressão do autor da crítica quando diz que: " A aposta no certo deixa claro a inexperiência...", se ler atentamente verá que o autor diz isso fazendo referência ao fato dos atores reconstruírem suas personagens a cada espetáculo, não apostando no certo! ou seja, quando o autor faz essa afirmação, logo após já faz menção que esta situação não é o que ocorre em primeiro as damas. na minha opinião: hilariante!

Anônimo disse...

Acho esses caras uns gênios porque os personagens são todos pessoas que fazem parte das minorias, o radialista (quantos radialistas tu conhece?), o nerd que não considera bulling o que fazem com ele, o borracheiro homossexual, o idoso, o flanelinha e o cantor de música galdéria com pouca fama que tem suas composições roubadas. Todos falando de sua vida de forma cômica. Mas a graça não está nos assuntos considerados "humor rasteiro" mas sim nas situações inusitadas pelas quais cada personagem passa. Mesmo sendo assuntos muito utilizados na maioria das piadas que conhecemos (perdendo só para portugueses e loiras) foram muito bem trabalhados para serem inovadores e não repetitivos. Acho que você devia rever sua crítica.

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