15 de nov. de 2011

Maldito coração, me alegra que tu sofras


Foto: Nathália Schneider

Clássico
Maldito coração, me alegra que tu sofras” é um clássico. Mas o que é um clássico? Quando a palavra não se refere a uma obra vinculada ao classicismo, ela quer dizer peça (filme, música, artes plásticas, cênicas, arquitetura...) que, ao longo do tempo, teve o seu valor reconhecido e ratificado, de forma que, então, passou a figurar no repertório básico que deve ser conhecido por todos aqueles que se interessam pelo tema. A trindade Vera Karam, autora do texto; Mauro Soares, diretor do espetáculo; e Ida Celina, intérprete do monólogo, são os responsáveis pelo sucesso que fez, dessa peça teatral, um objeto que não deve deixar de ser conhecido por quem se interessa por teatro gaúcho. O problema (?) é que o teatro acontece apenas no ato de sua apresentação, de forma que, diferente das outros exemplos, quem não lhe assistiu quando estava em cartaz, não poderá ter acesso a ele até que, um dia, volte a ser apresentado pelos mesmos responsáveis (porque, também diferente dos outros exemplos, não é possível desvincular uma peça teatral de quem a faz, ou se terá outra peça com outros fazedores.)

Lançado em 1996 e apresentado centenas de vezes nos últimos quinze anos, a encenação permanece viva e pulsante. O texto que dá a ver uma mulher a modificar a própria história no momento em que ela mesma a conta, ilumina uma personagem que se conhece enquanto se apresenta a desconhecidos. Seu passado ganha novas cores quando é visto pelo olhar do presente, o que é, sem dúvida, uma bela metáfora para o teatro que renasce em cada início de apresentação, fazendo pontes com as apresentações anteriores e as decisões estéticas próprias do processo de ensaios, mas havendo o inevitável e essencial esforço no apagamento das repetições expresso pela intenção vital de parecer novo. “Maldito coração, me alegra que tu sofras” vence a barreira da cristalização, a morte do teatro, deixando ela para o texto dramático, a vida da literatura.

A direção de Mauro Soares é pontual, equilibrada e correta. Por correta, quero dizer que o diretor torna teatro o que é literatura: estabelece variações de ritmo no contexto do tempo e do espaço tridimensional, mobiliza os signos para a evolução da narrativa, articula as ideias expressas através da atriz, do figurino e da maquiagem, da luz e do cenário de forma a construir uma estrutura coesa e coerente. Ida Celina explora os vários níveis, percorre espaços, interage com o público, propõe. A narrativa se estende em ascendência, utilizando a seu favor qualquer marca de previsibilidade possível.

Ida Celina está excelente. Nela é possível identificar positivas explorações de diversos níveis de tonalidade e força na voz, nos movimentos corporais, nas direções do olhar. A personagem é vista com tantas marcas de verossimilhança que a catarse necessária para a boa fruição da peça encontra lugar confortável para o seu estabelecimento. Ida emociona, faz refletir, enternece e diverte. Nela, está o teatro que é uma ideia em Karam e uma intenção em Soares. Nela está o perigo de encontrar-se com o público, a impossibilidade de parar no meio da apresentação e o merecido aplauso final.

“Maldito coração, me alegra que tu sofras” é um dos tijolos que dá base para o teatro gaúcho no âmbito de sua história contemporânea conhecida. Da fundação do Teatro de Equipe pra cá, poucas produções tiveram e têm a mesma importância. Porque ainda temos a possibilidade de assistir-lhe, devermos agradecer pela oportunidade e acorrer.

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Ficha técnica:
Atriz: Ida Celina
Texto e Trilha Sonora: Vera Karam
Direção: Mauro Soares
Cenário e Figurino: Alexandre Magalhães e Silva
Iluminação: João Acir
Operação de Luz: Antônio Carlos Brunet
Operação de Som: Fernando Zugno
Produção Geral: Fernando Zugno

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