1 de mai. de 2009

IntenCIDADE 1ª: Voar


foto: Patricia Dyonisio

Intensão - Intenção: para além de uma reflexão etimológica

É dito mais ou menos assim:

“Quando as pessoas acendem as luzes de suas casas é porque estão querendo se comunicar.”

E me mexi na cadeira. Nunca acendi a luz da minha casa para me comunicar. Já telefonei. Usei internet. Fui ao pé do ouvido e já falei em megafone. Tal Fernando Pessoa, escrevi minhas cartas de amor ridículas...

Mas nunca acendi uma fucking luz da minha casa para isso.

Fiz, sem saber que estava fazendo.

... Sem intenção. E sem intensão.

Existe uma diferença na origem etimológica da dupla intensão/intenção. As duas vêm do latim, mas a primeira vem de intensio e a segunda de intentio.

Com S, traz força, aumenta a tensão, é com veemência. Há uma organização. É-se intenso quando se coloca todas as energias e forças e vontades na realização de um ato. Quando há concentração, harmonia, arregimentação. O Grupo Sarcáustico, por exemplo, transmite essa idéia através de seu blog, pela sua presença nas reuniões, encontros e eventos culturais na cidade. Tem cinco espetáculos na manga, abriu uma escola de formação e foi o grupo que mais troféus levou para a casa na noite da premiação Açorianos-Tibicuera. Podemos dizer que é um coletivo de atores com uma intensa participação em Porto Alegre.

O mesmo falta ao espetáculo “IntenCidade 1ª: Voar”, em cartaz no Terraço da Usina do Gasômetro.

Com Ç (t), lembra-se o objetivo, o fim, o propósito, o intento, o intuito, seja ele com ou sem hiato. O processo anterior gera um produto, mesmo que tenhamos horror ao mercado. O produto é sempre a realidade presente, o aqui e o agora que existem como posteriores a um antes e um sei lá aonde e anteriores a um depois e um sabe deus aonde for. O Grupo Sarcáustico apresenta-se como disposto a ser mais um grupo atuante, com suas especificidades, independente de outros grupos. Livres, mas não deslocados. O que fizeram até aqui é anterior ao que são hoje, podendo ou não haver relações. Eu acho que há.

Acho também que sempre deveria haver total relação entre a intensão e a intenção. Ou pelo menos, que, quando não houvesse, o resultado sempre fosse positivo. Infelizmente nem sempre isso acontece.

“IntenCidade 1ª: Voar”, no aqui e agora do palco improvisado a céu aberto nesse outono porto-alegrense, como toda peça, não deixa claro qual foi o processo utilizado. Nem deveria. Mas está dado que a intensão não se concretiza na intenção porque não conseguimos ver a segunda, confiantes de que houve uma primeira. Há um quantitativo distribuir de situações incoerentes entre si e que não configuram uma lógica intencional. E ausência de lógica, se for o caso, é uma lógica antes de tudo.

O céu aberto em lugar do urdimento deixa livre um campo aberto onde acontecem três prisões. A dramaturgia de Felipe Vieira de Galiesteu, tradução de seu próprio conto (Mara!) para o teatro, está dividida em três situações fechadas e uma aberta. Rodrigo Marquez de um lado, Rossendo Rodrigues, Ricardo Zigomático e Guadalupe Casal no centro, e Aline Grisa e Tatiana Mielczarcski do outro lado, embora considerem o público, vivem abrigados pelas quatro paredes cênicas, envoltos em suas narrativas. São três momentos que, ora se aproximam, ora se distanciam, privilegiando o público no seu esforço (tensão) em contar sua história. De todo o elenco, é em Guadalupe Casal e em sua aplaudível depédível interpretação que se concentra nossa tensão (esforço) em fruir o ambicioso espetáculo dirigido por Daniel Colin. Afora, um quarto lugar é criado na dramaturgia: um espaço fronteiriço entre o que se propõe como palco e o que vem a ser quebra com a platéia. Há uma narradora-psicóloga (Paola Oppitz), que recebe o público dizendo querer falar algo, e que passeia pelos momentos se colocando entre nós e as três situações (precisamos disso?). Com ela, três assistentes preenchem (não vi nenhuma outra função para elas) o espaço e esvaziam o sentido auxiliadas (assistentes precisam de auxílio?) pelo próprio diretor que, em microfone aberto, anuncia momentos da peça. A intensidade vai por água abaixo. E IntenCidade também.

A tensão (organização física e mental) em sorver as belas imagens e as fortes relações se quebra com interposições de cenas baseadas em video-game e em novela mexicana. Longe do bem sucedido exemplo do musical Chicago, a dupla Colin e Galisteo pasteurizam a dureza das situações propostas já literariamente na base-conto com músicas, coreografias e frescurites como uma TV. Você, platéia, está completamente dentro da história, mas alguém, quem antes te pediu pra entrar, agora manda você sair: é uma marcação do ator Rossendo Rodrigues que caminha perigosamente sem proteção alguma na mureta do quarto andar da Usina do Gasômetro (isso nem deveria ser permitido!), é outra marcação do tipo “faço teatro aventura” do ator Rodrigo Marquez que pula também num elevado no mesmo quarto andar sem proteção, é um texto que saiu da literatura, mas que cujas palavras ficaram nela, é uma trilha sonora que conversa com os figurinos mas não com a narrativa, é a escolha por um espaço que não combina com a intimidade e a fluidez do conto... A sensação é a mesma de você estar absorto numa sala de meditação e um celular toca quebrando toda a sua concentração. A produção de “IntenCidade 1ª: Voar” se boiocota, não fica intensa e não atinge intento narrativo nenhum. A gente sai achando “a galera animada”, mas sem entender o que viemos viver ali.

Ficam a plástica de ótimos figurinos e belas imagens. Fica alegria sarcaustiana de gritar que é jovem e que jovem tem talento. Fica a infelizmente não aproveitada atuação da dupla Aline e Tatiana e as gratas força de Rossendo Rodrigues em seu mostrar a que veio com aquele personagem como também a sensibilidade de Ricardo Zigomático com o seu. Fica a cidade ao fundo do palco (e o pôr-do-sol do Guaíba ao fundo de nós) com suas luzes acendendo e comunicando mesmo que inconsciente, coisa que a personagem psicóloga-narradora, de fato, não consegue fazer. (Embora, o conto sim!).

Tudo isso fica, mas a platéia apaga a luz e sai.

*

*

FICHA TÉCNICA:


DIREÇÃO: Daniel Colin


DRAMATURGIA: Baseado no texto “Quando Amanhecer Teu Sorriso Será Mais Bonito”, de Felipe Vieira de Galisteo


ELENCO: Aline Grisa, Ariane Guerra, Fernanda Petit, Guadalupe Casal, Paola Oppitz, Ricardo Zigomático, Rodrigo Marquez, Rossendo Rodrigues, Tatiana Mielczarski e Vânia Tavares.


CRIAÇÃO DE LUZ: Carol Zimmer
SONOPLASTIA: Daniel Colin e Fernanda Petit
FIGURINOS: Francisco de los Santos, Daniel Colin, Felipe Gonçales e Fernanda Petit
CENÁRIO: Daniel Colin
ACESSÓRIOS: Felipe Gonçales
CRIAÇÃO e EDIÇÃO DE VÍDEO: Daniel Colin


PRODUÇÃO EXECUTIVA: Palco Aberto Produtora


REALIZAÇÃO: TEATRO SARCÁUSTICO

2 Comentários:

petit disse...

Concordo e discordo

te adoro e te odeio

e acredito que nós os JOVENS ainda vamos te incomodar ahahahaha
adoro

Anônimo disse...

Acho boas as observações mas tento ainda decifrar o que Daniel quis dizer. Gostei da ousadia de um espaço "comum e incomum". Sem grandes atuações, mas ótima direção. Parabéns ao Sarcáustico e estarei esperando IntenCidade 2ª

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