3 de set. de 2010

As artimanhas de Arlecchino


Foto: Caroline Bococchi

As artimanhas da Cia. Il Trucco

Perde tempo em Porto Alegre quem ainda não viu Giuli Lacorte em cena. Dono de movimentos absolutamente precisos, o jovem ator/bailarino é hábil em demonstrar uma consciência corporal que o deixa à vontade com os próprios contornos expressivos, protagonizando o espetáculo “As artimanhas de Arlecchino” e levando a produção aos seus melhores momentos. Com uma direção falhadamente coletiva, o Grupo Il Trucco leva ao cabo uma adaptação de “Alerquim, servidor de dois amos”, de Carlo Goldoni, cheia de boas intenções e algumas realizações bastante positivas.

O grupo é formado por um elenco de jovens atores, a maioria deles, incluindo Lacorte e Sofia Ferreira, os mais experientes em cena, em seus primeiros trabalhos profissionais. A montagem surge do trabalho de conclusão de curso de Filippi Mazutti e de Nátali Karro e fez a última temporada num projeto da Coordenação de Artes Cênicas da Cidade de Porto Alegre chamado Novas Caras em que a entrada é franca, ou seja, sem lucro financeiro para o grupo. Daí que é uma pena que o texto de Goldoni não seja apresentado na íntegra e, ao espectador interessado, não fica claro porque, afinal, não foi. A opção dos cortes do grupo, no entanto, não deixa a desejar, mantendo o texto em sua essência. Goldoni, que viveu durante quase todo o século XVIII, coloca no papel uma história popular da Commedia Dell’Arte, um gênero originariamente italiano, e que fizera muito sucesso nos dois séculos anteriores a ele. Ao longo do século, o que acontece é que o improviso “cai de moda” com a ascensão do racionalismo, embora o gênero tenha feito o contraste com o duro classicismo concomitante. Assim, não há Commedia Dell’Arte sem improviso e não há improviso sem atores disponíveis, hábeis e talentosos. Não há cenário e o roteiro, como se sabe, era traçado em poucas linhas: o enredo era mais importante que as falas, esse desenvolvido por atores interpretando personagens extremamente codificados. O Arlequim, o Dottore, o Pantalone, a Mocinha e outros eram construções que existiam ( e existem) independente da história, tamanha era (e é) a força de sua construção. Com toques animalescos, cada personagem tem movimentos muito precisos, uma máscara específica e contornos historicamente registrados. Em cena, o que se vê é todo esse repertório teoricamente construído, mas pouco corporal até mesmo, em alguns momentos, em Lacorte. Filippi Mazutti é um exemplo disso quando, no espectador, fica a impressão de que seus movimentos chamam mais a atenção enquanto proposta do que enquanto movimento mesmo. Em várias cenas, mas não em todas felizmente, sente-se o esforço que o ator faz para executar uma caminhada, por exemplo, essa cuja naturalidade deveria estar mais claramente expressa. O ritmo, que só se ganha em quantidade de apresentações, ainda falta ao grupo que, pela facilidade de sua boa produção, seria bem vindo em todos os cantos da cidade e só faria trazer benefícios às suas próprias formações e à capital gaúcha. A peça cai em vários momentos, fazendo com que o contorno não seja a essencial linha una e crescente, mas um sobe-desce prejudicial, marca de uma produção sem direção.

À Sofia Ferreira sobra ironia e falta superficialidade. Vê-se pouco da “Mocinha” que, somente em si, vale como discussão. Toda forma de aprofundar esses personagens é válida desde que o grupo esteja consciente de que isso pode retirar da Commedia Dell’Arte o seu essencial. Para ser mais claro, podemos imaginar a literatura de cordel em versos decassílabos ou com palavras simbolistas? Certamente, esses recursos literários deixariam os versos populares pesados e sem gosto, eles cuja importância e força se dão pela sua leveza e sua capacidade deboche como todo e não como parte. A voz fina, os gestos redondos e os olhares apaixonados faltam em Ferreira, códigos que foram base para o nascimento do melodrama francês.

O grande contraste da produção está na sua parte plástica. De um lado, a excelência de um figurino que, em tudo, contribui positivamente para o espetáculo. É colorido, forte, marcante como se supõe para uma produção feita para acontecer em qualquer esquina, recuperando as bases do tradicional italiano. De outro, a incoerência de uma trilha sonora que vai desde Berceuse ao musical norte-americano, que protagoniza uma história bem melhor contada apenas pelos atores e suas relações entre si.

A cidade deve se orgulhar de projetos como essas intenções, apostando nas realizações positivas como algumas que a Cia. Il Trucco traz e o concretiza através de um projeto como o Novas Caras.

*

Ficha técnica:
Direção: Coletiva
Roteiro: Filippi Mazutti e Giuli Lacorte
Autor: Livremente inspirado na obra de Carlo Goldoni "Arlequim servidor de dois patrões"
Elenco: Débora Geremia, Fillippi Mazutti, Giuli Lacorte, Nátali Karro, Frederico Vasquez e Sofia Ferreira

Iluminação: Giuli Lacorte
Operação de luz: Lucca Simas
Figurino: Antônio Rabadan e Titi Lopes

1 Comentário:

Anônimo disse...

Ola, meu nome é Angélica sou de Curitiba/PR assisti ARLECCHINO, no festival de Curitiba eu amei, sou atriz e gostaria tb de estar fazendo com o meu grupo de teatro, mas n consigo achar o roteiro, sera q vcs poderião me ajudar de alguma forma caso poder meu email e: angelicasantos59@hotmail.com , desde já agradeço a atenção...obg.

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