9 de fev. de 2010

Kronnus, o ilusionista

Foto: divulgação


 Mágica


Eu nunca tinha assistido a um show de mágica ao vivo. Acho que fui ao circo quando era pequeno, mas realmente não lembro muito bem disso. Em Paris, assisti a dois números em dois lugares diferentes (Moulin Rouge e Lido), mas eu estava tão abobado com o champgne e com a cidade que também não contam muito. E, pela televisão, tudo sempre me pareceu meio falso. Então, fui ver “Kronnus, o ilusionista” na finaleira de mais um Porto Verão Alegre.

Mas o que um “show de mágica” tem de teatral?

Anne Übersfeld, minha deusa, chama de “Denegação” o fenômeno teatral de transformação de um objeto fora da narrativa (ela chama de “objeto do mundo real”, mas aí eu não concordo com ela) num objeto narrativo. Não é como escrever um livro porque a palavra pertence sempre à literatura. As letras são signos gráficos, arbitrários, a palavra cartola nem de longe se parece realmente com uma cartola. Mas uma cartola de mágico se parece com uma cartola existente além do mágico, além do seu lugar cênico, além do Porto Verão Alegre. Não acho nada válido um exercício teórico comum na semiótica teatral dos anos sessenta que trata da sintaxe cênica ou teatral. Uma cartola não é uma palavra na frase cênica. Mas, estando em cena, a cartola ressignifica a cena. Diferente do que diz a própria Übersfeld, eu entendo que todo elemento cênico, e não apenas o ator, modifica outros elementos cênicos. Explico: o cenário é a sala do Rei Arthur e da Rainha Guenevere. Mas o iluminador da peça esqueceu um refletor no chão do palco e ninguém se deu conta disso. Ao abrir o pano, muita gente pensará que esqueceram o refletor perdido. Mas outros poderão pensar que o cenário é, na verdade, um meta-cenário. Atores estão fazendo o papel de atores que estão ensaiando uma cena do Rei Arthur. O refletor, um objeto, modifica ou pode modificar todo um sentido, interfere ou pode interferir em toda a significação. A mágica do teatro, assim, consiste na transformação de um palco em um outro lugar, de um homem em um outro homem, de um sentimento em outro sentimento.

Kronnus, com seu carisma e apurada técnica, com uma mão distrai o público para que não seja visto o truque realizado com a outra. E consegue. Ganha muitos aplausos e a admiração do público. Eu, quem não vi os truques, fiquei pensando no teatro dramático, na hierarquia dos sentidos. Se alguém já esteve no Projac pode testemunhar que a beleza do que vemos na tela nem de longe é o que vemos no estúdio. De perto, é nítido o quanto é fake tudo aquilo. E dificilmente poderia ser diferente uma vez que todos os cenários são desmontados e remontados durante a madrugada todos os dias (cada novela tem um estúdio que não comporta erguidos a média de 40 ambientes internos que cada trama tem). Num limite mínimo, no teatro dramático, o cenário não é um espetáculo a parte: ele conduz o sentido para a cena dizendo: eu sei que eu sou bonito, mas olhe para a atriz, por favor!. Tudo ser organiza para um fim: focar a atenção do público.

E, assim, as histórias contadas pelo mago começam e terminam, começando nas palmas da anterior e terminando com as palmas da próxima. Thiago Neves, o mágico, conquista o público pelo diálogo aberto que tem com ele e sempre traz uma nova surpresa para o nosso familiar deleite. A trilha sonora muito bem posta e escolhida, o figurino nada contraditório, mas, sobretudo, o perfeito desenho de luz têm o poder de nos transferir para aqueles números de mágica que vemos em filmes e lemos em histórias que remetem a passados distantes.

É realmente uma arte muito bonita que não deve morrer.

*

Ficha técnica

Roteiro e Direção - Eduardo Tolledo
Bailarina: Daiane Frigo

Mago: Thiago Neves
Voz em off: Danny Gris
Iluminador –Leonardo Bizarro
Trilha Sonora: Maninho Melo
Operador de Som - Maninho Melo
Assistente Técnico – Aílton Gigante e Marcleo Campos

 


3 Comentários:

disse...

Você se lembra do Teatro Teleco? Aquele que no improviso de quase tudo se sustentava? Aquele que itinerante levava os shows de mágica, as peças, e tudo o mais para os bairros das cidades da nossa região? Pois é... acho que foi lá que assisti o primeiro número de mágica e também a primeira montagem da Chapeuzinho Vermelho. Quanto medo eu senti. Senti medo do mágico que cortou uma mulher ao meio e do lobo mau que queria comer a doce menina.
Nem sei se a ilusão se dá no que vemos (luzes, cores, tecidos, fumaça) ou naquilo que o nosso cérebro quer acreditar. Acho que os mágicos são mágicos só pela arte de nos convencer de que o que ele representa é real - naquela relação de encantamento e hipnose - ainda que não seja.
Sobre os objetos que quebram a cena, acredito que chegamos num estágio em que os símbolos são muito mais uma criação do diretor e dos atores. O fato é que alguns objetos - desses símbolos - jamais serão compreendidos pelo espectador. Muitas vezes, nem com mágica somos convencidos de que o que se apresenta é real ou se propõe traduzir a realidade da história que se conta.
Zé.

Rodrigo Monteiro disse...

Claro que eu lembro do Teleco. Tenho em VHS uma versão da Cinderella feita por eles!!! Mas nesse dia só teve a peça mesmo, não teve mágica... 1996, Gravataí!! ahauhauaha

Anônimo disse...

Muito boas observações, sou fascinado por mágica e pretendo assistir esse espetáculo no próximo Porto Verão Alegre. Minha singela contribuição é o site oficial do mágico de porto alegre

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