6 de fev. de 2011

A milímetros de Mercúrio


Foto: Ricardo Duarte

A quilômetros de distância...

Assim, como Pílula de Vatapá, Dançarei sobre o teu cadáver e Larissa não mora mais aqui, A milímetros de Mercúrio não tem um resultado positivo. E por quê? Por que a avaliação acontece num lugar que não é adequado. Diferente do Tepa, da Casa de Teatro de Porto Alegre, do Grupo Sarcáustico, do Depósito de Teatro e da Oficina Margarida Leoni Peixoto, que também oferecem, ao longo do ano, oficinas e cursos de formação de atores com montagem de espetáculo, a Cômica Cultural insiste mais uma vez no terrível engano de colocar seus alunos na roda de teatro profissional de Porto Alegre. De um lado, desrespeita o teatro profissional de Porto Alegre. De outro, faz mal aos jovens atores que, inexperientes, provam de sabores para os quais ainda não estão preparados. Uma coisa é assistir e avaliar A milímetros de Mercúrio numa Mostra Cultural de Espetáculos de Formação (Aliás, a Cômica realizou essa Mostra no último dezembro), em que todos os participantes são atores que estão iniciando suas carreiras, suas leituras, seus experimentos. Lá qualquer avaliação tem que considerar o processo, lembrar que os novos artistas estão ainda buscando formas de expressão, guardar o muito que ainda falta depois de admitir o belo trabalho que os professores realizaram ao produzir a peça junto aos seus alunos. Atores profissionais crescem ao longo de seus trabalhos, mas atores estudantes precisam crescer. Evoluir, para o estudante, é palavra que o define, que o identifica, que o constrói. No Porto Verão Alegre, no entanto, não se quer saber do processo, da evolução, do aprendizado e dos valores desse estudante. A milímetros de Mercúrio ocupa o mesmo espaço numa grade de programação em que também estão Nove mentiras sobre a verdade, Goela abaixo ou por que tu não bebes?, Pois é, vizinha... , Desvario, Mães & Sogras, Fora do ar, Bailei na Curva, Se meu ponto G falasse, Inimigas Íntimas, O avarento, Dona Gorda, A comédia dos erros e tantos outros espetáculos de altíssimo nível, cujos currículos que os constroem não dependem desse ou daquele curso de formação, mas de anos e anos de trabalho e estudo e vivência. Daí que uma avaliação justa colocará os responsáveis por A milímetros de Mercúrio diante de critérios muito além de suas possibilidades, já que, ao escolher o espetáculo, o grande público, a quem essa crítica se dirige em primeiro lugar, não foi avisado de que o que verá é nada mais que um trabalho de formatura em nível médio (o nível superior seria de um espetáculo fruto de um Curso de Graduação em Artes Cênicas na UFRGS ou na UERGS).

Sem nenhuma exceção, nenhum ator tem preparo vocal adequado. As palavras se perdem na ausência de boa dicção, de volume, de força, de entonação. A situação pra quem ouve fica ainda pior numa das cenas finais em que todos dizem o texto usando máscaras.

O trabalho corporal é pífio, com algumas esparsas exceções em Fabrizio Gorziza e Gisela Sparremberger. As ações se resumem em levantar, mexer-se, ocupar o espaço cênico e produzir sem método uma imagem fixa. É visível não haver incorporação do texto e do personagem, havendo total ausência de construção do mesmo um pouco além da “casca”.

A dramaturgia é um exemplo comercial (e ofensivo) do Pós-dramático. Resulta de uma compreensão equivocada de que ser contemporâneo (Ryngaert), e, pior, ser pós-dramático (Lehmann) é simplesmente misturar vários personagens e muitas histórias num roteiro narrativo fragmentado. Em A milímetros de Mercúrio, há sete atores. Cada um conta uma pequena história no início. Ao longo da encenação, essas histórias são esquecidas e retornam, se modificam e retornam novamente, fazendo o público rir, ou, ao menos, se mexer, apenas nos momentos em que palavrões ou referências a sexo surgem gratuitamente (e é praticamente só isso que acontece na construção do personagem mais velho), o que deveria envergonhar qualquer dramaturgo. Outros personagens surgem, outras histórias e situações aparecem, o que é formalmente pós-dramático. Mas o teatro estudado por Lehmann não está na forma, mas no conteúdo. E conteúdo não há. As histórias e as situações expostas não se relacionam entre si e nem oferecem possibilidades de relação no âmbito de sua temática, visto que, em primeiro lugar, há um número imenso de plots dispersos, e, em segundo lugar, a linguagem utilizada, de um modo geral, é muito dispersiva, bailando de um tom a outro, de um assunto a outro, de um tema a outro de forma muito rápida. De um lado, por exemplo, temos a total interna desconexão de diálogos que não concordam entre si. De outro, temos a cena das lanternas em que um ator fala em inferno e os demais gritam diabolicamente, ou um ator fala em rasgo e os demais balançam suas luzes em diagonal, numa repetitiva imagetização do discurso, contrário à desconexão recém vista. O cruzamento possível é apenas plástico. Em vários momentos, sabemos que, por haver sete atores, os sete vão falar, os sete vão trocar de lugar, os sete vão jogar com seus pares em duplas ou em trios, os sete vão usar máscaras, os sete vão usar lanternas, e assim por diante.

É interessante, vale dizer, o ponto de partida: a Soneide é um Call Center e os personagens primeiros são funcionários atendentes dessa prestadora de sonhos. Alguns dos textos, giram em torno dos sonhos de cada um e do que fizeram para realizá-los. Retirar, no entanto, esse sistema significativo, e, por isso, passível de produção de sentido junto aos demais, do emaranhado dramatúrgico é tarefa quase impossível. A situação fica ainda pior quando, ao final do espetáculo, numa longa cena, há a dissertação sobre o Mercúrio, sua origem mitológica, suas definições químicas, seus usos na história do mundo e do Brasil. É como se um novo e ruim espetáculo tivesse início antes do anterior ter terminado.

A partir de critérios sob os quais também se avalia os outros espetáculos profissionais anteriormente citados, é preciso que se diga que os aspectos visuais de A milímetros de Mercúrio são excelentes. A ocupação do palco por bambolinas de plastico transparente, a opção por bolas de borracha, o uso de respiradores numa metáfora a um asfixiante Call Center são belos e potentes. A união tonal disso com a paleta de cores dos figurinos igualmente. Sobretudo, há que se elogiar e aplaudir o desenho de luz, de fato, um dos mais belos nessa temporada.

Ninguém nasce sabendo e aprender faz parte da vida de todos. Mas por que fazer entrevista de emprego numa multinacional quando ainda não se terminou o primário? Numa Mostra de Formatura, certamente, o meu recado seria outro:

“Continue estudando, continue descobrindo, parabéns por suas conquistas até aqui e não desista! O teatro pode até viver sem críticos, mas não existe sem atores, por isso, é necessário que você permaneça firme no tortuoso, difícil e desafiador processo de construção do fazer artístico. Por mostrares ter coragem para chegar até aqui, é possível que também tenhas garra para ir adiante. Então, vá!”

*

Ficha técnica:
Texto e Direção: Júlio Conte
Assistente de Direção: Catharina Cecato Conte
Elenco: Alessandro Peres, Gisela Sparremberger, Guega Peixoto, Fabrizio Gorziza, Duda Paiva, Vanessa Cassali e Jordan Martini
Criação de cenário e fiigurino: Grupo
Trilha sonora pesquisada: Júlio Conte
Iluminação: Gabriel Lagoas
Realização: Cômica Cultural
Material Gráfico: Alessandro Peres
Divulgação: Gisela Sparremberger

6 Comentários:

Catharina Cecato Conte disse...

E finalizo dizendo:


Gente, leitores do blog, HOJE, dia 6 de fevereiro, é o último dia! No teatro Bruno Kiefer, A milímetros de mercúrio, ás 21h. Vão lá e tomem suas próprias conclusões, ficaremos felizes com isso!

Anônimo disse...

Finalmente concordo contigo quando se refere ao pós dramático...
Em porto alegre este termo é frequentemente utilizado e também frequentemente equivocado...

Antônio Lima Dutra disse...

Concordo em partes...

O Júlio é um excelente Diretor e, sobre as interpretações eu não poderia opinar sobre os atores que não conheço a não ser um deles: Fabrício Gorciça.

Vi ele no bôdas de sangue do Luciano Alabarse e confesso que fiquei horrorizado com a interpretação fraquíssima dele.

Se tratava de um dos personagens principais e deu prá ver que como Ator ele deixou muito a desejar.

Enfim, com o tempo talvez ele chegue num nível mais elevado.

Volto a dizer, esta é apenas a MINHA opinião sobre o Fabrício como Ator.

Abraços

gigio Comunello disse...

Parabéns à você que consegiu ler esse texto até o fim. Agora o convido a ler alguém que realmente merece o título de "Crítico Teatrl": Antônio Hohlfeldt.

http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=51373

Sandra da Silva Ramos disse...

Se o mundo fosse feito de flores que graça teria?

O Ator vive da crítica e se ele não souber tirar proveito das críticas negativas, que Ator será esse?? Sinto muito mas procure outra área se não souber lidar com os nãos que a vida ns impõe.

De que adianta o crítico passar a mão por cima do Ator e dizer que ele estava "bem" quando na realidade estava uma verdadeira mer%% ???

Sou povão e vi o espetáculo. Acho que a crítica foi meio pesada mesmo sobre o espetáculo.
Por outro concordo que a atuação dos Atores esteve aquém do esperado. De repente mais preparação e oficinas de interpretação cairiam bem a eles.

Não vou citar nomes para não parecer perseguição ao rapaz ou combinação de comentário mas um Ator em específico se destacou dos demais no quesito "abaixo do esperado".

No mais parabéns ao diretor pois a peça estava bem legal.

Miriam Amaral disse...

Vi o espetáculo e gostei. Achei a temática o texto muito bom e as histórias particulares de cada um dos funcionários contrastantes e belas. O cenário e bonito, a luz é bonita, a música muito apropriada e a sensação de sufoco na platéia é imediata. A cena das lanternas no palco é precisa e sublinha o texto dito, e, apesar do que já foi dito, o elenco segura um texto não fácil, dentro de sua experiência, coisa que não raro deixa a desejar em atores "experientes". O que é experiência? Já vi atores mais velhos, saindo do DAD, e completamente canastrões na cena, atores com cancha como se fala. O frescor que vi em a "Milímetros revela inexperiência de um lado e coragem de outro. Concordo com algumas coisas que o Rodrigo vez por outra coloca, mas achei seus comentários rançosos. Foi uma apontação de muita coisa, um metralhar que me deixou um pouco curiosa pelo espetáculo ( e então fui ver) e um pouco desconfiada no tom usado no texto do comentário. Ao Júlio parabéns, ao Rodrigo obrigado pela dica. Depois li também o blog do Júlio e achei tudo mais interessante ainda.

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