Ópera Monstra
Foto: Vilmar Carvalho
22 anos da Cia. Stravaganza
Dois são os fatores que precisam ser apontados sobre “Ópera Monstra”, novo espetáculo infantil que estreia na capital gaúcha. O primeiro deles é que a peça que comemora 22 anos de atividades da Cia. Stravaganza é um espetáculo que dialoga com o público pela forma inteligente com que trata a virtualidade contemporânea. Todos convivemos, cada dia mais, com uma parte de si que é alternativa. Os poderes que os personagens dessa história têm (vida eterna, capacidade de transformar-se, inteligência, etc...) potencializam uma reflexão sobre as limitações do homem real e, ao mesmo tempo, suas necessidades e possibilidades no universo virtual. A convivência entre o que somos e o que podemos/queremos ser nos faz todos monstros (maus ou bonzinhos).
No entanto, é preciso que se aponte que a potencialização não pára na reflexão sobre nós mesmos, mas sobre a realidade dos prédios teatrais da capital gaúcha. A forma intransigente com que a produção ancora no Teatro Renascença, o melhor espaço teatral público da municipalidade, não tem meio termo. Porto Alegre está despreparada para produções que necessitem de recursos outros que não apenas o corpo dos atores. É mais do que necessário um investimento por parte do poder público em equipamento de som e luz para os artistas trabalharem em favor do seu público, nós mesmos. As dificuldades encontradas pela produção envergonham e entristecem. Não bastam boas produções, mas condições adequadas para que elas possam vir a contento. E essa virtual possibilidade precisa se tornar real imediatamente ou correremos o risco de desperdiçarmos o poder que temos. Poder esse expresso, por exemplo, no caso aqui em questão, na dramaturgia.
Em “Ópera Monstra”, há o cruzamento inicial de duas histórias centrais: a Condessa Valéria Dracul precisa arrumar um bom casamento para salvar o castelo de sua família das dívidas contraídas ao longo dos séculos. Mama Lupina, quem cuida da jovem Valéria, é um lobisomem (na verdade, uma lobismulher) que arruma para um bom (rico) pretendente para a jovem vampira. Trata-se de Dom Skelector, uma múmia em avançado estado de decomposição. Em contra-narrativa, temos Dom Skelector, uma múmia rica, que precisa ser mordido por uma vampira para que permaneça vivo eternamente. Os dois objetivos se unem e a história poderia terminar antes de ter começado. Os conflitos, felizmente, aparecem para tornar difícil a concretização dos objetivos expostos inicialmente e a história começar. A Condessa não gosta de Dom Skelector, mas se apaixona por seu assistente, o jovem Frank, uma criatura resultante de uma experiência de laboratório. Frank também se apaixona por Valéria, mas sabe que não tem o dinheiro de que ela precisa para salvar suas propriedades. A origem da fortuna de Dom Skelector passa a ser questionada. Mama Lupina se torna a chave da narrativa: ela fora empregada do pai de Frank, amigo de Dom Skelector, no passado. Ela estava inclusive presente quando o cientista desapareceu misteriosamente depois de ter colocado toda a sua fortuna nas mãos do amigo egípcio. Temos aqui um melodrama atualizado na sua melhor “receita”.
Com exceção de Dom Skelector, todos os personagens são bonzinhos. A múmia é má, o que constrói a dualidade do gênero. A narrativa apresenta um fio condutor bem definido e vários fios auxiliares que se unem no final. Tudo aquilo de que precisam os personagens para atingirem seus objetivos está passível de ser conseguido por mais barreiras que passam existir. É na forma como os personagens avançam em busca do que querem que está o cream of the top da história.Drama é trama. Destramar é contar o que acontece. Uma vez que os movimentos são harmônicos, temos a melodia narrativa que nasceu e cresceu na França do século XVII e XVIII e se tornou popular com o advento do rádio e da televisão, principalmente na América Latina. Aqui, o melodrama ganhou ares de comédia pela potencialização das cores, o exagero das emoções, o alargamento das situações. O melodrama é o gênero narrativo que mais oferece condições confortáveis ao musical, originariamente norte-americano. Tão claro é seu desenrolar que a música ganha importância e pode acrescentar. As músicas fazem, pouco ou muito, com que a narrativa se arraste, o objetivo demore mais para ser alcançado, o que deixa a atenção presa e estimule o espectador à permanecer na assistência até que tudo seja resolvido. A música do musical casa perfeitamente com a melodia do drama.
“Ópera Monstra”, com texto e músicas do gaúcho radicado em São Paulo Ricardo Severo, acontece dentro desses limites, amplos o suficiente para a criatividade do seu autor, seguros o bastante para o espetáculo seja produzido com aprofundamento. Quem dirige o espetáculo é a premiada Adriane Mottola, Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul que dispensa maiores apresentações. Como é comum num musical, a estrela do projeto é o compositor. Nesse caso, não é diferente. Acertadamente, toda a encenação se dirige para as canções e, em volta delas, ficam. Mesmo assim, podemos identificar as contribuições do teatro no andar com lampião de Mama Lupina na abertura, na excelente cena do jantar, entre outros momentos. Nesse contexto, o ator Duda Cardoso expressa o grande valor da direção ao sustentar uma construção cênica que positivamente contribui para o todo. Sem nenhuma fala, o personagem interage critica e humoristicamente com todas as situações. As participações de Cardoso estão na medida certa, ou seja, não levam a concepção para o vazio, mas engrandecem a proposta da direção, oferecendo ao personagem uma série de recursos que o singularizam.
A encenação de Mottola inclui perigosas inserções videográficas. Geralmente dispensáveis, esses recursos, quando mal usados, desfocam a contagem da história. Não é o caso aqui. A diminuição da luz, necessária para que as projeções apareçam, contribui para o tom sombrio da estética apresentada. As inserções se relacionam com os atores que interagem com elas. Não apenas servem para a contagem da história, mas também a contam nos momentos em que as animações comentam a cena.
Ainda sobre os aspectos plásticos do espetáculo, sem a pretensão de esgotá-los, “Ópera Monstra” oferece ao espectador figurinos que situam histórica e esteticamente a história. Sabemos que não estamos na contemporaneidade, embora o tempo seja totalmente definido. A ficção encontra lugar num período que, talvez, nunca existiu. Se algo pode ser dito em negativo, talvez, seja o uso de patins pela personagem Valéria, de Sofia Salvatori, que não encontra par no andar de Mama Lupina, de Janaina Pelizzon. A segunda resolve o seu movimento pelo cumprimento de sua saia e uma composição no andar. Todas as vezes em que vemos os patins da Condessa, o mistério desaparece, o interesse diminui. Em sentido contrário, o pó que emana do figurino de Dom Skelecton, de Lauro Ramalho, é excelente. Com certeza, se soubéssemos o que foi utilizado para que esse efeito se estabelecesse, o interesse não seria o mesmo. De um modo geral, elenco de “Ópera Monstra”, em conjunto, apresentam construções que fazem destacar a produção como um todo, o que é um valor.
As músicas compostas por Ricardo Severo, que também escreveu as canções de “Por um punhado de jujubas”, sucesso da Cia. Stravanganza, há vinte anos, se relacionam com a história de forma natural. Sem que haja um tema musical que una a narrativa e a identifique, as canções identificam ora os personagens, ora o desenrolar das tramas. O destaque está para a “Dança da Dona Skelectite” que, sem dúvida, “gruda” no ouvido como as boas frases musicais que fizeram do gênero o que ele é.
Esta é a dança da Dona Skelectite
Esta é a dança da Dona Skelectite
Ela anda assim de lado
Ela acha que é chique
É a dança da Dona Skelectite
Dois são os fatores que precisam ser apontados sobre “Ópera Monstra”, novo espetáculo infantil que estreia na capital gaúcha. O primeiro deles é que a peça que comemora 22 anos de atividades da Cia. Stravaganza é um espetáculo que dialoga com o público pela forma inteligente com que trata a virtualidade contemporânea. Todos convivemos, cada dia mais, com uma parte de si que é alternativa. Os poderes que os personagens dessa história têm (vida eterna, capacidade de transformar-se, inteligência, etc...) potencializam uma reflexão sobre as limitações do homem real e, ao mesmo tempo, suas necessidades e possibilidades no universo virtual. A convivência entre o que somos e o que podemos/queremos ser nos faz todos monstros (maus ou bonzinhos).
No entanto, é preciso que se aponte que a potencialização não pára na reflexão sobre nós mesmos, mas sobre a realidade dos prédios teatrais da capital gaúcha. A forma intransigente com que a produção ancora no Teatro Renascença, o melhor espaço teatral público da municipalidade, não tem meio termo. Porto Alegre está despreparada para produções que necessitem de recursos outros que não apenas o corpo dos atores. É mais do que necessário um investimento por parte do poder público em equipamento de som e luz para os artistas trabalharem em favor do seu público, nós mesmos. As dificuldades encontradas pela produção envergonham e entristecem. Não bastam boas produções, mas condições adequadas para que elas possam vir a contento. E essa virtual possibilidade precisa se tornar real imediatamente ou correremos o risco de desperdiçarmos o poder que temos. Poder esse expresso, por exemplo, no caso aqui em questão, na dramaturgia.
Em “Ópera Monstra”, há o cruzamento inicial de duas histórias centrais: a Condessa Valéria Dracul precisa arrumar um bom casamento para salvar o castelo de sua família das dívidas contraídas ao longo dos séculos. Mama Lupina, quem cuida da jovem Valéria, é um lobisomem (na verdade, uma lobismulher) que arruma para um bom (rico) pretendente para a jovem vampira. Trata-se de Dom Skelector, uma múmia em avançado estado de decomposição. Em contra-narrativa, temos Dom Skelector, uma múmia rica, que precisa ser mordido por uma vampira para que permaneça vivo eternamente. Os dois objetivos se unem e a história poderia terminar antes de ter começado. Os conflitos, felizmente, aparecem para tornar difícil a concretização dos objetivos expostos inicialmente e a história começar. A Condessa não gosta de Dom Skelector, mas se apaixona por seu assistente, o jovem Frank, uma criatura resultante de uma experiência de laboratório. Frank também se apaixona por Valéria, mas sabe que não tem o dinheiro de que ela precisa para salvar suas propriedades. A origem da fortuna de Dom Skelector passa a ser questionada. Mama Lupina se torna a chave da narrativa: ela fora empregada do pai de Frank, amigo de Dom Skelector, no passado. Ela estava inclusive presente quando o cientista desapareceu misteriosamente depois de ter colocado toda a sua fortuna nas mãos do amigo egípcio. Temos aqui um melodrama atualizado na sua melhor “receita”.
Com exceção de Dom Skelector, todos os personagens são bonzinhos. A múmia é má, o que constrói a dualidade do gênero. A narrativa apresenta um fio condutor bem definido e vários fios auxiliares que se unem no final. Tudo aquilo de que precisam os personagens para atingirem seus objetivos está passível de ser conseguido por mais barreiras que passam existir. É na forma como os personagens avançam em busca do que querem que está o cream of the top da história.Drama é trama. Destramar é contar o que acontece. Uma vez que os movimentos são harmônicos, temos a melodia narrativa que nasceu e cresceu na França do século XVII e XVIII e se tornou popular com o advento do rádio e da televisão, principalmente na América Latina. Aqui, o melodrama ganhou ares de comédia pela potencialização das cores, o exagero das emoções, o alargamento das situações. O melodrama é o gênero narrativo que mais oferece condições confortáveis ao musical, originariamente norte-americano. Tão claro é seu desenrolar que a música ganha importância e pode acrescentar. As músicas fazem, pouco ou muito, com que a narrativa se arraste, o objetivo demore mais para ser alcançado, o que deixa a atenção presa e estimule o espectador à permanecer na assistência até que tudo seja resolvido. A música do musical casa perfeitamente com a melodia do drama.
“Ópera Monstra”, com texto e músicas do gaúcho radicado em São Paulo Ricardo Severo, acontece dentro desses limites, amplos o suficiente para a criatividade do seu autor, seguros o bastante para o espetáculo seja produzido com aprofundamento. Quem dirige o espetáculo é a premiada Adriane Mottola, Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul que dispensa maiores apresentações. Como é comum num musical, a estrela do projeto é o compositor. Nesse caso, não é diferente. Acertadamente, toda a encenação se dirige para as canções e, em volta delas, ficam. Mesmo assim, podemos identificar as contribuições do teatro no andar com lampião de Mama Lupina na abertura, na excelente cena do jantar, entre outros momentos. Nesse contexto, o ator Duda Cardoso expressa o grande valor da direção ao sustentar uma construção cênica que positivamente contribui para o todo. Sem nenhuma fala, o personagem interage critica e humoristicamente com todas as situações. As participações de Cardoso estão na medida certa, ou seja, não levam a concepção para o vazio, mas engrandecem a proposta da direção, oferecendo ao personagem uma série de recursos que o singularizam.
A encenação de Mottola inclui perigosas inserções videográficas. Geralmente dispensáveis, esses recursos, quando mal usados, desfocam a contagem da história. Não é o caso aqui. A diminuição da luz, necessária para que as projeções apareçam, contribui para o tom sombrio da estética apresentada. As inserções se relacionam com os atores que interagem com elas. Não apenas servem para a contagem da história, mas também a contam nos momentos em que as animações comentam a cena.
Ainda sobre os aspectos plásticos do espetáculo, sem a pretensão de esgotá-los, “Ópera Monstra” oferece ao espectador figurinos que situam histórica e esteticamente a história. Sabemos que não estamos na contemporaneidade, embora o tempo seja totalmente definido. A ficção encontra lugar num período que, talvez, nunca existiu. Se algo pode ser dito em negativo, talvez, seja o uso de patins pela personagem Valéria, de Sofia Salvatori, que não encontra par no andar de Mama Lupina, de Janaina Pelizzon. A segunda resolve o seu movimento pelo cumprimento de sua saia e uma composição no andar. Todas as vezes em que vemos os patins da Condessa, o mistério desaparece, o interesse diminui. Em sentido contrário, o pó que emana do figurino de Dom Skelecton, de Lauro Ramalho, é excelente. Com certeza, se soubéssemos o que foi utilizado para que esse efeito se estabelecesse, o interesse não seria o mesmo. De um modo geral, elenco de “Ópera Monstra”, em conjunto, apresentam construções que fazem destacar a produção como um todo, o que é um valor.
As músicas compostas por Ricardo Severo, que também escreveu as canções de “Por um punhado de jujubas”, sucesso da Cia. Stravanganza, há vinte anos, se relacionam com a história de forma natural. Sem que haja um tema musical que una a narrativa e a identifique, as canções identificam ora os personagens, ora o desenrolar das tramas. O destaque está para a “Dança da Dona Skelectite” que, sem dúvida, “gruda” no ouvido como as boas frases musicais que fizeram do gênero o que ele é.
Esta é a dança da Dona Skelectite
Esta é a dança da Dona Skelectite
Ela anda assim de lado
Ela acha que é chique
É a dança da Dona Skelectite
*
Texto e Músicas: Ricardo Severo
Direção: Adriane Mottola
Elenco:
Sofia Salvatori
Janaina Pelizzon
Rodrigo Mello
Lauro Ramalho
Duda Cardoso
Cenário: Zoé Degani
Figurinos: Cássio Brasil
Preparação Corporal e Coreografias: Carlota Albuquerque
Preparação Vocal: Simone Rasslan
Preparação de Melodrama: Daniela Carmona
2 Comentários:
muito legal tu ressaltar a falta de estrutura para esse espetáculo aqui em porto alegre (entre tantos outros). também goste muito de ópera monstra, as peças da cia stravaganza nunca decepcionam.
Decepcionante a estrutura de som do teatro renascença, um lugar tão bonito e tão atirado. Já havia me decepcionado na entrega do açorianos, com a ópera monstra foi um insulto. Pobre dos meninos no palco, morri de pena!
Mas o espetáculo é lindo!
Parabéns a todos!
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