13 de jun. de 2010

Parasitas

Foto: Betânia Dutra

Hospedando-se

“Parasitas” foi escrita em 1999 pelo jovem dramaturgo alemão Marius Von Mayenburg (1972), sendo sua quinta peça. Em Porto Alegre, a montagem surgiu de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e o Instituto Goethe a fim de estimular a produção por novos diretores do texto alemão. João Pedro Madureira ganhou o edital em nome da vai!ciadeteatro, sendo seu segundo espetáculo. (O primeiro foi ou é Agora eu era.).

Méritos. Méritos. Méritos. João Pedro Madureira mostra ser um diretor muito inteligente. E mostra dizendo que suas opções foram pensadas, projetadas, articuladas. Que houve, assim, um estudo prévio. Que houve descarte de outras idéias. Que o que é apresentado para o público não surgiu de um poço sem fim de quereres, de desejos, de manias ou de ranços. O que o público vê, felizmente, é limpo, isto é, vem mais da produção e menos do produtor. Madureira não se coloca abaixo de Mayenburg, mas ao lado, deixando bem claro que, no teatro, apenas o Madureira aparece. Mayenburg deve esperar do lado de fora, por favor. E, gentilmente, ele espera.

O texto trata da relação de dependência. A doentia forma de construir afeto a partir da necessidade que se tem do outro, da outra metade da maçã. De alguma forma, todos os cinco personagens de Mayenburg dependem emocionalmente de outro. Petrik não consegue dormir sem sua esposa Friederike. Friederike não consegue manter-se de viva sem alguém que a vigie (ora o marido, ora a irmã, Betsi). Betsi depende de qualquer um a quem possa cuidar (ora a irmã, ora o marido, Ringo). Ringo depende de sua esposa, Betsi, para comer e ir para o sol porque foi atropelado e é paralítico. Multcher depende da cordialidade de Ringo para não ser sufocado pela culpa de tê-lo feito perder os movimentos. Em direção contrária ao aparente, a relação de dependência não age apenas para o bem. Você precisa de algo, busca do que precisa, consegue e volta-se à calma. Em “Parasitas”, aquele que dá do que você precisa, deve sofrer. Você obtém dela do que precisa, mas você a mata. Você tira algo dessa pessoa não para ser feliz, mas para ser feliz vendo-a sem o que ela deu a você. O parasita destrói o hospedeiro. Não só a troca não se estabelece como a oferta é prejudicial. Marius Von Mayenburg trata, nesse texto, do exato oposto da caridade, que é o dar sem esperar nada em troca.

A temática do dramaturgo está disposta de forma não linear. Os diálogos não são contínuos e nem sempre claros. No entre-frases, há orações sem sentido aparente. (Leia-se: sem possível articulação aparente). O texto se organiza para informar ao leitor que a informação que ele pensa ter encontrado não é a que ele queria encontrar, mas outra. Quando você pensa que entendeu, aí é que se perdeu. Com isso, o narrador (não necessariamente o dramaturgo) deixa claro seu posicionamento acerca do mundo: um lugar onde nem tudo precise fazer sentido, porque, afinal de contas, nem tudo tenha mesmo.

“Parasitas” é terreno fértil para a encenação pós-dramática e fazê-lo é uma opção do diretor de teatro e não do dramaturgo. João Pedro Madureira dispõe o tema no palco utilizando do universo lingüístico proposto por Mayenburg. Como lá, aqui também há o esforço em informar que a informação não está onde o espectador pensa que está, mas além. Petrik é interpretado por uma atriz e não por um ator. O paralítico (que se tornou paraplégico na montagem de Madureira), em determinado momento, anda com suas próprias pernas. Com um par de sapatos em punho, Multscher oferece flores, esse mais um entre tantos exemplos que poderiam ser trazidos aqui por quem assistir à montagem. Destaca-se, ainda, o fundo da cena: uma grossa camada de algodão suspensa sob refletores. E se alguém pensar em nuvens, talvez, se enganará.

No entanto, nem tudo concorda com as propostas de Mayenburg e, entre as discordâncias, nem tudo é ruim. É bom, para citar, que as construções de personagens não se dêem de forma linear. Esse é caso de Ringo (Leo Maciel) e, sobretudo, de Friederike (Patrícia Soso). Não há uma linha que determine a expressão do personagem, mas várias que se alternam. A velocidade com que isso se dá faz com que Soso seja a melhor intérprete em cena, a que mais se destaca nesse elenco composto de atores muito bons. A Betsi de Laura Leão e o Petrik de Priscilla Colombi, mas sobretudo o Multscher de Francisco Gick, me fazem pensar se, considerando os esforços nítidos das atrizes e do ator em desorganizar seus personagens, não teriam sido as próprias figuras construídas no texto de Mayenburg de forma discordante com o seu todo. Em outras palavras, é possível pensar que nem todos os personagens de “Parasitas” sejam tão ricos como Friederike, o que é um desvalor para o texto, embora acrescente méritos à produção porto-alegrense.

Madureira deixa ver marcas de uma estética pin-up na encenação, embora sem uma paleta de cores que remetam ao technicolor. Azul, violeta, preto e cinza são as tintas do encenador. Mas os movimentos da cena são fortemente marcados. Há pausas entre gestos rápidos: poses para fotografias. Betsi mostra-se como a defensora da família feliz e o figurino é perfeito como um cerimônia de gala. Ao considerar essa opção estética, penso descobrir um algo que explique a lentidão da narrativa, que se torna entediante em vários momentos. O grande número de marcas tornam o evoluir da cena pesado, o (ab)uso da simetria enrijece a história que poderia ser contada em quarenta e cinco minutos. Explorado o tema, reconhecidas as relações que unem os personagens, ir além é um ideal dramático que não concorda com a quebra de linearidade do texto ou com a pós-dramaticidade da encenação. Nem mesmo há história que sustente todos os minutos finais: Friederike vai ou não vai voltar para casa é a única pergunta que resta responder. Betsi, afinal, nunca se separará de Ringo que, por sua vez, está condenado a ficar para sempre em uma cadeira de rodas, queria Multscher ou não.

Assim, interessante é notar que a relação de dependência e, quem sabe, também parasitária, pode ser vista entre Mayenburg e Madureira. O dramaturgo se realiza naquele que encena o seu texto, esse feito para o palco. O encenador usa os personagens e a narrativa do autor ao construir a sua encenação. Mas teatro não é literatura e o escritor, muitas vezes, torna cansativo o trabalho do encenador. Por seu turno, o diretor, ao usar o texto, precisa fazê-lo mal. E eu, aqui, também uso de um texto que não é meu e de uma encenação que não é minha para, entre tantas coisas positivas que destaquei, identificar, talvez, alguns males. E, convidar os leitores para ver o espetáculo e hospedar-se nele.


*


Ficha Técnica:

Texto: Marius von Mayenburg
Direção: João Pedro Madureira
Concepção: João Pedro Madureira e Maria Luíza Sá e Madureira


Elenco:
Francisco Gick
Laura Leão
Leo Maciel
Patrícia Soso
Priscilla Colombi


Produção: Laura Leão
Cenário: Leonardo Fanzelau
Figurino: Daniel Lion
Iluminação: Gilberto Fonseca
Cabelos: Elison Couto
Maquiagem: Taidje Gut
Fotos: Betânia Dutra

1 Comentário:

mariamad@gmail.com disse...

Rodrigo! Tendo escrito a concepção do espetáculo junto com o João, venho te agradecer não só por perceber a montagem de forma tão rica, mas também por elogiar o trabalho dos atores pois, sem a profundidade com que foram capazes de entender o texto, não seria possível que as idéias da concepção fossem colocadas em prática.

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